sexta-feira, 27 de março de 2009

Poesia

[A Força das Coisas - 21.03.2009]

O SENTIDO DO POEMA

Poema de Nuno Júdice

Dito pelo autor

Há um sentido nas frases em que o Verão passa,

e que vai espigando na seara do poema – para

que um dia a ceifeira do Outono o colha com

a sua foice mais sombria, deixando vazio o campo

e cinzento o horizonte. Mas vou abrindo,

com o arado do poema, os sulcos de onde outros

sentidos irão nascer; e espero que o Inverno

passe, e voltem os primeiros pássaros da

primavera com o canto matinal em que desperta

a natureza. E vejo a ceifeira pousar a foice,

tirar o chapéu de palha para que os seus

cabelos se confundam com o amarelo

das flores, e beber a luz solar com os seus

olhos ávidos de azul. Já não é a deusa

que transporta ao colo a morte; nem

a sombra que empurra, com os seus braços

de gelo, o carro do dia para ocidente. Estende

no chão o linho do instante; e é nele

que celebro a missa do poema, para

que não se perca o sentido das frases

em que o que o Verão permanece.

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