Tem enchido as páginas dos jornais argelinos. O fenómeno do cristianismo na Argélia entrou numa nova fase de debate nacional após a detenção de Habiba Kouider, jovem convertida, em posse de 25 bíblias. A Argélia confronta-se com uma vaga de cristianismo inabitual de contornos sectários..
«Aleluia, que Cristo esteja convosco» saúda Hussein (nome fictício) um dos cristãos mais populares da periferia de Tizi Ouzou em plena Cabília. O encontro passa-se nas traseiras de uma pequena loja. Numa prateleira um crucifixo destaca-se no meio de garrafas de whisky vazias.
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Sentados numa mesa, três homens empunhando uma garrafa de cerveja esclarecem imediatamente: «não somos cristãos, estamos aqui só para beber álcool». Em poucos minutos o pequeno espaço ficou repleto de jovens assumidamente cristãos que entravam e saíam com um nervosismo pouco habitual. De telemóvel em punho comunicavam em tempo real a visita dos «estranhos» ao Pastor da comunidade que recusava aparecer. Durante as conversas, sempre orientadas para o cristianismo, relatavam as motivações que levaram à conversão. Um discurso formatado impregnado de histórias de revelações, aparições e sonhos. Todos dizem que sempre foram cristãos no coração, na realidade todos eram muçulmanos.
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Abordando questões teológicas, revelam-se como grandes conhecedores da Bíblia, disparam com citações textuais do Novo Testamento e reivindicam-se na corrente evangélica. No correr da conversa, e após várias rodadas de cervejas, a religião muçulmana entra no assunto. A maioria dos presentes mantém um discurso de extrema violência contra o Islão, utilizando termos que ofenderia o menos crente de qualquer religião. O Estado argelino também é o alvo dos principais ataques. Tais propósitos ouvidos na praça pública provocaria sem dúvida reacções mais graves que o recente caso das «caricaturas». Os não cristãos presentes na pequena sala ouvem em silêncio, acabam a cerveja e partem.
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Para se afirmarem como verdadeiros cristãos renegam totalmente o passado pessoal, sentem-se no direito de condenarem e difamarem o islão como uma prova do divórcio absoluto com a fé passada, e as outras religiões não muçulmanas também não são poupadas à severa crítica, um meio para realçar o protestantismo como «verdade única» que apenas designam como «cristianismo». Questionados sobre os casos de conversão inversa, do cristianismo ao islão, são categóricos em afirmar que «não existe» e que «é impossível tal situação.»
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O Ministério dos Assuntos Religiosos argelino confronta-se assim com um imbróglio que já está a ter repercussões na imprensa internacional. Por um lado, constitucionalmente, o Islão é a religião oficial da Argélia, mas todos os cultos são autorizados desde que não se dediquem à prática proselitista. A aplicação rigorosa da lei tem levado ao encerramento de várias «igrejas» e mesquitas, assim como a expulsão de estrangeiros acusados de práticas proselitistas. Estas medidas provocaram a reacção de alguns meios de comunicação francófonos que acusam o ministério de uma «caça às bruxas» contra os novos cristãos.
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No entanto os novos cristãos na Argélia não estão enquadrados nos círculos clássicos cristãos presentes desde sempre no país que tem coabitando em harmonia com o islão com quem também sofreram durante o decénio do terrorismo que atingiu toda a sociedade argelina. A nova vaga de cristianismo na Argélia acompanha o fenómeno extensivo a todo o continente africano vitima da proliferação das religiões evangélicas americanas, muitas das quais, consideradas na Europa, de características sectárias e encaradas com apreensão pela justiça de vários países.
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Vários indícios alarmantes revelam semelhanças entre os novos cristãos argelinos e os movimentos evangélicos considerados sectários. A teoria do complot está bastante patente nestes grupos, que se manifesta sob várias atitudes e sentimentos: o sentimento de excepção e privilégio de serem «iluminados pelo Espírito Santo» enquanto os «outros permanecem nas trevas», divórcio com o passado pessoal e corte de relações com familiares não cristãos, novos círculos de amizades, tentativa de conversão do círculo dos próximos como um dever, o Pastor da igreja é encarado como líder iluminado, reuniões religiosas dissimuladas, sentimento de mártir, rejeição daqueles que decidem abandonar o cristianismo, diabolização do islão, são alguns dos elementos patentes na maioria dos novos cristãos.
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A igreja católica e protestante explicam com dificuldade esta vaga de cristianização, e evitam serem confundidos com estas novas comunidades, daí que os cemitérios e as igrejas utilizadas pelas «velhas» comunidades cristãs não sejam partilhados com os novos cristãos. O vai e vem de Pastores estrangeiros, principalmente oriundos dos Estados Unidos, Canada, França e Líbano, em acções de evangelização e baptismos colectivos, tem também suscitado preocupações na «velha» comunidade cristã argelina que teme vir a ser vitima de uma amálgama com o «negócio evangelista», enquanto o Ministério dos Assuntos Religiosos tenta impedir a propagação desta nova vaga num país onde a estabilidade religiosa rima com segurança nacional.
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Mustapha Krim, presidente da Igreja protestante da Argélia, tenta minimizar a situação afirmando que não compreende como «32 igrejas protestantes podem ameaçar 32 mil mesquitas». Na realidade apenas na cidade de Tizi Ouzou existem mais de 60 igrejas, confirmam os fiéis, e várias centenas de igrejas clandestinas estão espalhadas no país. Oficialmente existem cerca de 60 mil cristãos na Argélia, dos quais 11 mil são praticantes. Estes números são simbólicos e longe da realidade dada a dimensão da propagação do fenómeno no país, especialmente nas regiões de Cabília e de Oran reputadas pela tendência para a emigração e historicamente rebeldes.
Jornal Digital
É curioso este movimento de alguma população argelina (eu digo “alguma” porque esta tendência não pode deixar de ser minoritária) em adoptar o catolicismo ou o cristianismo protestante, precisamente por tudo isto se passar num país de maioria muçulmana. É caso para perguntar onde está a proibição da Sharia segundo a qual muçulmano que se converta a outra religião sujeita-se automaticamente à pena de morte. Será uma reacção de auto-defesa e de rejeição contra os crimes praticados pelos sectários islâmicos? Creio que é uma resposta possível à pergunta anterior, até prova em contrário.
Mas, infelizmente, as atitudes sectárias são inconsequentes e normalmente não persistem a longo prazo. Uma vez terminadas as acções sectárias dos extremistas islâmicos que tanto apavoram a população muçulmana, tudo regressará ao normal.

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