segunda-feira, 31 de março de 2008

RECUERDOS...


QUANDO AINDA ERAM UMA FAMÍLIA FELIZ

A MORDAÇA


“Fiz há dias 67 anos de idade. Não, não quero parabéns! Quero compreensão. Quero que a inteligência seja uma prenda para todos os meus leitores... os voluntários e os forçados!

Por razões que um dia, mais tarde ou mais cedo, virão a público não estou a escrever neste blogue.

De momento ando muito ocupado.

Prometo voltar em breve. Tão breve quanto os afazeres me deixem.

Para todos, votos de Boa Páscoa e, como nesta quadra se comemora o renascimento, desejo a todos que o bom senso renasça com a força da Primavera, a alegria desponte com as primeiras folhas, a razão brote como os novos ramos rebentam nas árvores.”

A história não começa nem termina neste lamento que leio no blogue “O Fio de Prumo”. Começou a circular na internet através de uma carta fundamentada e documentada de um Sargento-Chefe da Força Aérea, extravasou para a blogosfera e está agora estampada nas páginas do DN de Sábado passado e de hoje.

Vou ser tão breve quanto a indignação e a solidariedade com esses meus dois camaradas militares mo permitirem.

É conhecida a política de saúde (per)seguida pelo governo de José Sócrates e o respectivo clamor de protestos que tem desencadeado por todo o país. O que nem sempre tem merecido a devida atenção dos media é que também o direito à saúde dos militares tem sofrido o mesmo tratamento de polé.

As associações militares vêm há muito envidando esforços junto das chefias e da tutela, no sentido de inverter o rumo da política governamental neste domínio. Sem sucesso.

E agora que um militar reformado usa o direito de expressão que a Constituição da República lhe confere, é alvo de um processo disciplinar movido pelo Chefe do Estado Maior do respectivo Ramo. As Forças Armadas, como qualquer Instituição da República, não podem constituir um estado dentro do Estado, nem o Regulamento de Disciplina pode sobrepor-se à Constituição. A coesão das Forças Armadas e o prestígio das chefias conseguem-se através da dignificação dos militares e do respeito pelos seus direitos, expresso nos Direitos Liberdades e Garantias constitucionais.

Para quem ainda desconhecia a questão, aqui fica a notícia do DN, 29 de Março de 2008, página 17:

“A Força Aérea Portuguesa (FAP) instaurou um processo disciplinar contra um coronel reformado do ramo, por críticas feitas às "longas filas" de militares que querem marcar consultas no Hospital do ramo.

A nota de culpa foi entregue quinta-feira a Luís Alves de Fraga, autor do blogue "Fio de Prumo", por aí ter responsabilizado (a 12 de Fevereiro) as chefias da FAP pelas filas que se formam à entrada do Hospital - visíveis nas fotos exibidas - por militares reformados. "As chefias responsáveis (...) já deviam ter tomado medidas contra tal estado de coisas", frisou o coronel, questionando-se depois se "não serão os Serviços do Estado-Maior da Força Aérea competentes para estudarem e resolverem o problema da marcação das consultas do Hospital".

Luís Fraga, professor na Universidade Autónoma de Lisboa, fez depois comparações com o passado: "A atitude das chefias [actuais] é diferente, porque não tendo coragem ou, tendo-a, não querem dar dela público manifesto, dão, assim, mostras de uma subserviência ao poder político que envergonha a tropa que comandam."

A nota de culpa da FAP declara que aquelas afirmações violam o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) por ferirem a dignidade, a honra e o bom nome das chefias da FAP e, em particular, do seu chefe do Estado-Maior, serem atentatórias da coesão e disciplina na FAP e denotarem, ainda, falta de respeito por aqueles generais e pelos cargos que ocupam, revelou ao DN o advogado de Luís Fraga, Emanuel Pamplona.

"A nota de culpa e o processo disciplinar levantado contra um militar fora do serviço efectivo e há muito na situação de reforma, com fundamento nos motivos acima explicitados, é ofensiva dos mais elementares direitos constitucionais dos cidadãos e até do regime democrático", denunciou Emanuel Pamplona. Como "o militar na reforma não se encontra sujeito às restrições constitucionais relativas à liberdade de expressão", o advogado garantiu ao DN estar-se perante "um problema de liberdade de expressão", onde o recurso ao RDM pela FAP visa "humilhar publicamente alguém que pela sua verticalidade, coragem e saber merece a consideração de todos".

Quanto a haver "militares que se sentem ofendidos nos seus direitos pelo conteúdo do blogue, podem e devem recorrer aos meios comuns, nomeadamente tribunais que se encontram à disposição de todos os cidadãos", acrescentou o advogado.

A FAP "não se pronuncia sobre o conteúdo de processos disciplinares". Mas disse ao DN que "os militares na situação de reforma também estão abrangidos pelo RDM, ainda que existam diferenças de aplicação".”

A propósito deste lamentável episódio da vida castrense contemporânea, veio-me à memória o General Santos Costa que foi um dos mais estreitos colaboradores de Salazar e um dos mais longevos ministros dos seus governos. Ao longo dos 22 anos em que esteve no Governo, onde ocupou os cargos de subsecretário de Estado da Guerra e de ministro da Guerra e da Defesa, foi a figura mais importante do regime junto do Presidente do Conselho de Ministros.

Santos Costa tinha o hábito de escrever com tinta verde e, como gostos não se discutem, daí não viria mal ao mundo. Mas o que ora recordo é que também era useiro e vezeiro em enviar aos oficiais pequenos bilhetes manuscritos a verde, em que começava invariavelmente: “tive conhecimento que o senhor fulano de tal se referiu…etc.”

Mas o verde não significava para o destinatário qualquer sinal de esperança. Era, isso sim, um intimidatório cartão amarelo, quando não vermelho, que lhe comprometia a carreira por delito de opinião.

O que não me consta é Santos Costa ter alguma vez enviado tal pré-anúncio de sanção a militares reformados. Para isso – como para todos os amordaçados cidadãos – à época, sobrava a PIDE.

Enfim: já que não se pode matar a notícia, mata-se o mensageiro.

domingo, 30 de março de 2008

A FELICIDADE É ...

... UMA BOA GARGALHADA DE MANHÃ CEDO, PARA COMEÇAR BEM O DIA.

O PARAÍSO É ...

SINAIS DOS TEMPOS

O presidente da Assembleia da República Jaime Gama foi ao Funchal elogiar, em cerimónia pública, a obra feita na Madeira durante as três décadas de governação com maioria absoluta de Alberto João Jardim e prestou homenagem ao "político democrático e combativo que é o presidente do Governo Regional”.

A reacção de repúdio do PS/Madeira não se fez esperar, lembrando a Gama o caciquismo de Jardim e a falta de respeito pelas oposições que é apanágio do seu governo.

Numa altura em que José Sócrates governa o país com evidentes tiques de autoritarismo e desprezo pelas críticas, escudado pela maioria absoluta de que também dispõe, importa saber se Jaime Gama defende que os fins justificam os meios a qualquer preço.

E, já agora, se tenciona prestar vassalagem na primeira oportunidade aos sultões do Golfo, que constroem palácios das mil e uma noites à custa do petróleo, enquanto espezinham os mais elementares direitos humanos.

Consta há muito que Jaime Gama é um peixe de águas profundas; mas talvez haja esquecido que se exprimiu enquanto presidente da Assembleia da República de um Estado democrático de direito. E esse devia ter mais cuidado com a responsabilidade do cargo e do que afirma publicamente.

A não ser que aprove o caciquismo populista de quem ora elogia.

NOTA EDITORIAL

Na curta vida de “O Cacimbo” surge pela primeira vez uma opinião que provoca comentários discordantes. E ainda bem.

Sem pretender ser polémico, este blogue assume-se pela defesa da liberdade de expressão.

Somos contrários ao unanimismo – essa subserviência castradora que segue sempre a voz do dono e é a semente de todos os totalitarismos - e, por isso, declarámos-nos desde princípio contra a ditadura do pensamento único.

Congratulamos-nos pelas reacções que o “Admirável mundo novo” - e outros que eventualmente surjam - suscitou ou venham a provocar.

As vossas opiniões serão sempre bem-vindas.

“O Cacimbo” luta pela liberdade de opinião, mesmo quando pontualmente discorda dela.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Este admirável Mundo Novo!
Graças á eleição do mano Raul [Castro] e á subsequente “abertura” em curso, as famílias cubanas vão passar a poder ter, imagine-se, panelas de pressão.
Não é admirável?
Não é extraordinário, que esta ferramenta tecnológica passe, assim de repente, a estar ao dispor de qualquer simples dona de casa?
Quem poderia imaginar?.

sábado, 29 de março de 2008

ZIMBABWE À BEIRA DO COLAPSO


Supermercado em Harare.
Uma barreira de arame farpado, que faz a diferença entre uma ditadura mergulhada num marasmo económico e a liberdade num país próspero. Esta é a que já levou mais de três milhões de pessoas a fugir do Zimbabué, a maioria para a vizinha África do Sul, outras para o Reino Unido, antigo país colonizador.
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Os jovens viram as costas a um país onde a esperança de vida não ultrapassa os 36 anos. É o caso deste zimbabuense, que acredita, contudo, que, "se o governo tomasse medidas, se houvesse uma mudança de presidente, talvez as coisas melhorassem no Zimbabwe."
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Robert Mugabe, que dirige o país desde os anos 80, conseguiu transformar uma economia saudável e aberta ao investimento estrangeiro numa pobreza extrema, onde tudo se comercializa em dólares americanos ou rands sul-africanos - no mercado negro, claro.
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Porque as lojas estão vazias. E as medidas do governo para controlar os preços só serviram para agravar a penúria.
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O dólar do Zimbabwe não pára de desvalorizar e a taxa de inflação bate recordes mundiais de 100 mil por cento ano. A dívida externa do país atinge os 4 mil e 400 milhões de dólares - dois mil e 800 milhões de euros - e 80% dos mais de 13 milhões de habitantes vive na pobreza extrema.
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Aquele que foi o celeiro da África Austral, depende hoje da ajuda alimentar. A reforma agrária de 2000, que expropriou os agricultores brancos, saldou-se na partida de mais de quatro mil fazendeiros, e desde então a produção agrícola está em queda livre.
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Para remediar a situação, Mugabe promete tractores e adubos. O ditador que embaraça a União Europeia tinha prometido abandonar o poder no final do seu mandato, mas acabou por recandidatar-se.
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Os seus dois principais opositores prometem fazer marcha-atrás na reforma agrária e chamar os exilados, se ganharem as eleições. Mas com a recusa do Zimbabué em aceitar observadores internacionais, a credibilidade do escrutínio já está comprometida.
BBC News

JOGOS OLÍMPICOS EM PEQUIM


ROBERT MÉNARD APELA AO BOICOTE DA CERIMÓNIA DE ABERTURA DOS JOGOS OLÍMPICOS
Robert Ménard tem uma nova causa. O fundador e secretário-geral dos Repórteres sem Fronteiras quer boicotar a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim.
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Ménard foi, aliás, um dos três manifestantes que perturbaram o acender da chama olímpica, na passada segunda-feira, na Grécia. Um protesto contra a violação dos direitos humanos na China, em particular no Tibete. Nesta entrevista à EuroNews, Robert Ménard diz que misturar política com os Jogos Olímpicos se torna inevitável, especialmente quando é a China que está em causa.
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Pergunta: Um boicote à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim é, verdadeiramente, a melhor solução para uma manifestação contra a violação dos direitos humanos na China, e sobretudo no Tibete?
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Robert Ménard: Não é a melhor solução. É a menos má. Não se vai regularizar o problema dos direitos humanos no Tibete e na China agora, em quatro meses. Há anos que os países democráticos e os grandes países ocidentais se deveriam ter fechado mais à China. Ao mesmo tempo, agora estamos perante um acontecimento importante e parece-nos que reivindicar que os chefes de Estado e de Governo não estejam presentes nas três horas e meia que durará a cerimónia de abertura é o mínimo, o mínimo!
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Perg: Porquê apenas um boicote da cerimónia e, não se pode efectuar um boicote total?
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RM: Porque não é possível pedir aos desportistas algo que é impossível para eles. Hoje, pedir aos jovens e às jovens, após meses, após anos de preparação para estes jogos, para não irem, é inadmissível. Não são eles os responsáveis por isto. A responsabilidade é, em primeiro lugar, do Comité Olímpico Internacional, pois foi ele que votou e designou Pequim. É ele que tem que assumir as suas responsabilidades. E os políticos, homens e mulheres, porque esta decisão [de realizar os Jogos em Pequim] é uma decisão política.
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Perg: Mas quando fala em assumir as responsabilidades, quer dizer o quê exactamente? Por exemplo, Jacques Rogge, o presidente do Comité Olímpico Internacional, disse que o Comité está envolvido numa diplomacia silenciosa com a China.
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RM: Ele goza com toda a gente, Jacques Rogge. É um mentiroso. Há meses que lhe entregámos, não apenas nós, mas organizações de defesa dos direitos humanos de todo o mundo, uma lista com quatro dezenas de nomes de pessoas que estão presas, e lhe pedimos para a transmitir às autoridades chinesas. Jacques Rogge não o fez. Jacques Rogge não consegue nada, porque ele não pede nada. Ele diz: eu sou organizador de espectáculos desportivos, não me podem pedir para falar de direitos humanos, eu não faço política. Mas a decisão de ir a Pequim, é uma decisão política.
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Perg: Se a França não participar na cerimónia de abertura, mas o fizerem a Alemanha, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, que se dizem contra um boicote... a França sózinha, o que é que pode mudar verdadeiramente?
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RM: No nosso espírito, não se trata apenas de o pedir a Nicolas Sarkozy. Por que é que é importante a posição de Sarkozy? Porque no próximo mês de Agosto, na altura dos Jogos Olímpicos, é ele que presidirá à União Europeia. Por conseguinte, ele será o representante de 27 países europeus. Aí, ele vai ter uma reunião com os ministros dos Negócios Estrangeiros de toda a União, dos 27 países europeus. Espero que eles venham a tomar uma posição comum. Espero que toda a Europa junta fale alto e forte. Não podemos explicar que os direitos humanos foram inventados na Europa pelos europeus e esquecê-los quando é incómodo. Evidentemente, os nossos governos não desejam fazer isso. Os nossos Governos estão obcecados com uma coisa, os negócios com os chineses e as suas empresas com o mercado chinês.
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Perg: Quer que os responsáveis políticos boicotem a cerimónia de abertura. E os jornalistas, na sua opinião, o que devem fazer?
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RM: Todos os jornalistas devem pedir autorização para ir a Lhassa, no Tibete. Todos devem pedi-la. Haverá 20 mil jornalistas no terreno, para pedir e ir, porque o seu trabalho é ir ao lugar onde é mais difícil. Eu não consigo imaginar que um jornalista digno desse nome se contente com uma ida a Pequim. Não é possível. Essa é a primeira coisa. Há um determinado número de jornalistas, a quem vou pedir para levarem uma mensagem: "Eu não sou ingénuo". Certamente, eu estou aqui pela actualidade, resultados desportivos, pela competição e por tudo, mas ao mesmo tempo eu sei em que país estou.
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Perg: Eu li num artigo que disse que o problema das ONG é que têm relações incestuosas com a esquerda, mas considera-se apolítico na sua abordagem a esta questão?
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RM: Nós não somos cães de guarda. Eu não tenho mais simpatia por um regime, por uma ditadura de direita ou uma ditadura de esquerda. Eu e os Repórteres sem Fronteiras somos capazes de nos mostrar igualmente intratáveis com o senhor Castro, quando ele põe 25 jornalistas na prisão, e com Bush, quando o seu exército dispara sobre os jornalistas, no Iraque. Eu não digo que o senhor Castro e o senhor Bush sejam a mesma coisa. Evidentemente que não. Eu não tenho um espírito selectivo. Há ditaduras boas e ditaduras más? Claro que não. Eu estou escandalizado pela Arábia Saudita próxima dos americanos, como pela China comunista, da mesma maneira.
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Perg: Senhor Ménard, a minha última questão: e o senhor, vai a Pequim?
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RM: Eu não posso mais ir a Pequim. Correram comigo em Agosto passado. Eu manifestei-me numa rua, em frente da sede do Comité de Organização de Pequim, e eles prenderam-nos, expulsaram-nos do país. Eu tentei voltar, há uns meses, por Hong Kong. É uma pena que não o tenha trazido, porque vos poderia mostrar que me puseram no passaporte um carimbo com o qual não poderei jamais entrar na China. O Governo chinês não é eterno. Eu também não, mas espero poder voltar à China, a uma China democrática"

Clique na imagem para ampliar.
Ainda sobre a decisão de realizar os Jogos Olímpicos na China, no passado dia 26 de Março a Comissão de Assuntos Exteriores do Parlamento Europeu ouviu o Presidente do Parlamento Tibetano no exílio, Karma Chophel, expôr com clareza as propostas da “via do meio” defendida pelo Dalai Lama e pelas estruturas tibetanas sobre a forma negociada e pacífica para resolver a crise do Tibete, que ameaça toldar a organização dos Jogos Olímpicos em Pequim.
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O representante tibetano foi explícito ao defender que não devia haver boicote aos Jogos Olímpicos, que a China não devia ser isolada e que o objectivo dos tibetanos não era a separação da RP China, mas antes alcançar um estatuto de autonomia que garantisse direitos humanos e liberdades básicas (incluindo liberdade religiosa) aos tibetanos e lhes facultasse auto-governação no seu território.
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Antes da reunião com o representante do governo tibetano no exílio, o plenário do PE debateu se deveria haver boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim, ou não. Foram discutidas as difíceis condições vividas pelo povo tibetano no seu próprio país, com manifestações racistas das autoridades chinesas sobre a população local que se estendem às vizinhas províncias chinesas onde existem minorias tibetanas.
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Foi consensualmente afirmado que o PE deseja ver os direitos humanos e as liberdades respeitadas tanto no Tibete, como na China, onde tantos estão na prisão só por ousarem expressar as suas opiniões - como Hu Jia, logo após ter falado com os parlamentares europeus, em Novembro passado, através de video-conferência. O boicote dos Jogos Olímpicos em Pequim seria muito conveniente para aqueles que, no governo chinês, contam com a indiferença do mundo para continuar a oprimir quer chineses quer tibetanos. Em vez disso, estas olimpíadas podem ter um forte impacto na sociedade chinesa e produzir efeitos benéficos no progresso dos direitos humanos e na liberdade no Tibete e na China.

FEBRE DE SÁBADO À NOITE


Juca, meu Juca

Hoje é Sábado e lá voltei ao casco submerso das minhas recordações esquecidas, agora que a idade já me visitou para ficar.

Numa daquelas noites memoráveis de febre em Sábado à noite - após acompanharmos a casa, antes da uma da madrugada, as colegas que tinham participado numa festa de aniversário - lá fomos, comme d’habitude, até à Ilha do Cabo.

O ritual era conhecido e a multa barata.

Chegados ao quintal, batíamos nos luandos que tapavam dos mirones a rebita, e ouvia-se uma voz grossa:

- Quem está aí?

- São us mininos do liceu – respondíamos em coro.

- E trazem a multa?

- Sim! Claro que trazemos.

- Então podem entrar.

Cumprida a formalidade da entrega do garrafão ao mestre-sala, era um vê se te avias até nascer o sol, que o ritmo convidava à dança e as filhas dos pescadores não se faziam rogadas.
Dessa vez, fazia parte do nosso grupo de rebiteiros um colega alto e magrinho que mais parecia um tira-linhas.

E eis que da roda salta uma dengosa de braços abertos, rebolando-se a preceito:

- Juca, meu Juca, vem dançar comigo...

- Mas eu não me chamo Juca. Sou o Carlos.

- Não és nada. Juca, meu Juca, vem cá...

