quarta-feira, 11 de março de 2009

Que estabilidade é esta?

CONTRA ESTA 'ESTABILIDADE'


Baptista-Bastos
Escritor e jornalista - b.bastos@netcabo.pt
Nas últimas semanas temos ouvido e lido uma palavra que, de repetida, se torna numa fastidiosa obstinação: "estabilidade." Há uma falsa serenidade, uma ilusória mansuetude no bojo desta palavra solitária. Lembrou-me, com as distâncias que a sensatez recomenda, a famosa "paz dos cemitérios", de António Sérgio. A sua utilização sempre me sugeriu, por associação de ideias, algumas frases intranscendentes que, rigorosamente, a explicam e justificam: "tenha paciência", "coma e cale-se", "quietinho no seu cantinho."

Talvez esta modesta reflexão pareça, aos olhos dos meus leitores, arbitrária e até delirante. Não o é. Vejam vocês: o que se nos pede e, subtilmente, se nos propõe é o voto no partido que, segundo os seus trompetistas, garante a calmaria social, a tranquilidade nos espíritos, o sossego nas reclamações. Tem-se visto. Batucam esta tecla com intimidante teimosia. O próprio dr. Cavaco introduziu, no seu habitual e insípido discurso, a palavra obsessivamente repisada, acaso presumindo que ela detém uma irredutível integridade.

Há um tédio recíproco entre o partido que nos pede o voto na "estabilidade" e nós, amolgados pelo triste horror do dia-a-dia, e desalentados com a nossa própria imprevidência, que, um pouco levianamente, lhe deu, há quatro anos, a maioria absoluta. Por outro lado, no conclave de Espinho foi demonstrado que existe um fervor militante espantoso, o qual permitiu, à maneira de Kim Jong-il, um unanimismo jubiloso e compacto a apoiar o líder.

A "estabilidade" não resolve problema algum, num "país embebedado pela classe política", como disse, anteontem, na SIC, o prof. Medina Carreira. A "estabilidade", contida na tal maioria absoluta, é a escora de um edifício moralmente doente, socialmente inepto, politicamente vazio, desinteressado do bem comum. Esta maioria absoluta em que sobrevivemos dramaticamente pode servir de lição às nossas decisões próximas e futuras. A "estabilidade" é redutora: inibe o debate, impõe as regras de um jogo de antemão falsificado, e apenas consente quem obedece ao suserano.

O apelo à "estabilidade" pressupõe, praticamente, o confinamento das vozes dissentes. Cujas reivindicações só encontram limitado eco no Parlamento e numa que outra das televisões. E o espectro da "desestabilização" serve para atemorizar aqueles que pensam não haver alternativa. A verdade é que podemos proceder à alteração deste rotativismo, de tão exangues exemplos no século XIX. Portugal é governável sem maiorias absolutas. Os políticos têm, somente, de atender ao espírito de missão. O que me parece arredio dos cálculos desta gente.
In DN

2 comentários:

Anónimo disse...

Estabilidade, estabilidade! Maioria, maioria! É na verdade um verdadeiro e constante batuque aos ouvidos dos portugueses mais desprevenidos. Espero que não adormeçam com este "canto das sereias" e não acordem demasiado tarde.

zigoto disse...

Concordo com a Blimunda. E mais:
devagar, devagarinho, o Botas, também conhecido por professor doutor Oliveira Salazar, conseguiu ser presidente do conselho de ministros que ditou uma ditadura (passe a redundância) que tivemos de suportar durante 48 anos.
Este Zézito, arvorado em engenheiro, lá vai conseguindo vender aos portugueses a sua imprescindível, indispensável e gloriosa figura.
Como já neste blogue tenho repetido: através de uma máquina de propaganda paga pelos nossos impostos. Através de uma corte de súbditos que intimidam tudo e todos. Através da sujeição da maioria socialista na assembleia da Republica à sua soberana vontade.
Atenção:
Se tal criatura tivesse feito algo que, no final do seu mandato, tivesse contribuído para o bem-estar dos cidadãos... não me sentiria obrigado a este comentário.
Acontece que todos sabemos que: não se limitou a violar escandalosamente todas as promessas eleitorais e, até, a não cumprir o programa que fez aprovar na Assembleia da República para, em seu nome, governar.
Se não tivesse "castrado" a maioria dos dirigentes do PS - salvo raras e honrosas excepções - há muito que o actual primeiro-ministro tinha ido à vida com uma moção de censura aprovada no Parlamento.
É o que temos.
Confio na clarividência dos eleitores que votarem nas próximas legislativas para nos livrarmos do governo presidido por semelhante criatura.