sexta-feira, 13 de março de 2009

A ILUSÃO ANGOLANA

José Eduardo dos Santos, o presidente nunca eleito de Angola, passou por Lisboa e sentiu-se verdadeiramente em casa. Não houve órgão de soberania que não lhe prestasse homenagem. Nenhum jornal, rádio ou televisão deixou de lhe dedicar a primeira página ou a abertura do noticiário. O poeta laureado do PS comparou-o a D. Afonso Henriques. Para Santos, foi "espectacular". E para nós? Talvez revelador.
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Revelador, em primeiro lugar, da mudança da nossa bússola diplomática. O norte já não está na "Europa". O bom aluno de Jacques Delors é hoje o bom anfitrião de qualquer tiranete com petróleo na quinta, seja ele Khadafi, Chávez ou Santos. Houve quem tivesse o devido fanico moral. Mas a questão não é só ética.
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Explicaram-nos que Angola nos comprou muita coisa. O problema é que isso foi no ano passado. Angola, como a Líbia ou a Venezuela, é petróleo. Com o preço do barril a descer, comprará o mesmo?
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Mas há mais: fazer negócios com a Líbia, a Venezuela ou Angola não é fazer negócios com um país – é trocar favores com um partido, com uma família, ou uma pessoa. Os empresários, nestes casos, são sempre membros de comitivas oficiais. Estes episódicos Eldorados, dependentes da protecção e dos rendimentos ocasionais de um déspota, não são uma alternativa ao trabalho de nos tornarmos realmente competitivos numa economia global. Temos obrigação de nos poupar a mais essa ilusão.
Rui Ramos, Historiador, CM
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Comentário meu: As aspas aplicadas à palavra Europa são minhas. Sigo o método de Vasco Pulido Valente que escreve sempre "Europa" referindo-se, creio eu, não à Europa real mas à Europa mítica existente na cabeça dos nossos políticos quando nos querem "vender" objectivos obscuros e fantasiosos relacionados com a "Europa". Este texto parece-me ser escrito por um angolocéptico. Ao que parece também existem.
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Há, de facto, uma contradição entre a Angola mítica dos tratados e a real, essa que nos confronta com as assimetrias sociais e económicas do país. A primeira tem em alto grau a corrupção instalada a todos os níveis da máquina do Estado, o oportunismo, o domínio político e económico do país por uma família (the ruling family), que gere os melhores negócios porque todos ou quase todos passam por ela. A segunda, a real, confronta-nos com a pobreza extrema, com a fuga de dinheiro resultante do petróleo que é gasto no estrangeiro em participações desnecessárias da Sonangol, porque em nada beneficiam a população que continua a viver com escassas estruturas no ensino, na saúde, no saneamento, no alojamento, na alimentação, no acesso a água potável, etc..
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Mas, entretanto, a família reinante continua a ampliar o seu portofolio de negócios enquanto que a Sonangol, um estado dentro do estado, continua a investir fortunas em participações no estrangeiro, desviando dinheiro que deveria ser aplicado internamente para melhorar a vida da população.
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Em 2004 (ou 2003), o presidente de Angola recebeu um avião para utilizar nas suas deslocações. Creio que foi nesse avião que ele se deslocou para a sua recente visita a Portugal. Na altura em que o avião lhe foi entregue pelo construtor, correram na Internet fotografias do interior que ilustram bem a fortuna colossal que esse avião deve ter custado. Não foi difícil encontrá-las porque elas estão arquivadas no meu computador.
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Elas aqui estão. Deliciem-se e lembrem-se que este luxo é dinheiro que foi desviado da população que continua com carências de tudo. Depois de as verem, não se esqueçam de mandar um donativo para uma qualquer ONG angolana dedicada a obras sociais.



1 comentário:

zigoto disse...

Caro Abacaxi

subscrevo o teu clarividente comentário.
Quanto ao Eduardo sentir-se em "sua casa" quando é recebido em São Bento pelo Pinócrates: diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és.
Mais palavras para quê? As tuas foram mais do que suficientes