segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Pelos vistos a Rússia não come e cala...

Rússia
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Em Fevereiro passado, quando o Kosovo declarou unilateralmente a sua independência, o Ocidente democrático estalou de gozo e aplaudiu o gesto.
A Guerra Fria terminou em 1991; mas a mentalidade que definiu o período continua a correr nas veias dos nossos democratas. Que o mesmo é dizer: para eles, tudo o que é mau para a Rússia é necessariamente bom para o Ocidente.
Lembro que, à época, Cavaco Silva, um dos raros portugueses que ainda não vive no reino da fantasia, mostrou preocupação com a insanidade kosovar. Mas, perante os festejos de Washington e Bruxelas, até um céptico come e cala.
Infelizmente para os democratas, a Rússia não come nem cala. Aceitar a independência do Kosovo significava, para começar, que Moscovo estaria disposto a abandonar um aliado tradicional como a Sérvia. Mas significava, sobretudo e acima de tudo, que a Rússia aceitaria de bom grado o estatuto de inferioridade que o Ocidente lhe reservava em recorrentes confrontos diplomáticos e geoestratégicos.
Seis meses depois, começa a ser claro que o Ocidente jamais devia ter tratado da questão kosovar com tamanha cegueira. Como jamais devia ter prosseguido a sua política de humilhação à Rússia, prometendo a antigas repúblicas soviéticas (como a Ucrânia ou a Geórgia) insensatas adesões à União Europeia e à NATO.
Quando os tanques russos invadem a Ossétia do Sul e pulverizam os nativos com particular brutalidade, eles não estão apenas a defender cidadãos russos, como o Kremlin alega. Estão a enviar um recado a Washington e a Bruxelas para que parem com o cerco.
Escusado será dizer que Washington e Bruxelas não têm qualquer legitimidade para falar contra a Rússia. Pior: a guerra em curso tem as impressões digitais do Ocidente em cada bala e cada cadáver.
Primeiro, porque ninguém gosta de ser cercado. E, depois, porque o precedente kosovar abriu uma caixa que não se volta a fechar: aceitar a independência do Kosovo mas recusar iguais pretensões à Ossétia ou à Abkházia será um exercício de comédia. Grotesca.
João Pereira Coutinho
in Expresso

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