domingo, 10 de agosto de 2008

CONTOS DE VERÃO

Quimeras

Latino de gema, ainda ganapo habituou-se a verões escaldantes, menos pela temperatura elevada do que pelos tórridos apetites que as banhistas lhe provocavam. Então as estrangeiras loiras, então essas, mais desinibidas e disponíveis do que as indígenas, trazia-as gravadas na pele, em memória de luas cheias iluminando as dunas no aconchego de improvisadas alcovas, como frequentemente recordava em gabarolices machistas.

Até que homem já feito, e o país de emigrantes transformado em destino de acolhimento para quem nele procurava pão para a boca, foi invadido por dengosas brasileiras de ancas generosas e falar macio, gargalhada dobrada e solta, prometendo um regresso ao paraíso sem sombra de pecado.

Não tardou a deixar-se enfeitiçar pelo olhar lânguido e convidativo que nem o requebro estafante do samba fazia esmorecer e, mal nasceu o sol, lhe prometeu fidelidade conjugal eterna. Daí aos banhos, desta vez anunciados à porta da conservatória foi um ápice, um vê se te avias, aviado com certidão matrimonial e aliança reluzente como prova da felicidade alcançada.

Um rebento e dois anos passados, mergulhou na busca de razões para o desaire e do paradeiro da efémera família, sem resultado. Até receber carta de um advogado propondo-lhe o divórcio por mútuo consentimento, a troco de uma generosa pensão de alimentos para o filho, a que não se fez rogado.

Andou meditabundo e cabisbaixo uns tempos, mirando-se ao espelho, cofiando o bigode que atestava a sua comprovada masculinidade, procurando defeitos e insuficiências que justificassem o abandono. Até acreditar que talvez se devesse à sua reduzida musculatura, que resolveu melhorar com recurso aos ginásios tão em moda.

Com mais cinco centímetros de bíceps conseguidos a levantar halteres, e muita transpiração, sentiu-se capaz de voltar a ter nos braços nova mulher, mas daquelas novas e vistosas, que obrigassem os outros homens a torcer o pescoço, ruídos de inveja quando de braço dado passeasse com ela. E foi o que fez, mergulhando desta vez na compra de um apartamento a meias, aonde ela descalçou as meias o tempo suficiente para procurar novo parceiro, dizendo simplesmente que considerava a relação acabada e exigindo a devolução do que investira nas prestações.

Nova recaída, numa idade que já o visitara para ficar, essa sim, de vez e até que a morte lhe pusesse termo. De queixume em desabafo, procurou apoio em tudo e todos, telefonando ou visitando amigos, frequentando consultas de psicólogos e psiquiatras que o curassem da ansiedade provocada pela solidão e lhe dessem remédio para tamanha desventura.

Até se refugiar na penumbra refrescante duma igreja, rogando a todos os santos que lhe dessem nova companhia, sem a qual não sabia nem queria viver. E foi o que aconteceu no átrio, quando à saída ela surgiu vinda do nada, qual aparição satisfazendo as suas preces.

Não tardou a pernoitarem juntos, alternando visitas aos respectivos domicílios e gozando uma semana de férias, qual lua-de-mel antecipada, prenuncio da felicidade perseguida e jamais alcançada. Mas eis que ela lhe diz inesperadamente que só pretendia ser um ombro amigo à disposição, sem outros compromissos e muito menos intimidades ilegítimas que a sua religião condenava, por manifesto pecado que nem a confissão redimia.

Mas como prova da amizade prometida, convidou-o para acamparem uns dias em companhia de uma amiga e da filha, desde que ele levasse tenda própria, não fossem os outros campistas achar o grupo promíscuo. O que ele aceitou de bom grado, na esperança que ela reconsiderasse e tudo se recompusesse.

Porém a esperança esboroou-se ao ser-lhe anunciada de chofre a chegada, no dia seguinte, do homem com quem vivera três anos e abandonara mas pretendia reconciliar-se. Quando lhe perguntou porque não o avisara antes, ficou unicamente a saber que ela não tivera tempo para lho dizer.

Álvaro Fernandes

10 de Agosto, 2008

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