segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Alcácer-Quibir e o mito do Sebastianismo


A Batalha de Alcácer-Quibir travou-se no Verão de 1578, em Alcácer-Quibir, entre os Portugueses liderados por D. Sebastião, e os mouros de Marrocos. Dela resultou a derrota dos portugueses e o desaparecimento do próprio D. Sebastião, precipitando a crise dinástica de 1580, e o nascimento do mito do Sebastianismo.

Perto de al-Kasr al-Kebir há uma aldeia denominada Suaken. Foi aqui que se deu a Batalha por nós conhecida por Batalha de Alcácer Quibir e, provavelmente, onde foram, naquela altura, enterrados os três reis. Ainda hoje aí se encontra um obelisco em memória de D. Sebastião e mais dois em memória dos outros dois reis. Esta batalha ainda hoje é conhecida em Marrocos como a "batalha dos três reis".

D. Sebastião, desde novo influenciado pelas lutas que então se desenrolavam no Norte de África como a defesa de Mazagão, em 1562 ao cerco dos mouros, tem intenção de aí intervir, dado entender ser necessário reviver glórias passadas. Assim, desde que toma conta do reino, em 1568, começou a preparar a sua intervenção no Norte de África, que era como que um imperativo nacional, pois se pretendia beneficiar do comércio com esta zona, rico em ouro, gado, trigo, açúcar. Por outro lado, além de oferecer oportunidades à burguesia mercantil, era também um campo de actividade para a nobreza.

Em Marrocos eram constantes as lutas entre as várias facções. O pretexto para a intervenção de D. Sebastião surge com a deposição, em 1576, do sultão Mulay Mohammed pelo sultão Mulei Moluco, este auxiliado pelos Otomanos. Ora, o auxílio dos Otomanos era uma ameaça para a segurança das costas portuguesas e para o comércio com a Guiné, Brasil e as Ilhas atlânticas. Por isso, D. Sebastião decidiu apoiar Mulay Mohammed, que como compensação ofereceu Arzila, e procurou apoio de outros reis. Filipe II retirou-se. Da Alemanha, Flandres e Itália vieram soldados mercenários e auxílio em armas e munições. Fez-se o recrutamento do exército português, mas verificou-se muita corrupção, o que fez com que o exército expedicionário, de cerca de 15 000 homens, fosse pouco disciplinado, mal preparado, inexperiente e com pouca coesão.

Sebastião partiu de Lisboa a 25 de Junho de 1578, passou por Tânger, onde estava o Mulei Maamede, seguiu para Arzila e daqui para Larache, por terra, havendo quem preferisse que se fosse por mar, para permitir maior descanso às tropas e o necessário reabastecimento em víveres e água. Seguiram depois a caminho de Alcácer Quibir, onde encontraram o exército de Mulei Moluco, muito superior em número. A 4 de Agosto de 1578, com o exército esgotado pela fome, pelo cansaço e pelo calor, deu-se a batalha. Nestas condições, o exército português, pesem alguns actos de grande bravura, foi completamente dizimado, sendo muitos mortos. Apesar de se duvidar da morte do rei português, é provável que ele nesta batalha tenha perecido. Os sobreviventes foram feitos prisioneiros.

O resultado e as consequências desta batalha foram catastróficos para Portugal. D. Sebastião desaparecera, deixando como sucessor o seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique, que veio a falecer dois anos depois. Assim levanta-se uma crise dinástica ameaçando a independência de Portugal face a Espanha, pois um dos candidatos à sucessão era Filipe II de Espanha.

A disputa do trono português teve varios pretendentes: D. Catarina de Médicis, rainha da França, que se dizia descendente de D. Afonso III; D. Catarina, duquesa de Bragança e sobrinha do Cardeal D. Henrique; Manuel Felisberto, duque de Savóia e D. António, Prior do Crato, ambos, sobrinhos do rei; Alberto de Parma e Filipe II.

Filipe efectivamente ascendeu ao trono em 1580. A maioria da nobreza portuguesa que participara na batalha ou morreu ou foi feita prisioneira. Para pagar os elevados resgates exigidos pelos marroquinos, o país ficou enormemente endividado e depauperado nas suas finanças.

