terça-feira, 23 de setembro de 2008

A Comida, as Compras e a Engenharia Genética

Ninguém esperava encontrar dificuldades. Nos Estados Unidos os resultados confirmavam o sucesso dos planos, os governos europeus mostravam-se deslumbrados, os produtos estavam a postos e o lucro em perspectiva excedia o dos melhores períodos da história destas empresas. Por isso a surpresa foi ainda maior quando o desastre se materializou.

Falamos das plantas geneticamente modificadas (OGM), ou transgénicas. E quais os 'culpados' pelo desaire que levou ao colapso deste mercado na Europa? Nada mais nada menos que os consumidores anónimos, apoiados na fundamentação técnica de algumas estruturas ambientalistas e de agricultores.

O resultado? Actualmente 27 dos 30 maiores retalhistas europeus (incluindo o Carrefour, Auchan, etc) assumiram políticas de exclusão dos OGM. Estas 30 empresas representam um total de vendas que atinge os 500 mil milhões de euros. Por outro lado, das 30 principais empresas da área alimentar e bebidas (Nestlé, Unilever, Danone...), cujas vendas anuais representam cerca de um quarto do total de vendas deste sector na Europa, 22 têm igualmente o compromisso de não empregar ingredientes transgénicos. Tais números significam que o mercado para os OGM dirigidos ao consumidor encontrou um verdadeiro beco sem saída.

Esta história teria um final rápido e feliz se todos os OGM fossem sujeitos à escolha do consumidor, mas tal não é o caso. Mais de 90% dos OGM em circulação têm por destino as rações animais, e aqui os consumidores compram produtos (leite, ovos, carne) não rotulados - a não ser que tenham certificação biológica, ninguém sabe se os animais foram ou não alimentados com rações transgénicas (o mais provável é que tenham sido).

Este aspecto da ausência de rotulagem de produtos animais não é o único 'buraco' da legislação europeia nesta matéria, mas é certamente o mais grave e vai directamente contra o artigo 153 do Tratado que institui a Comunidade Europeia onde se estabelece o direito dos consumidores à informação. Como consequência desta falha fica também em causa o direito à escolha, uma vez que sem a devida rotulagem os produtos não se distinguem e o acto de comprar vai ser 'às cegas'.

A rotulagem, tal como está legislada a nível europeu, só se aplica aos produtos vegetais directamente adquiridos pelo consumidor. Por exemplo: se comprarmos Corn Flakes transgénicos no supermercado a embalagem tem de indicar a presença de milho geneticamente modificado. Mas se os mesmos Corn Flakes forem comidos no restaurante de um hotel ou numa cantina, o consumidor já não tem acesso a qualquer informação. Absurdo? Pois é.

A pouca rotulagem existente apresenta um pecado adicional: quando a lista de ingredientes não refere matérias geneticamente modificadas, isso não equivale a 0% de OGM. Por muito que seja essa a interpretação normal dos consumidores, na verdade é permitida a presença de contaminação até aos 0,9%. Ou seja, na verdade os consumidores estão a ser convidados a escolher... entre produtos muito ou pouco contaminados.

Esta contaminação 'aceitável' ou 'inevitável' é um sintoma de um dos males piores dos OGM: são incontroláveis. Contaminam, espalham-se, inviabilizam outras formas de produção - é uma tecnologia de má qualidade! Infelizmente, reconhecendo a inevitalibilidade e a irreversibilidade da contaminação por OGM, os poderes europeus optaram por a aceitar e legalizar, em vez de a proibir até que se demonstrasse a viabilidade de uma segregação permanente.

Os OGM representam o oposto do que qualquer cidadão deseja para a sua comunidade. Todos defendemos a soberania e segurança alimentar, preponderância de mercados locais e regionais (assim como os respectivos postos de trabalho), menos agrotóxicos, livre troca de sementes, conservação do património agrícola, etc. Mas os OGM arrastam-nos para o mundo das patentes, da monocultura e uniformização global, das tecnologias de alto risco, do controlo hegemónico de toda a cadeia alimentar por menos de 10 mega-empresas mundiais, da manipulação da química da vida sem respeito pela sua complexidade e equilíbrios naturais.

O desafio é vasto mas, tal como os europeus já têm vindo a mostrar, o destino não está traçado. Depois do desaparecimento dos OGM da esmagadora maioria dos produtos alimentares vegetais à venda no supermercado, é fundamental agora conseguir igual vitória para os produtos animais. Isto não é uma campanha - terá de ser um esforço de fundo, permanente, do tipo 'água mole em pedra dura'. E cada um de nós, consumidores, tem um papel fundamental e, ao mesmo tempo, muito simples: trata-se de preencher as fichas de sugestões/reclamações disponíveis nos supermercados com o fim de perguntar...
... se os produtos animais, da marca própria desse supermercado, vêm de animais alimentados com rações transgénicas;
... quais as marcas comerciais onde os produtos animais têm garantia de ausência de rações transgénicas.

As empresas portuguesas podem usar legalmente as rações transgénicas - e só se os consumidores fizerem ouvir a sua voz colectiva é que deixarão de o fazer. No dia em que se apela ao não-consumo, tome a decisão de não consumir produtos transgénicos, directa ou indirectamente! E se além disso também ajudar a acabar definitivamente com o mercado dos OGM na Europa, é a agricultura, o ambiente e as gerações futuras que agradecem.


Para mais informações e para nos mostrar as respostas dos supermercados às suas perguntas, contacte-nos:

Plataforma Transgénicos Fora do Prato
info@stopogm.net
www.stopogm.net
Margarida Silva
http://pt.indymedia.org

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