quarta-feira, 13 de agosto de 2008

CONTOS DE VERÃO III

Uma viagem de sonho

Com os bolsos esvaziados e o cinto apertado pela crise, sem dinheiro para um quarto de hotel ou alugar um apartamento, mesmo assim, com o calor a apertar, não prescindiu de férias e partiu de comboio em busca de um parque de campismo à beira-mar.
E para desfrutar todos os momentos livres, seguiu na primeira composição da manhã que, por isso mesmo, ia quase sem ninguém.
Logo que se instalou na carruagem, reparou numa mulher sentada à sua frente, de costas voltadas para o destino mas limitou-se a cumprimenta-la recebendo como resposta apenas um tímido sorriso, daqueles que escondem mais do que mostram.
Para não a intimidar, desviou cortesmente o olhar e entreteve-se a observar o desfile da paisagem emoldurada pela janela até ela tirar da mochila uma garrafa que não conseguia abrir.
Sacou então do bolso o canivete suíço que nunca o abandonava e retirou a cápsula recebendo como agradecimento novo sorriso e um ligeiro afago na mão quando lhe devolveu o refrigerante.
Voltou a sentir-se embalado pelo trepidar do comboio nos carris, e semi-cerrou os olhos de forma a observar a jovem sem que ela se apercebesse e sentisse incomodada.
Mas eis que ela se levanta e pergunta se não quer acompanha-la aos lavabos, afirmando não haver perigo de serem surpreendidos visto a carruagem não levar mais passageiros.
Embora surpreendido, segue-a imediatamente num alvoroço, soltando a imaginação, até entrarem no acanhado compartimento e ela virar-se para si, pondo-lhe a mão no ombro. Só então acordou e ouviu o revisor debruçado garantir-lhe que nunca tinha visto um passageiro dormir profundamente do princípio ao fim da viagem. O que era compreensível, atendendo a que viajara sempre sozinho.

Álvaro Fernandes
13 de Agosto, 2008

Sem comentários: