sábado, 27 de setembro de 2008

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


António Gedeão, Máquina de Fogo (1961)

1 comentário:

Anónimo disse...

Belíssimo poema! Revelador não só da sensibilidade do poeta António Gedeão mas também do professor de Físico-Química Rómulo de Carvalho do meu tempo de estudante.
A sua primeira obra de mérito, foi, se não estou errada,"O Movimento Perpétuo".