- Sou o Carlos, já disse!

- Ai Juca, meu Juca, conheço-te bem e gosto mesmo de te fumar.

Só então percebemos a praxadela:

Os cigarros marca Juca eram um verdadeiro mata-ratos compridinho e que tinha mais mortalha do que tabaco.

Agora digam lá que a farrista não a sabia toda.

O GRANDE LIDER

......... Clique na imagem para ampliar
Os resultados das eleições no Zimbwe são duvidosos. O mais provável é Mugabe ser reeleito, pois ele deve ter preparado bem a "máquina" administrativa para não perder o poder. Por outro lado, a polícia política serve para isso mesmo. Ele também não esconde as suas intenções e já declarou que "ninguém alcançará o poder enquanto eu me recandidatar".
Contudo, o "grande líder" destruiu o país. Não merecia ser reeleito, mas a pobre população parece não ter alternativa senão suportar o fardo que lhe é imposto mais um período presidencial. Os números que falem por si:

População ........................................ 13,1 milhões de habitantes em 2006
Eleitores .......................................... 5,9 milhões inscritos
Línguas ............................................ Inglês, Chona, Sindbele
Religiões .......................................... Cristãos (dos quais 50% anglicanos) e animistas
Esperança média de vida .............. 39 anos (média geral); 40 anos (homens); 38 anos (mulheres)
Taxa de desemprego ..................... 80%
Taxa de inflação ............................. 100 000%/ano
População em total pobreza .......... 80%
Incidência de Sida ........................... 24%
Núm. de pessoas desalojadas por demolições .... 700 000
The Economist

DE VITÓRIA EM VITÓRIA ATÉ À DERROTA FINAL

NEM SANTA MAÇADA LHES VALE


x 2 já expulsos com cartão vermelho
* 1 transferido para a equipa B
DERROTA FINAL NAS LEGISLATIVAS 2009


Sócrates é considerado o pior primeiro-ministro de sempre, em Portugal, segundo a sondagem realizada para a Exame pelo Gemeo- Gabinete de Estudos de Mercado e Opinião, do IPAM.

O objectivo do estudo, que envolveu 800 entrevistados com mais de 18 anos e residentes em todo o país continental, foi medir a notoriedade e também o desempenho dos primeiros-ministros e ministros das Finanças dos governos portugueses, provisórios e constitucionais, da era democrática, de acordo com os dados publicados pela Exame.


CORRENDO PARA ELEIÇÕES 2009


SÓCRATES DEIXA CAIR 1% DO IVA
MAS AINDA PAGAMOS 20%
+
OS 7 IMPOSTOS QUE ELE SUBIU

A MINISTRA DA (DES) EDUCAÇÃO...

Qual Bruxa Lola, Avaliação Rodrigues faz Mézinhas contra os MALVADOS PROFESSORES COMUNISTAS...

POR UM INSTANTE


Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapos e me presenteasse com mais um pedaço de vida, eu aproveitaria esse tempo o mais que pudesse...
Possivelmente não diria tudo o que penso, mas definitivamente pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não por aquilo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, porque entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais se detivessem, acordaria quando os demais dormissem.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, deitava-me ao sol,
deixando a descoberto, não somente o meu corpo, como também a minha alma.
Aos homens, eu provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de se enamorar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se enamorar...
A um menino eu dar-lhe-ia asas, apenas lhe pediria que aprendesse a voar.
Aos velhos ensinaria que a morte não chega com o fim da vida, mas sim com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com Vós homens…. Aprendi que todo o mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com a sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do seu pai, agarrou-o para sempre.
Aprendi que um homem só tem direito a olhar o outro de cima para baixo, quando está a ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com Vocês, mas agora, realmente de pouco me irão servir, porque quando me guardarem dentro dessa caixa, infelizmente estarei morrendo.
Sempre diz o que sentes e faz o que pensas.
Supondo que hoje seria a última vez que te vou ver dormir, te abraçaria fortemente e rezaria ao Senhor para poder ser o guardião da tua alma.
Supondo que estes são os últimos minutos que te vejo, dir-te-ia “Amo-te” e não assumiria, loucamente, que já o sabes.
Sempre existe um amanhã em que a vida nos dá outra oportunidade para fazermos as coisas bem, mas pensando que hoje é tudo o que nos resta, gostaria de dizer-te o quanto te quero, que nunca te esquecerei.
O amanhã não está assegurado a ninguém, jovens ou velhos.
Hoje pode ser a última vez que vejas aqueles que amas. Por isso, não esperes mais, fá-lo hoje, porque o amanhã pode nunca chegar. Senão, lamentarás o dia em que não tiveste tempo para um sorriso, um abraço, um beijo e o teres estado muito ocupado para atenderes esse último desejo.
Mantém os que amas junto de ti, diz-lhes ao ouvido o muito que precisas deles, o quanto lhes queres e trata-os bem, aproveita para lhes dizer, “perdoa-me”, “por favor”, “obrigado” e todas as palavras de amor que conheces.
Não serás recordado pelos teus pensamentos secretos. Pede ao Senhor a força e a sabedoria para os expressar.
Demonstra aos teus amigos e seres queridos o quanto são importantes para ti”.

Gabriel Garcia Marques

MUDAM-SE OS TEMPOS...

COMIGO ME DESAVIM

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
Antes que esta assim crescesse:
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?



O SOL É GRANDE

O sol é grande: caem co'a calma as aves,
Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que de alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam de amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!

Sá de Miranda (1481 – 1558)

sexta-feira, 28 de março de 2008

BOM FIM DE SEMANA


Apreciem o Douro clicando na imagem


Quadro de Eleutério Sanches


Monangamba

Naquela roça grande não tem chuva

é o suor do meu rosto que rega as plantações:


Naquela roça grande tem café maduro

e aquele vermelho-cereja

são gotas do meu sangue feitas seiva.

O café vai ser torrado

pisado, torturado,

vai ficar negro, negro da cor do contratado.


Negro da cor do contratado!


Perguntem às aves que cantam,

aos regatos de alegre serpentear

e ao vento forte do sertão:


Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?

Quem traz pela estrada longa

a tipóia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em paga recebe desdém

fuba podre, peixe podre,

panos ruins, cinqüenta angolares

"porrada se refilares"?


-Quem?


Quem faz o milho crescer

e os laranjais florescer


- Quem?


Quem dá dinheiro para o patrão comprar

maquinas, carros, senhoras

e cabeças de pretos para os motores?


Quem faz o branco prosperar,

ter barriga grande - ter dinheiro?


- Quem?


E as aves que cantam,

os regatos de alegre serpentear

e o vento forte do sertão

responderão:

- "Monangambééé..."


