Sempre-viva despertou fresca e viçosa. Banhou-se na altivez orvalhada dos plátanos suburbanos e secou-se na aragem amena e afectuosa que, ao romper da bela aurora, soprava do quadrante Norte. Envergou o uniforme e partiu rumo à cidade em missão especial que se adivinhava intrincada e tenebrosa.
Afinal a repartição não era tão Kafkiana como espalham por aí alguns cidadãos mal intencionados. Nem chegou a haver processo. Umas alegações e a exposição de razões foram o bastante para que a desembargadora logo assumisse o seu lado profissional.
Ao abrir dos outros serviços já Sempre-viva, obrigação cumprida, descia a grande avenida a passos largos. De um lado estava tudo assim e do outro tudo assado. Só a tonta da aragem divertida e folgazona vinha a chocalhar as copas das árvores provocando a queda livre das flores lilases. A calçada nua, repisada, encardida e agradecida deixava-se tapar pelo manto voluptuoso e perfumado.
Ao chegar à vida real, Sempre-viva aplaudiu a eficiência que ajudou ao sucesso da função. Depois entregou-se ao prazer de tentar decifrar o incorpóreo como se não tivesse mais nada que fazer.
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Fotografia de Azttlan/Alan Zabicky
Afinal a repartição não era tão Kafkiana como espalham por aí alguns cidadãos mal intencionados. Nem chegou a haver processo. Umas alegações e a exposição de razões foram o bastante para que a desembargadora logo assumisse o seu lado profissional.
Ao abrir dos outros serviços já Sempre-viva, obrigação cumprida, descia a grande avenida a passos largos. De um lado estava tudo assim e do outro tudo assado. Só a tonta da aragem divertida e folgazona vinha a chocalhar as copas das árvores provocando a queda livre das flores lilases. A calçada nua, repisada, encardida e agradecida deixava-se tapar pelo manto voluptuoso e perfumado.
Ao chegar à vida real, Sempre-viva aplaudiu a eficiência que ajudou ao sucesso da função. Depois entregou-se ao prazer de tentar decifrar o incorpóreo como se não tivesse mais nada que fazer.
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Fotografia de Azttlan/Alan Zabicky
3 comentários:
Este belo texto também pode explicar muito do que se passa com Fátima Felgueiras, Isaltino, Ferreira Torres, etc.
Mesmo que não tenha sido essa a intenção da autora ao escrevê-lo, é uma bela peça literária que faz inveja a muitos dos chamados escritores da nossa praça e não só.
Parabéns, Graça.
Que pena Graça B. ter mais que fazer na sua vida que escrever.
Por isso só vamos desfrutando destes belíssimos textos quando a vontade lhe chega e o tempo lhe sobra. Mesmo assim é sempre um prazer apanhar por aqui as suas divagações poéticas.
Zigoto,
Que perspicácia! Como tu consegues ler nas entrelinhas dos meus delírios aquilo que realmente eu queria dizer. :)
Grata pela tua apreciação e simpatia. Muito obrigada.
Blimunda,
É mais o ter que ganhar o pão com manteiga de todos os dias, pois é coisa que me rouba grande parte da energia que gostaria de gastar nas divagações. A esperança de ganhar tempo é pouca. Agora já nem a ideia da libertação do espírito pela reforma me anima, pois terei que picar o ponto até não conseguir sair de casa por causa das atroses (ou algo assim...), até muito depois de ter que usar óculos com lentes de fundo de garrafa porque não vejo um boi, até quando já não conseguir expressar-me oralmente porque me cairam os dentes e estarei sem dinheiro para comprar a dentadura postiça, etc, etc. Isto tudo se não me der a travadinha muito antes e não for desta para melhor (ou para pior, que as minhocas e lagartas ou o fogo do crematório, não parecem coisas nada agradáveis). Enfim...podemos sempre arranjar uma forma de fazer apenas o que queremos e o que gostamos, desde que não precisemos dos trocos mensais para garantir a sopa do dia, pagar as contas, educar os filhos e etc. Sendo assim, vamos fazendo na mesma, mas com muitas intermitências e algumas dificuldades.
Muito obrigada por ter lido o texto e pelo comentário que é, também, um estímulo.
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