terça-feira, 17 de março de 2009

O TABU DO DÉFICE EXTERNO

Há três semanas a Comissão Europeia aprovou, com alguns elogios ao Governo, o programa português de programação orçamental até 2011. Mas lançou um aviso: Portugal não tem folga para novas medidas de combate à crise, dados os nossos actuais níveis de endividamento.
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De facto, há o risco de Portugal hipotecar o futuro das suas finanças públicas, desperdiçando o esforço realizado em anos anteriores para as endireitar. E existem, sobretudo, as limitações impostas pelo défice externo.
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Quando tínhamos moeda própria, o escudo, o desequilíbrio externo resultava em escassez de divisas no Banco de Portugal, estrangulando as importações de bens essenciais, como cereais e petróleo. Tínhamos então de pedir dinheiro emprestado no estrangeiro para ultrapassar o aperto, mas ninguém nos dava crédito sem que, antes, o Fundo Monetário Internacional nos obrigasse a medidas duras de reequilíbrio financeiro. Aconteceu em 1978 e 1983, aliás com sucesso para o FMI.
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No euro não hão constrangimento da falta de divisas. O nosso banco central é o BCE, onde a economia portuguesa pouco pesa. Por isso criou-se em alguns a ilusão de que o défice externo se tornara irrelevante. Assim nos fomos alegremente endividando ao estrangeiro.
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Consumimos mais de um décimo acima daquilo que produzimos. O défice externo português equivalia a 0,4% do PIB em 1995; no ano passado chegou a 10,6% e continua a subir. A diferença tem sido coberta sobretudo com dívidas ao estrangeiro.
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Os bancos portugueses têm de ir buscar lá fora cerca de metade daquilo que emprestam internamente. Ora a crise financeira global tornou mais caro e difícil o acesso a empréstimos estrangeiros. Mas a situação pode piorar: se o financiamento externo cessar, a economia portuguesa entra em colapso.
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O défice externo poderá ser ultrapassado reduzindo o nível de vida dos portugueses e/ou aumentando as nossas exportações de bens e serviços. O problema é que estamos há anos a perder competitividade. Os custos do trabalho por unidade produzida em Portugal sobem muito mais do que na grande maioria dos outros países europeus, ultrapassando largamente as modestas melhorias de produtividade que temos conseguido.
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Como não se pode desvalorizar a moeda, e uma melhoria significativa da produtividade, a concretizar-se, leva tempo, não teremos outro remédio nos próximos tempos que não seja diminuir os gastos que impliquem mais crédito externo. É o caso, por exemplo, dos grandes investimentos públicos que o Governo defende. O crédito externo que for aplicado (se for) nesses empreendimentos faltará para outras aplicações mais necessárias.
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Nada disto é novidade. Tem sido dito e repetido por inúmeros economistas e comentadores. E não só por gente considerada “de direita”. José da Silva Lopes, um dos mais eminentes economistas portugueses, é de esquerda e explicou lucidamente o beco sem saída para onde nos encaminhamos. Silva Lopes propôs, mesmo, um congelamento dos salários acima do salário mínimo e a redução dos vencimentos de topo nas empresas. “Não podem ser só os desempregados a pagar a crise, o resto da população também tem que participar”, sublinhou.
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Outro economista prestigiado, Vítor Bento, concorda: “Não havendo desvalorização da moeda, impõe-se reduzir os factores de custo, neste caso por redução dos salários reais”. Redução, acrescento eu, que no passado era politicamente facilitada pela “ilusão monetária” da inflação: os trabalhadores ficavam satisfeitos com altos aumentos nominais de salários, sem repararem que a inflação iria reduzir o valor real desses salários. Agora, com uma quase nula inflação (se não se tornar deflação…), seria necessário conter os salários nominais, o que é mais complicado.
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O Governo não fala publicamente no problema crucial do défice externo. O primeiro-ministro todos os dias aparece a anunciar isto e mais aquilo, mas o défice externo é tabu. Não convém lembrar tal coisa em ano de eleições, naturalmente. Mas seria mais sério e responsável explicar aos portugueses a situação real, porque tem o risco de virmos todos a bater com a cabeça na parede do endividamento estrangeiro. É que, como já escrevi, só a verdade suscita confiança. E a falta de confiança é o factor decisivo da actual crise.
Francisco Sarsfield Cabral, Público.

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