António Jacinto

Poeta angolano condenado a doze anos de prisão no Tarrafal


BRANDOS COSTUMES

BORRACHO COM ARROZ

O patriarca do Toto, senhor de vastas fazendas, produtor de arroz e criador de pombos, tornara-se famoso com a lenda da Baixa dos Dois Teimosos, um troço de aterro na picada para Quimaria. Na época das grandes chuvadas tropicais, viatura que fugisse dos trilhos enterrava-se até aos eixos.
Concebidos noutras paragens mais amenas, os limpa-pára-brisas tornavam-se inoperantes, durante o dilúvio.

Reza a lenda que, certo dia, agarrado ao volante duma velha carripana, ia o Cid Adão a pensar na arca de Noé, quando esbarrou num obstáculo. Passado um momento de perplexidade, percebeu que tinha chocado contra um automóvel imponente, negro e luzidio. Encharcado até aos ossos, o motorista acercou-se, para lhe fazer ver que estava a obstruir a passagem ao novo governador.

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Quem? Eu?! Ele é que se atravessou no meu caminho! Esta estrada foi aberta pelo Cid Adão Gonçalves e pertence-lhe! - barafustou Cid Adão.
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Era o que faltava! contrapôs o governador, antes de espirrar. Onde é que já se viu um anónimo cidadão Gonçalves cortar o passo ao governador?
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Anónimo é o senhor! Na picada do Cid Adão Gonçalves, ninguém circula sem autorização prévia! Nem o governador!
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Recue imediatamente! - ordenou o governador.
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O aselha do seu motorista que se desvie ou faça marcha atrás!
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Isso é que era bom! Onde é que já se viu um governante percorrer itinerários de caranguejo, às arrecuas? Ainda por cima, o senhor pretende que eu dê a primazia a um cidadão anónimo. Nunca!
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Isto é uma violação do sagrado direito à propriedade privada. E sabe que digo, nestes casos? - perguntou Cid Adão Gonçalves.
Aqui, é o autor obrigado a suspender a narrativa, pois a trovoada não lhe permitiu entender completamente o edificante diálogo que se seguiu, entre as individualidades em litígio. Notou, todavia, pelos semblantes carregados, e um ou outro gesto incontido, que o longo equívoco foi penoso, para as partes envolvidas.

Importa é salientar que o desagradável mal-entendido acabou por sanar-se a contento. O governador fez questão em que Cid Adão tomasse lugar, a seu lado, na viatura oficial, ao que este aquiesceu prazenteiramente.

Recolheram ambos ao Toto, em amena cavaqueira. O governador perorou sobre o desenvolvimento das teorias psico-sociais e explanou o seu ponto de vista.

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Pauto a minha acção pelo respeito aos princípios de justiça social, consignados no Código Indígena. Através de uma correcta acção psico-social, criarei um verdadeiro homo “afroluso”. De pele negra mas alma branca. É dele que a nossa pátria pluricontinental e multirracial precisa, para derrotar a subversão comunista. Um primo da madrinha de minha mulher, que é chefe de gabinete do secretário do senhor ministro do ultramar, disse-me que sua excelência aprova inteiramente as minhas ideias.
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Auguro a vossa excelência uma governação repleta de êxito - disse, inclinando cortesmente a cabeça, Cid Adão.
Chegados ao Toto, o governador desejou conhecer a “sua prole de trabalhadores” e Cid Adão viu-se em trabalhos para o distrair, enquanto um diligente capataz se afadigava, no armazém, distribuindo calções e camisas de ganga a trezentos contratados maltrapilhos.

Após visitar as plantações de arroz, “que nem na China há iguais”, e os pombais, onde ensaiou alguns gorjeios que espantaram as pombas, o governador falou aos contratados.

-
Tendes a felicidade de viver numa terra portentosa, que o engenho lusíada tornou exuberante. Trabalhai-a disciplinadamente, para serdes merecedores do sacrifício do vosso patrão, o meu ilustre amigo Cid Adão Gonçalves. Quis Deus, com a sua omnisciência, dar-vos uma pele negra. Aceitai-a, sursum-corda, pois Deus, na sua infinita misericórdia, ainda vos fez criaturas humanas.
Para merecerdes esta condição, tereis, porém, de vos portar como homens honestos e trabalhadores, que ganham a vida e cumprem o seu dever, pagando os impostos ao senhor administrador.

Não vos importeis com o negrume da pele, porque, para vos lavar a alma e a tornar pura e branca, como a dos governantes que o providencial doutor Salazar vos enviou, cá estou eu.
Serei, para vós, um pai severo, mas bondoso. Saberei escutar as vossas reclamações, desde que não abusem, é claro. Não me peçam o Céu, pois não vo-lo poderei dar. Dar-vos-ei, todavia, um conselho: sede mansos e diligentes para o merecerdes, para, após a morte, vos libertardes do fardo negro desta vida.
“Boi-cavalo”, um capataz assim alcunhado pela frequência com que mimoseava os contratados com cabeçadas e pontapés, traduziu a intervenção do governador, dizendo:
- Este branco grande é nosso pai e amigo do patrão. Vocês são pretos, porque Deus é porreiro. Senão seriam macacos. Os macacos não trabalham nem pagam impostos, mas têm rabo. Vocês não têm rabo e, por isso, para agradecer a Deus, têm de trabalhar muito. O dinheiro que o patrão vos dá não é para gastar na farra. É para pagar imposto ao senhor administrador, caso contrário, dou-vos porrada. Quem paga imposto fica lavado. Fica com a alma da cor destes brancos. E vai para o céu, quando morrer. O branco grande disse que vocês podem falar.
Um murmúrio inintelegível cresceu no grupo de contratados, antes de um ancião, de carapinha toda branca, tomar a palavra, no seu português peculiar.
- A gente aprendeu que a alma não tem cor. O branco grande não precisa de ficar preocupado. O imposto, a gente paga sempre. Aqueles que fica doente e não pode trabalhar fica mais anos no contrato, para ganhar o dinheiro do imposto. O branco grande é amigo do patrão. Deve dizer nele que a gente está farto de borracho com arroz. A gente não gosta de borracho com arroz. A gente tem borracho com arroz todos os dias.
O governador afirmou ter registado tudo com agrado e deu por encerrado o encontro.
Ao jantar, sua excelência elogiou a magnanimidade do patrão que “diariamente serve borracho com arroz aos seus empregados. É manjar de reis. É apaparicá-los!”
- Têm o que merecem, excelência - contrapôs o anfitrião.
Passados tantos anos, permanece o narrador na dúvida. Será que o governador não percebeu que o “borracho com arroz” era uma câmara de ar, de borracha, cheia de arroz e atada nos extremos, como chouriço?
Cid Adão mandava aplicá-la nos rins dos indolentes. Substituía vantajosamente o tradicional chicote de cavalo-marinho. Os golpes não deixavam marcas.

