segunda-feira, 11 de agosto de 2008

CONTOS DE VERÃO II

Navegar, só atracado

Descendente de família militar, tinha o futuro de farda assegurado sem dificuldade e por tradição. Bastava-lhe escolher o ramo e alistar-se na respectiva academia para chegar a general ou almirante, por inércia. Como detestava a lama em que chafurdavam os exércitos e tinha vertigens quando se abeirava de varandas altas, também excluiu a aviação. Optou, logicamente, pela marinha.

Rejeitou, porém, a possibilidade de entrar para a marinha de guerra, quando constatou que a maior parte da carreira seria passada à secretária em repartições do ministério, como comandante de porto, dos institutos de socorros a náufragos ou, quanto muito, visitando os navios atracados na base, por falta de verbas para os fazer navegar.

E como era de navegar, zarpar para o mar alto, conhecer novas terras e gentes que gostava, alistou-se na marinha mercante e foi parar a um cargueiro que fazia longas viagens antes de voltar ao cais de recarga onde o esperava a mulher.

Durante essas escalas retemperadoras, concebeu dois filhos que não viu nascer por andar em viagem. Mas sempre que voltava a casa, enchia-os de mimos, recuperando saudades e ausências paternas. Entretanto, os bebes foram crescendo, conseguindo falar e andar o suficiente para receberem à porta quem os visitava.

Até ao dia em que chegou e foi recebido aos gritos:

- Mãe! Está um homem à porta que me quer dar um beijo!

Sem hesitar, deu meia volta e foi ao ministério pedir a demissão.

Álvaro Fernandes

11 de Agosto, 2008

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