domingo, 3 de agosto de 2008

O dia em que Salazar caiu da cadeira

DA QUEDA À EXONERAÇÃO

Os 56 dias da agonia

Uma lápide de mármore branco lembra aos raros visitantes: "Neste Forte de Santo António da Barra viveu Salazar os meses de Verão nos anos 1950-1968".

A placa não diz, mas o que fez esta pequena fortaleza (mandada erguer por Filipe I) entrar na história foi um episódio que não teve nada de heróico. Foi no seu terraço, debruçado sobre o oceano, com a baía de Cascais à vista, que António de Oliveira Salazar caiu de uma cadeira de lona. A data fixada pelo seu biógrafo, Franco Nogueira, é 3 de Agosto de 1968.

Seriam 9h quando o Presidente do Conselho desceu do quarto, para saborear o ar fresco do mar e entregar-se aos cuidados do pedicuro. Pegou numa cadeira de lona, de espaldar vertical, e com o jornal na mão, "abandona-se desamparado e como que se deixa cair na cadeira. Com o peso do seu corpo, esta tomba para trás", levando o ditador, de 79 anos, a bater com a cabeça no empedrado.

A 5 de Setembro, o médico de Salazar, Eduardo Coelho, foi chamado de urgência. Havia sinais preocupantes, recordados no livro 'Salazar. O Fim e a Morte': o arrastar da perna direita e falhas de memória.

Exames hospitalares revelaram um "hematoma intracraniano, subdural", a requerer cirurgia imediata. Internado no quarto n.º 68 do Hospital da Cruz Vermelha, a operação decorreu na madrugada de 7 de Setembro, pela equipa do neurocirurgião Vasconcelos Marques, chefiada por Álvaro de Athayde - um médico da maçonaria. Só depois o país foi informado, através de um boletim médico distribuído às 9h. Com o doente a recuperar, o boletim de dia 15 previa mesmo o regresso "brevemente à sua residência".

No dia seguinte, porém, Salazar foi acometido por um violento acidente vascular cerebral, com hemorragia. Em coma, a situação não tinha qualquer solução cirúrgica. Convocados a Belém a 25 de Setembro, os médicos, pela boca de Eduardo Coelho, confirmaram ao Presidente da República que Salazar "jamais" poderia reassumir funções. A 26, Américo Thomaz fez o discurso mais importante da sua vida, para comunicar a exoneração de Salazar e a nomeação de Marcelo Caetano. A posse foi a 27. Salazar morreria a 27 de Julho de 1970.

In Expresso

Mas se houve quem pensasse que o fim de Salazar significaria o fim da ditadura, enganou-se redondamente.

Titubeante, Marcelo Caetano anunciou a "evolução na continuidade" mas não passou da continuidade e cedo esqueceu a evolução de regime.

A PIDE passou a chamar-se DGS, a censura passou a exame prévio, à União Nacional, partido único, chamou-se Acção Nacional Popular, que continuou a ser o único partido legal; vieram as "conversas em família", em que Marcelo Caetano debitava monólogos paternalistas à nação sentada no sofá em frente à televisão, e mais um ou outro retoque cosmético na ditadura que se manteve, tal como a guerra colonial, sem fim à vista.

Só passados seis anos após a queda de Salazar, com o 25 de Abril de 1974, terminaram 48 anos de ditadura e uma guerra colonial que já durava há 13 longos e martirizados anos.


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