quarta-feira, 17 de setembro de 2008

ARGÉLIA: O FENÓMENO DOS «NOVOS CRISTÃOS»

Tem enchido as páginas dos jornais argelinos. O fenómeno do cristianismo na Argélia entrou numa nova fase de debate nacional após a detenção de Habiba Kouider, jovem convertida, em posse de 25 bíblias. A Argélia confronta-se com uma vaga de cristianismo inabitual de contornos sectários.
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«Aleluia, que Cristo esteja convosco» saúda Hussein (nome fictício) um dos cristãos mais populares da periferia de Tizi Ouzou em plena Cabília. O encontro passa-se nas traseiras de uma pequena loja. Numa prateleira um crucifixo destaca-se no meio de garrafas de whisky vazias.
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Sentados numa mesa, três homens empunhando uma garrafa de cerveja esclarecem imediatamente: «não somos cristãos, estamos aqui só para beber álcool». Em poucos minutos o pequeno espaço ficou repleto de jovens assumidamente cristãos que entravam e saíam com um nervosismo pouco habitual. De telemóvel em punho comunicavam em tempo real a visita dos «estranhos» ao Pastor da comunidade que recusava aparecer. Durante as conversas, sempre orientadas para o cristianismo, relatavam as motivações que levaram à conversão. Um discurso formatado impregnado de histórias de revelações, aparições e sonhos. Todos dizem que sempre foram cristãos no coração, na realidade todos eram muçulmanos.
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Abordando questões teológicas, revelam-se como grandes conhecedores da Bíblia, disparam com citações textuais do Novo Testamento e reivindicam-se na corrente evangélica. No correr da conversa, e após várias rodadas de cervejas, a religião muçulmana entra no assunto. A maioria dos presentes mantém um discurso de extrema violência contra o Islão, utilizando termos que ofenderia o menos crente de qualquer religião. O Estado argelino também é o alvo dos principais ataques. Tais propósitos ouvidos na praça pública provocaria sem dúvida reacções mais graves que o recente caso das «caricaturas». Os não cristãos presentes na pequena sala ouvem em silêncio, acabam a cerveja e partem.
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Para se afirmarem como verdadeiros cristãos renegam totalmente o passado pessoal, sentem-se no direito de condenarem e difamarem o islão como uma prova do divórcio absoluto com a fé passada, e as outras religiões não muçulmanas também não são poupadas à severa crítica, um meio para realçar o protestantismo como «verdade única» que apenas designam como «cristianismo». Questionados sobre os casos de conversão inversa, do cristianismo ao islão, são categóricos em afirmar que «não existe» e que «é impossível tal situação.»
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O Ministério dos Assuntos Religiosos argelino confronta-se assim com um imbróglio que já está a ter repercussões na imprensa internacional. Por um lado, constitucionalmente, o Islão é a religião oficial da Argélia, mas todos os cultos são autorizados desde que não se dediquem à prática proselitista. A aplicação rigorosa da lei tem levado ao encerramento de várias «igrejas» e mesquitas, assim como a expulsão de estrangeiros acusados de práticas proselitistas. Estas medidas provocaram a reacção de alguns meios de comunicação francófonos que acusam o ministério de uma «caça às bruxas» contra os novos cristãos.
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No entanto os novos cristãos na Argélia não estão enquadrados nos círculos clássicos cristãos presentes desde sempre no país que tem coabitando em harmonia com o islão com quem também sofreram durante o decénio do terrorismo que atingiu toda a sociedade argelina. A nova vaga de cristianismo na Argélia acompanha o fenómeno extensivo a todo o continente africano vitima da proliferação das religiões evangélicas americanas, muitas das quais, consideradas na Europa, de características sectárias e encaradas com apreensão pela justiça de vários países.
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Vários indícios alarmantes revelam semelhanças entre os novos cristãos argelinos e os movimentos evangélicos considerados sectários. A teoria do complot está bastante patente nestes grupos, que se manifesta sob várias atitudes e sentimentos: o sentimento de excepção e privilégio de serem «iluminados pelo Espírito Santo» enquanto os «outros permanecem nas trevas», divórcio com o passado pessoal e corte de relações com familiares não cristãos, novos círculos de amizades, tentativa de conversão do círculo dos próximos como um dever, o Pastor da igreja é encarado como líder iluminado, reuniões religiosas dissimuladas, sentimento de mártir, rejeição daqueles que decidem abandonar o cristianismo, diabolização do islão, são alguns dos elementos patentes na maioria dos novos cristãos.
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A igreja católica e protestante explicam com dificuldade esta vaga de cristianização, e evitam serem confundidos com estas novas comunidades, daí que os cemitérios e as igrejas utilizadas pelas «velhas» comunidades cristãs não sejam partilhados com os novos cristãos. O vai e vem de Pastores estrangeiros, principalmente oriundos dos Estados Unidos, Canada, França e Líbano, em acções de evangelização e baptismos colectivos, tem também suscitado preocupações na «velha» comunidade cristã argelina que teme vir a ser vitima de uma amálgama com o «negócio evangelista», enquanto o Ministério dos Assuntos Religiosos tenta impedir a propagação desta nova vaga num país onde a estabilidade religiosa rima com segurança nacional.
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Mustapha Krim, presidente da Igreja protestante da Argélia, tenta minimizar a situação afirmando que não compreende como «32 igrejas protestantes podem ameaçar 32 mil mesquitas». Na realidade apenas na cidade de Tizi Ouzou existem mais de 60 igrejas, confirmam os fiéis, e várias centenas de igrejas clandestinas estão espalhadas no país. Oficialmente existem cerca de 60 mil cristãos na Argélia, dos quais 11 mil são praticantes. Estes números são simbólicos e longe da realidade dada a dimensão da propagação do fenómeno no país, especialmente nas regiões de Cabília e de Oran reputadas pela tendência para a emigração e historicamente rebeldes.
Jornal Digital
É curioso este movimento de alguma população argelina (eu digo “alguma” porque esta tendência não pode deixar de ser minoritária) em adoptar o catolicismo ou o cristianismo protestante, precisamente por tudo isto se passar num país de maioria muçulmana. É caso para perguntar onde está a proibição da Sharia segundo a qual muçulmano que se converta a outra religião sujeita-se automaticamente à pena de morte. Será uma reacção de auto-defesa e de rejeição contra os crimes praticados pelos sectários islâmicos? Creio que é uma resposta possível à pergunta anterior, até prova em contrário.
Mas, infelizmente, as atitudes sectárias são inconsequentes e normalmente não persistem a longo prazo. Uma vez terminadas as acções sectárias dos extremistas islâmicos que tanto apavoram a população muçulmana, tudo regressará ao normal.

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