Há quase meio século, estávamos em regime fascista, estudava-se o conhecimento (permitido) da coisa pública. Como cidadãos arregimentados tínhamos obrigação de conhecer e reflectir sobre os fundamentos das nossas obrigações para com o Estado e da nossa devoção para com a Nação eterna. A matéria em causa era apelidada de “Organização Política e Administrativa da Nação” e conhecida abreviadamente por OPAN.
A fonte oficial de conhecimento era obviamente vesga no que se referia ao conteúdo e enviesada quanto à isenção intelectual e ética. Mas tinha uma virtude irrefutável: abria-nos um apetite voraz pela matéria que nos impelia à procura obsessiva de um complemento de suprimentos alimentares noutras fontes no grande mercado das ideias.
Em tudo o regime actual se opôs ao regime fascista.
Se o regime fascista tinha um Estado forte a governar a Nação, anda hoje a Nação a desgoverno e o Estado a governar-se como pode. Parece a Nação a locomotiva lançada sem condutor a todo o vapor por esses carris fora; as forças que a governam são todas exteriores; a sua acção limita-se apenas a agulhar os carris de modo a frenar ou a acelerar a sua velocidade e a imprimir-lhe rumo e orientação; o Estado é a mão-de-obra que essas forças utilizam para materializarem os seus desígnios.
Tinha o regime fascista aparelhos, de propaganda ou de repressão, para ecoar os sentimentos fervorosos dos adeptos ou silenciar as consciências dos opositores. Não era formalmente nem materialmente uma democracia mas teve o mérito de ser um viveiro de democratas, esclarecidos e activos. Hoje, a Nação limita-se a ter uma “democracia” meramente formal e residual, apoiada sobre o voto inútil e a farsa do “estado de direito”, o aparelho repressivo da “economia de mercado”.
O regime fascista tinha uma mão forte sobre a economia, cujos sectores “core” estavam nacionalizados ou sob tutela, conseguindo garantir uma economia de sobrevivência num mundo isolado e cercado. Conseguiu o regime actual desmantelar e vender precipitadamente e ao desbarato todo o património público e deixar-se o Estado enlear e manietar pelo obscuro sistema financeiro internacional, pelo poder das multinacionais petrolíferas e pelos ocultos poderes económicos de um mundo onde imperam os gigantes do tráfego “ilícito”, seja este a venda de crianças, de mulheres, de droga, de armas, de fome, de doença, de morte. Sem visão, cedo decretou que este não era um país de vocação agrícola e pagou aos agricultores para arrasarem a produção cerealífera, os arrozais, as vinhas e comprarem Mercedes, deixando a boca do povo à mercê das marés especulativas das bolsas internacionais dos alimentos. Deixou morrer as indústrias tradicionais. Desacreditando o País, abafou o turismo.
São a tal ponto inúmeros e conhecidos os casos que não acrescenta valor ilustrá-los. Basta inumerar as medidas políticas em curso que visam preparar a privatização de toda a área social, através da liquidação do sistema de Segurança Social, do Sistema Nacional de Saúde, da rede pública escolar. As medidas para minar a cultura, a segurança interna e a justiça e pô-las ao serviço das minorias possidentes e dos interesses estrangeiros.
Mas a acção mais hedionda do actual regime político foi a eliminação da OPAN.
O antigo regime tinha um partido único. E também tinha a oposição. O antigo regime tinha os censores, as prisões e a tortura. Logo, a oposição tinha os seu heróis. A reflexão e o exame de consciência política sobre o estado da Nação fez-se todos os dias – em contínuo crescendo até ao último dia - nas fileiras do exército colonial, no seio da igreja católica da Concordata, na agitação dos sindicatos corporativistas, nas escolas e universidades, nas fábricas e nos escritórios. A consciência cívica e a militância oposicionista no antigo regime tiveram um terreno de cultivo fértil: a OPAN.
O nome regime tem dois partidos únicos: a maçonaria e a opus dei. Embora em posições antagónicas na luta pelo poder, ambas servem o mesmo patrão: a Internacional do Dinheiro.
O novo regime é um Estado de cidadãos acéfalos, ignaros e acríticos. Eclipsou ou exilou os intelectuais, substituindo-os pelos novos clérigos. Eliminou a OPAN, não deixando nada em seu lugar. Deixou secar as ideologias para que, no deserto das ideias, se multiplicasse a praga do liberalismo, as tábuas da nova aliança sem conceitos nem sentimentos.
O novo regime é o oposto de um estado laico. É um regime transitório para um estado teocrático sem religião.
E a Nação?
Até o pouco, mas fundamental, que lhe restava, a Língua Pátria, foi apresada e vilipendiada pelo Estado.
Adjudicado no blogue "o tremontelo" |
1 comentário:
Aqui têm uma análise lúcida - sintética mas nem por isso menos exaustiva - das causas e do estado a que isto chegou.
Convido-vos a copiarem-na e divulgarem por email.
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