Luís Vaz de Camões numa carta a D. Francisco de Almeida, referindo-se ao desastre de Alcácer-Quibir, à ruína financeira da Coroa portuguesa, à independência nacional ameaçada: "Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela".

O sebastianismo em Mensagem, de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa, escritor modernista do século XX, provavelmente o maior poeta português a seguir a Luís de Camões, transmite em Mensagem o seu maior elogio ao espírito de conquista dos descobridores portugueses dos séculos XV e XVI.

Ainda que com necessárias diferenças, inerentes às características dos autores em causa e à época em que foram escritas, será legítimo fazer-se o paralelismo entre Os Lusíadas e Mensagem, no sentido em que ambas as obras cantam, de maneiras diversas mas com pontos comuns, a grandeza de ser português: «A Mensagem (...) é um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e poética dos Lusíadas». (António Quadros - «Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio»).

Há mesmo estudiosos que consideram que Fernando Pessoa foi, até hoje, quem melhor soube ler Os Lusíadas. Se Luís de Camões é o pai da língua portuguesa, se foi ele quem passou para o papel, de forma eloquente, o sentimento português, Fernando Pessoa é o continuador desse caminho, incutindo-lhe o carácter único da sua perspectiva de ver as coisas.

sse espírito grandioso cantado por Camões e por Pessoa está retratado em quase todos os poemas de Mensagem, mas há um, chamado «Mar Português» que o tipifica de maneira mais acutilante: «Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal? / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar!». E sobre as consequências negativas que, indiscutivelmente, tais empresas acarretaram, o poeta não tem dúvidas: «Valeu a pena? Tudo vale a pena / se a alma não é pequena. / Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor. / Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu»

Os séculos subsequentes aos Os Lusíadas foram extremamente penalizadores para o nosso país. Portugal foi, gradualmente, perdendo o seu Império e, por tabela, as riquezas. No século XIX, a situação agravou-se. Sofremos as invasões napoleónicas, ficámos subjugados ao poderio inglês, o nosso atraso em relação aos colossos da Europa imperialista era cada vez maior. No plano interno, a hipocrisia de uma sociedade movida pela ganância foi superiormente retratada em Os Maias, de Eça de Queirós. O governo monárquico caiu em descrédito e com o ultimatum inglês (1891) o orgulho nacional estava a sangrar de humilhação. A Geração de 70 dava-se por vencida. Os feitos gloriosos de 300 anos antes pareciam bem longe da realidade portuguesa do início do século XX.

Ora, é neste contexto sócio-histórico que Fernando Pessoa escreve a Mensagem. Embora a sua grandeza como obra a torne intemporal, a circunstância cronológica em que foi escrita vai aumentar a importância do seu conteúdo. Com efeito, o elogio tecido por Pessoa da ambição dos portugueses em partir à conquista de novos mundos constituirá como que uma regeneração do orgulho português, que estava a passar por uma... crise de identidade. Daí o ênfase dado pelo poeta na recriação do mito, na virtude de ser português. Pessoa eleva a insatisfação de alma como a maior virtude dos conquistadores portugueses e assume que tem como pretensão mitificar esse espírito português: «Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da Humanidade».

A personificação desse mito é D. Sebastião. O poeta considera-o um «louco», mas não na acepção negativa que lhe damos, antes com uma conotação, superior, de alguém que é louco «porque quis grandeza / Qual a sorte não dá». Porque, para Pessoa, a loucura é exactamente aquilo que dá ao homem a razão para existir, traduz-se na significância que só alguns conseguem adquirir, sob pena de se tornarem meros seres irrelevantes, caminhando comodamente para a morte: «Minha loucura, outros que me a tomem / Com o que nela ia. / Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?». Mas D. Sebastião não é, por certo, um mero cadáver adiado. Ele é o chefe dos bravos, o arquétipo do português ambicioso que quer conquistar novas terras para engrandecer a Nação: «Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, / E erguendo como um nome, ato o pendão / Do Império», lê-se em «A Última Nau», um poema de Mensagem.


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