Álvaro Fernandes in “Berços de renda, enxergas de trapos”; “Em Marcha”, Lisboa 1980

CAMINHANTE


Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.

António Machado
poeta sevilhano

quinta-feira, 27 de março de 2008

MUDEM O SISTEMA!


Com inteligente humor, Ricardo Araújo Pereira dedica a sua crónica semanal na revista Visão de hoje ao vídeo em que uma aluna da escola Carolina Michaelis dá início a um motim porque a professora de Francês teve a ousadia de lhe confiscar o telemóvel e afirma:

“Eu nunca perco uma oportunidade de me juntar a um coro de moralistas (que normalmente têm uma afinação irrepreensível), e por isso estou aqui para dizer o mesmo: isto no meu tempo não era assim”. E mais adiante chama a atenção para este facto: “A verdade é que, se há coisa que nunca muda em toda a História da Humanidade é esta: os adolescentes são parvos em todo o lado”.

E nisso tem razão. Ora vejamos o que encontrei no casco submerso das minhas recordações esquecidas:

Em 1958, andava a minha turma no 5º ano do Liceu (o actual 9º de escolaridade) e a nossa sala de aulas era no rés-do-chão, mesmo ao lado do Gabinete do Reitor - à época o temível professor de matemática.

Nas suas aulas era frequente ouvi-lo dizer:

- Ozz meninozz vão mas é para casa ajudar as mãezinhazz a dezcazcar batatazz porque não percebem nada de matemáticazz – com aquela inolvidável peculiaridade de “zibilar” os esses, que tão bem o caracterizava no falar e lhe valia a alcunha de Zéquinhaz.

Por isso, não faltavam irreverências e picardias da nossa parte – com a inevitável retaliação, é claro.

Uma vez que um espertalhão acrescentou a um aviso – colocado na vitrina dentro da sala – por baixo do nome do Reitor a palavra Zéquinha, a reacção não se fez esperar. Foi assim:

- Chamada escrita. Escrevam as equações (tal, tal e tal) com Z maiúsculo em todas as incógnitas.

E logo que escrevemos as tais equações, mandou-nos entregar a “chamada escrita”, recolheu o aviso da vitrina, comparou as caligrafias e... identificou e puniu o irreverente autor da gracinha.

Ia o ano lectivo a meio quando, por impedimento do professor titular de português, veio substituí-lo uma senhora ternurenta e simpatiquíssima – daquelas tipo excepção para confirmar a regra – que achava imensa piada a todos os disparates que dizíamos e fazíamos durante as suas aulas.

Numa delas, deu-nos para cantarmos em coro “Malagueña Saleroza”, uma cantiguinha que estava na moda.

Como solista, um colega meu abriu as goelas empoleirado numa carteira, com um pé no banco e outro no tampo.

Íamos naquela “bonita” parte em que se entoa “iiiaaaauuu”, e o tenor, em êxtase, de olhos fechados e braços abertos, a imitar para aí o Mário Lanza, quando se abre de repente a porta e entra o Reitor.

Calamo-nos todos menos o solista, que continuou de olhos fechados em gorgeios “iiiaaauuuu, iaau, iiiiiaaaaaauuuuu”.

Até o Zéquinha o puxar da carteira por um braço e pô-lo fora da sala aos berros:

- Ah! Malandro, desta vez apanhei-te! Vais pagá-las todas juntas!

No dia seguinte, já o aluno cantor estava a cumprir cinco dias de suspensão às aulas.

Também Baptista-Bastos se refere ao assunto no DN de ontem em que começa por escrever:

“Parece que o vídeo da zaragata ocorrida entre uma aluna e uma professora do Liceu Carolina Michaëlis de Vasconcelos, no Porto, sobressaltou as serenas consciências e permitiu uma resoluta série de opiniões. Putativos culpados: a aluna, a professora, a escola, a ministra - e os pais. Não me atrevo a juízos definitivos. A vigilância hierarquizada, assim como a punição pelo método da pirâmide, correspondem, em última análise, a insidiosas extensões dos mecanismos de poder. O que está em causa, modestamente o creio, é a questão do "sistema", não as debilidades do "regime". Este possui os desvios e as turbulências comuns às suas estruturas e instituições. Aquele nunca cedeu ao seu radical objectivo.

A verdade é que, um pouco por todo o mundo, a violência nos estabelecimentos de ensino é um dado adquirido. Os estudantes do Maio de 68 exigiam "Tudo, já!", e invocavam ser a última das gerações marcadas pela injustiça. Sacolejaram a velha doutrina. O festim durou um instante. E os seus líderes deram no que deram, com especial relevo para a teatralidade pungente de Cohn-Bendit. O mal-estar persiste porque se alterou alguma coisa a fim de tudo ficar na mesma. A fórmula de Lampedusa aplica-se, também, às situações a que temos assistido. Não há ausência de valores. Há, isso sim, outros valores de rápida importação, sobre os quais nenhuma reflexão tem sido feita. A nova ordem económica mundial modificou, substancialmente, o articulado no qual se estatuiu, durante décadas, a nossa existência comum. Tudo se tornou precário, instável e inquietante. Destruiu-se comportamentos consolidados, disposições familiares de séculos, mecanismos que garantiam equilíbrios sociais. …
Em todos os sectores funcionam aparelhos penais, num espaço que as sociedades deixaram vazio, por não esclarecerem a dimensão das novas regras. E estas foram estabelecidas pelo capitalismo moderno, rude e desenfreado por inexistência de alternativa credível



Vivemos num tempo evolutivo. A escola, a Igreja, a justiça, o amor, o conceito de família, a noção de comunidade, tal como no-lo foram inculcados, são sacudidos porque emergiram outras modalidades de poder. O caso do liceu do Porto é um dos sinais do tempo. Nem mais nem menos graves do que outros”

Pois é! Também acho que são sinais do tempo que vivemos.

E há muito digo: mudem o sistema senão isto acaba mal.

quarta-feira, 26 de março de 2008

MÉRITO DESPORTIVO

Naide Gomes campeã mundial

A atleta portuguesa Naide Gomes sagrou-se campeã Mundial do salto em comprimento com um salto de 7,00 metros, no último dia dos Mundiais de atletismo Valência 2008 em pista coberta.


A marca de Naide Gomes constitui ainda um novo recorde nacional.
Campeã mundial do pentatlo em Budapeste 2004 e medalha de bronze no comprimento em Moscovo2006, Naide Gomes foi também campeã europeia em 2005 e 2007.

Com este notável palmarés, existem fundadas expectativas que alcance a medalha olímpica que lhe falta e bem merece.




