segunda-feira, 18 de agosto de 2008

CONTOS DE VERÃO V

Os putos

Em Agosto, quando Lisboa ficava deserta de residentes, gostava de passear à vontade pela cidade, sem o trânsito caótico e as bichas intermináveis para chegar a tudo o que era sítio.
Amante da fotografia, calcorreava colinas e bairros antigos roubando ao tempo que passa imagens que fixava antes que a paisagem mudasse e se perdesse para sempre.
Levantando-se cedo e aproveitando a brisa ligeira da manhã, evitava o calor estival aproveitando a sombra que o Sol baixo projecta nas ruas, para melhor saborear detalhes que as esquinas do passado tinham preservado.
Numa dessas incursões pelas ruelas íngremes e estreitas do Bairro Alto, cruzou-se com um puto de bicicleta pedalando com energia calçada acima, para depois a descer vertiginosamente, sem mãos no guiador.
À terceira passagem do habilidoso ciclista, não se conteve e provocou-o:
- Lá em casa tenho uma bicla melhor do que essa…
Arremessando a bicicleta para o chão, de mãos à cinta e avançando uns passos na sua direcção qual forcado na arena, a resposta altiva não se fez esperar:
- E o que é que eu tenho a ver com isso?
Nesse Domingo de Verão, o fotógrafo recolheu a casa mais cedo. Envergonhado.

Álvaro Fernandes
18 de Agosto, 2008

Sem comentários: