segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Uma análise sobre a guerra na Geórgia

Morte e destruição na Ossétia e na Geórgia

Os negócios da Rússia e dos EUA


O conflito entre a Rússia e a Geórgia faz lembrar, de certa forma, os tempos da “guerra fria”. Até as reacções das diferentes correntes políticas, alinhamentos político/ideológicos e linhas editoriais deram um cheirinho a um tempo que já passou. Parece que se sentem órfãos desses tempos que já não voltam.

Mas esta crise vem confirmar a marcha sem freio da arbitrariedade que, sob a égide e a imposição da superpotência imperial, os EUA, parece querer apoderar-se das relações internacionais.

Algumas apreciações parecem consensuais. Que a aventura partiu da Geórgia, tentando, a destempo, assumir o controlo sobre territórios seus à luz do direito internacional, e que depois a Rússia respondeu rápida e duramente. Verificaram-se atrocidades de parte a parte. Todos os especialistas concordam que o controle sobre o petróleo e o gás assumem papel chave. Afinal os mesmos motivos para outros conflitos em curso. A

dependência da Europa dos combustíveis russos talvez explique melhor as posições de alguns países – procurando uma mediação rápida.

De facto os tempos são outros, não são os da guerra fria. Têm circunstâncias e factores novos.

Temos assistido a um forte desenvolvimento do capitalismo privado na Rússia, bem apoiado pelo Estado, assumindo um papel crescente no mercado internacional. Várias empresas de origem russa conquistam mercados internacionais, apostam na compra de outras empresas e sobem no ranking da economia globalizada. Recorda-se, só a título de exemplo, que a Gazprom é só a maior empresa exportadora de gás do mundo, e é detida pelo Estado russo. Crescendo cerca de 7% ao ano a Rússia passou os tempos da depressão de Boris Yeltsin e com Putin e Medvedev quer dar sinais de afirmação mundial. Por isso é, também, um dos maiores produtores e exportadores de armas do mundo.

As tentações de expansão da NATO e da política belicista norte-americana, avançando sobre a “zona de influência” russa, enquadram também os recentes acontecimentos. Mas potência que se preze não gosta de ser ver cercada e por isso a Rússia resolveu intervir preventivamente contra a Geórgia, visando a Ucrânia e outros. O anúncio de que a Polónia decidiu autorizar a instalação de um escudo antimíssil norte-americano

só vem contribuir para aumentar mais as tensões.

A iniciativa georgiana poderá até ter sido um planeado “picar do touro” a ver como ele reagia. Se o touro “se ficasse” talvez houvesse condições para avançar com novas medidas, como a entrada da Geórgia na NATO.

Confirmando-se essa especulação, Saakachvili terá sido o glutão transformado em “inocente útil”.

A Rússia quis mostrar ao mundo o seu poder bélico; às críticas dos EUA argumenta com o Afeganistão, o Iraque… O “touro” investiu duro pois queria marcar o seu território. A Rússia não só interveio na Óssetia como passou para lá da fronteira, bombardeou a cidade de Gori, centrais de comunicações, ocupou vias estratégicas de comunicação e portos do Mar Negro, violando o direito internacional, assumindo uma atitude arrogante contrária a qualquer caminho para a paz. Nisso mostrou ser capaz do mesmo que os EUA.

Desta guerra local poderá até haver desenvolvimentos que passem por um negócio EUA - Rússia para um reconhecimento comum da independência do Kosovo, da Óssetia e da Abkházia. O negócio costuma andar de mãos dadas com as armas. Recorde-se que a Rússia tinha avisado que a independência do Kosovo criava um precedente internacional.

E o que diz a esquerda? A esquerda não pode ter vacilações em condenar esta guerra. Esta é uma guerra injusta subordinada aos jogos das potências no xadrez capitalista. A esquerda não é por um nem por outro lado do actual conflito – é pela paz. E a escolha dessa paz pressupõe, em cada país, direitos humanos, liberdade e democracia. Sem essas condições é difícil escolher a paz, o diálogo, e a solidariedade nas relações entre os povos.

Não esquecemos o direito à autodeterminação nem as lutas de libertação dos países. Mas o caminho que o império tem seguido é o de acicatar as divisões entre os povos como foi o recente exemplo dos Balcãs – agora tão recordado nesta crise do Cáucaso. O exacerbar do nacionalismo e do ódio étnico é uma resposta reaccionária à crise. E sendo a guerra a continuação da política por outros meios, corremos o risco de ver a

política condenada a não passar da continuação da guerra por outros meios.

Há um outro factor a ter em conta: a Rússia faz parte do G8, é uma potência económica, militar, nuclear, é cortejada como grande do universo capitalista, mas ao mesmo tempo é hostilizada pelos EUA que precisam do ambiente da guerra fria para sustentarem o seu complexo industrial/militar para o que a chamada “luta antiterrorista” já mostrou que não chega – consome mais homens que armas.

Por sua vez, o apoio inflamado de Cuba, - na velha e desastrada prática à Mao de que “quem é inimigo do meu inimigo meu amigo é”- à acção russa, só favorece a instabilidade, dificulta o caminho da paz e atrasa a consciencialização dos povos quanto ao que está em jogo.

Mas virá o tempo em que o fogo de Prometeu, também no martirizado Cáucaso, assegurará a superioridade dos ideais da liberdade e do socialismo.


Mário Tomé e Victor Franco

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