PENSAR BRECHT

TRÊS POEMAS

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis



Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem



O Vosso tanque General, é um carro forte

Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar

terça-feira, 25 de março de 2008

LIBERTÉ - PAUL ÉLUARD

Liberté de Paul Éluard

Traduzido por Drumond de Andrade

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

A FAMÍLIA E A ESCOLA

Aumento da violência nas escolas reflecte crise de autoridade familiar*

Especialistas em educação reunidos na cidade espanhola de Valência
defenderam hoje que o aumento da violência escolar deve-se, em parte, a uma crise de autoridade familiar, pelo facto de os pais renunciarem a impor disciplina aos filhos, remetendo essa responsabilidade para os professores.
Os participantes no encontro "Família e Escola: um espaço de convivência", dedicado a analisar a importância da família como agente educativo, consideram que é necessário evitar que todo o peso da autoridade sobre os menores recaia nas escolas.

"As crianças não encontram em casa a figura de autoridade", que é um elemento fundamental para o seu crescimento, disse o filósofo Fernando Savater.

"As famílias não são o que eram antes e hoje o único meio com que muitas crianças contactam é a televisão, que está sempre em casa", sublinhou.

Para Savater, os pais continuam "a não querer assumir qualquer autoridade", preferindo que o pouco tempo que passam com os filhos "seja alegre" e sem conflitos e empurrando o papel de disciplinador quase exclusivamente para os professores.

No entanto, e quando os professores tentam exercer esse papel disciplinador, "são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que tentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os", acusa.

"O abandono da sua responsabilidade retira aos pais a possibilidade de protestar e exigir depois. Quem não começa por tentar defender a harmonia no seu ambiente, não tem razão para depois se ir queixar", sublinha.

Há professores que são "vítimas nas mãos dos alunos". Savater acusa igualmente as famílias de pensarem que "ao pagar uma escola" deixa de ser necessário impor responsabilidade, alertando para a situação de muitos professores que estão "psicologicamente esgotados" e que se transformam "em autênticas vítimas nas mãos dos alunos".

A liberdade, afirma, "exige uma componente de disciplina" que obriga a que os docentes não estejam desamparados e sem apoio, nomeadamente das famílias e da sociedade.

"A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara", afirma, recomendando aos pais que transmitam aos seus filhos a importância da escola e a importância que é receber uma educação, "uma oportunidade e um privilégio".

"Em algum momento das suas vidas, as crianças vão confrontar-se com a disciplina", frisa Fernando Savater.

Em conversa com jornalistas, o filósofo explicou que é essencial perceber que as crianças não são hoje mais violentas ou mais indisciplinadas do que antes; o problema é que "têm menos respeito pela autoridade dos mais velhos".

"Deixaram de ver os adultos como fontes de experiência e de ensinamento para os passarem a ver como uma fonte de incómodo. Isso leva-os à rebeldia", afirmou.

Daí que, mais do que reformas dos códigos legislativos ou das normas em vigor, é essencial envolver toda a sociedade, admitindo Savater que "mais vale dar uma palmada, no momento certo" do que permitir as situações que depois se criam.

Como alternativa à palmada, o filósofo recomenda a supressão de privilégios e o alargamento dos deveres. *difundido pela LUSA.

E eu acrescento o seguinte: os direitos devem ser sempre respeitados, mas os privilégios administrados de acordo com um quadro de mérito. Cabe aos pais dar e permitir quando os filhos merecem, e cortar-lhes regalias sempre que têm comportamentos incorrectos. Se, por exemplo, lhes reduzirem as mesadas ou saídas de lazer… eles aprendem facilmente o que podem ou não lhes é permitido fazer.

SOCIALISTAS DE SEMPRE...

Resistente Silva, Zé da Maçada e Avaliação Rodrigues, ainda adolescentes, num Congresso das Juventudes Socialistas na então Aldeia de Fátima...Congresso polémico, onde os participantes deliberaram na altura, por maioria, meter o Socialismo na Gaveta...

segunda-feira, 24 de março de 2008

O DIA DO ESTUDANTE

FOI HÁ 46 ANOS

No dia 24 de Março celebramos o Dia do Estudante

Mas, porquê esta data? As razões da escolha deste dia remontam à crise académica de 1962 e às causas das lutas estudantis no início do século passado. Entre 1921 e 1961, o dia do Estudante era comemorado no dia 25 de Novembro, por ser essa a data da ocupação pelos estudantes do Clube dos Lentes (também chamado de "Bastilha") em sinal de luta por melhores instalações. Era, então, o dia da "Tomada da Bastilha".

Em 1961, ocorria no dia 25 de Novembro uma manifestação contra a Guerra Colonial, na qual vários estudantes foram presos, originando grandes tensões por toda a comunidade estudantil do país. Ainda em clima de revolta, e já em 1962, vários movimentos de dirigentes associativos deram origem a um Secretariado Nacional de Estudantes. A realização do primeiro Encontro Nacional de Estudantes ocorreu em Coimbra, contrariando a proibição do Governo. Mesmo sem autorização do Ministério da Educação Nacional, as comemorações do Dia do Estudante iniciaram-se, então, a 24 de Março de 1962.

O Dia do Estudante comemora-se devido à crise académica de 1962, que se prolongou por vários meses e teve o seu ponto alto a 24 de Março, quando forças policiais, a mando do governo de Salazar, avançaram sobre milhares de manifestantes na zona da Cidade Universitária em Lisboa, à revelia do então reitor da Universidade, Marcelo Caetano.

Como forma de retaliação, o governo mandou encerrar a cantina e a Cidade Universitária invadida pela polícia de choque, ignorando a autonomia universitária. Estudantes foram espancados e presos, desencadeando uma reacção de repúdio que levou a que fosse decretado o luto académico e a greve às aulas. De tudo isto ficou a memória e a data: 24 de Março, aceite pela Assembleia da República quando em 1987 fixou o Dia do Estudante.

Fomos presos às centenas, e entre os que mais tarde se tornaram governantes ou ilustres figuras públicas, cito os que recordo: Jorge Sampaio, Medeiros Ferreira, Isabel do Carmo, Vítor Vengorovius, Eurico de Figueiredo e Brederode dos Santos.

Para além da repressão propriamente policial com detenções e prisões efectuadas pela P.I.D.E., o Governo presidido por Salazar publicou em 21 de Maio de 1962 o decreto n.º 44 357 que veio estabelecer que "sem prejuízo da competência atribuída por lei a outras entidades, o Ministro da Educação Nacional poderá sempre ordenar procedimento disciplinar contra alunos das escolas dependentes do Ministério, nomear livremente os instrutores e aplicar, mediante parecer do Conselho Permanente da Acção Educativa, qualquer das penas previstas pela legislação respectiva".

