[A Força das Coisas - 21.03.2009]
O SENTIDO DO POEMA
Poema de Nuno Júdice
Dito pelo autor
Há um sentido nas frases em que o Verão passa,
e que vai espigando na seara do poema – para
que um dia a ceifeira do Outono o colha com
a sua foice mais sombria, deixando vazio o campo
e cinzento o horizonte. Mas vou abrindo,
com o arado do poema, os sulcos de onde outros
sentidos irão nascer; e espero que o Inverno
passe, e voltem os primeiros pássaros da
primavera com o canto matinal em que desperta
a natureza. E vejo a ceifeira pousar a foice,
tirar o chapéu de palha para que os seus
cabelos se confundam com o amarelo
das flores, e beber a luz solar com os seus
olhos ávidos de azul. Já não é a deusa
que transporta ao colo a morte; nem
a sombra que empurra, com os seus braços
de gelo, o carro do dia para ocidente. Estende
no chão o linho do instante; e é nele
que celebro a missa do poema, para
que não se perca o sentido das frases
em que o que o Verão permanece.
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