Deste modo foram expulsos das três academias do País cerda de 50 estudantes que se haviam distinguido nas acções de protesto contra a proibição do Dia do Estudante. Por despacho ministerial de 29 de Junho de 1962 são excluídos de todas as escolas de Lisboa os 21 estudantes que haviam declarado ter estado em greve de fome no interior da Cantina Universitária entre 9 e 11 de Maio quando a polícia de choque os prendeu. Em Coimbra, 34 estudantes, entre os quais cinco dirigentes associativos, são condenados a penas que vão desde os seis meses de expulsão da Universidade até dois anos de exclusão de todas as escolas do País.

A essa repressão não escapam os professores que acompanham os estudantes. Desde as bastonadas da polícia recebidas pelo Prof. Lindley Cintra no átrio da Faculdade de Medicina a 4 de Junho até à demissão compulsiva do Prof. Vitorino Magalhães Godinho do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos a 25 de Agosto, o governo está disposto a tratar a dissidência universitária com mão de ferro. Como terá dito Salazar segundo Franco Nogueira "Esse é o pretexto que eu espero para fechar a Universidade por um tempo".

Esta atitude repressiva de Salazar não foi bem entendida pelos diplomatas das embaixadas de países como a França, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América. Uma das explicações avançadas prendia-se com facto de por essa altura estar ao rubro a questão dos militares feitos prisioneiros pela União Indiana em Goa e cujo regresso a Portugal se começara a processar.

O certo é ter a proibição do Dia do Estudante em 1962 originado uma profunda crise no interior do regime do Estado Novo, bem expressa na demissão de Marcelo Caetano de Reitor da Universidade Clássica de Lisboa e na do coronel Homero de Matos da Direcção-Geral da P.I.D.E., ambas efectuadas no mês de Abril. Também o Ministro da Educação Nacional, Lopes de Almeida será substituído por Inocêncio Galvão Teles em Dezembro daquele ano.

Como escreveu o embaixador britânico em Lisboa a 11 de Maio "Most observers are agreed that this situation is more serious to the regime than street riots caused by the Communists".

A celebração do Dia do Estudante passou desde o ano de 1962 a constituir um momento significativo da luta estudantil contra a ditadura e a partir dos meados da década de sessenta também contra a guerra em África. Se em 1963 os dirigentes das Associações de Estudantes não vão além de comícios de protesto pela nova proibição, já em 1964 não obedecem à interdição e por isso são obrigados a responder em processo disciplinar, mandado instaurar pelo Ministro da Educação, vinte e dois membros das direcções associativas da Faculdade de Direito, de Ciências, do Instituto Superior Técnico, do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras que eram os legalmente existentes. Na acusação considera-se que esses dirigentes associativos cometeram "infracção disciplinar" e o seu procedimento integrava "não só o conceito de insubordinação grave, como envolvia desrespeito a um membro do Governo da Nação". Esses dirigentes associativos serão todos expulsos por períodos variados na Universidade de Lisboa, por causa da celebração do Dia do Estudante marcado para o dia 14 e 15 de Março de 1964.

NO TEMPO EM QUE SE APRENDIA A ESCREVER


Em Outubro de 1964 desembarcaram do navio Lima, no cais da Pontinha, seis aspirantes a oficial miliciano destinados ao BII 19 (Batalhão Independente de Infantaria 19, há muito extinto).

Embora a Madeira sempre tenha sido “um jardim”, o paraíso onde Winston Churchil se deleitava a fixar em aguarelas os pesquitos de Câmara de Lobos preparando-se para a faina do espada preto, pescado ao anzol a profundidades de quatrocentos metros, não se tratava de turistas em férias na “Pérola do Atlântico”.

Eram, tão-somente, jovens universitários incorporados nas Fileiras e destinados ao comando dos pelotões que, durante uma comissão de dois anos, iriam combater nos teatros de operações da Guiné, Angola e Moçambique. Até lá, dariam instrução ao contingente geral do Serviço Militar Obrigatório, hoje chamado Serviço Efectivo Normal (tendencialmente uma espécie rara em vias de extinção...), e enquadrariam as três companhias de “prontos”.O Batalhão Independente (pasme-se!) só dispunha de dois Oficiais do Quadro Permanente: o major comandante e um capitão de Infantaria que servia de colher-de-pau para toda a obra.

Não surpreende, portanto, que o Oficial de Justiça fosse um idoso tenente do Serviço Geral, na situação de Reserva por ter ultrapassado o limite de idade, mas impedido de gozar o merecido descanso por fazer falta ao serviço. Ora, nessa época, ainda se estava longe de pensar em criar a Polícia Judiciária Militar e, por maioria de razão, de lá colocar juízes de instrução do Quadro de Pessoal Civil do Exército. Mas lá que não faltavam processos disciplinares e autos de averiguações que, frequentemente, davam origem a corpo de delito, garante-vos o narrador que é verdade.

Importava, pois, ensinar depressa e bem aos jovens aspirantes como desempenhar o papel de “oficial averiguante” ou de “oficial da Polícia Judiciária Militar”, elaborando os respectivos autos de acordo com as complexas normas a que o direito processual obriga.

Para isso, o sacrificado tenente convocava os esforçados aspirantes para a biblioteca da unidade, logo que o corneteiro de dia soprava em notas estridentes o ansiado toque de ordem. Depois de os mandar sentar em torno da longa mesa central, distribuía-lhes uma série de participações acompanhadas do inevitável caderno azul de vinte e cinco linhas, marginado a vermelho, três centímetros à esquerda e dois à direita.

A seguir, mandava entrar participantes, presumíveis culpados e testemunhas que aguardavam de pé, atrás do aspirante a quem tinha sido atribuída a averiguação do caso que lhes dizia respeito.

Sem perder tempo, sob pena de comerem todos a terceira refeição fria, pedia a cada um dos aspirantes que lesse em voz alta a respectiva participação. E, então, sem consultar o prontuário (que o saber de experiência feito já lhe permitia conhecer de cor e salteado o formulário completo de direito processual), ditava:

- Aos tantos dias do mês de Outubro de mil novecentos e sessenta e quatro, nesta cidade do Funchal e Quartel do Batalhão Independente de Infantaria dezanove, em cumprimento do despacho exarado pelo Excelentíssimo Comandante da Unidade na participação que constitui folhas um, eu, fulano de tal, aspirante a oficial miliciano desta Unidade, dou início ao presente auto.

Entretanto fazia uma ligeira pausa, olhava para o diligente escrivão, e acrescentava invariavelmente:

- Ó senhor aspirante, olhe que exarado escreve-se com xis.

Certa vez, um aspirante melindrado, decidiu arriscar:

- Ó meu tenente, eu não sou analfabeto. Sei muito bem que exarado se escreve com xis...

- Ai sabe? Pois eu também sei que há muitos aspirantes que escrevem com e, às vezes, até com esse.