quinta-feira, 29 de maio de 2008

Sobre o Acordo Ortográfico...

UMA VITÓRIA DE PIRRO
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NO manifesto Em defesa da língua portuguesa vai a caminho das 50 000 assinaturas. Espera-se poder apresentá-lo ao Presidente da República com este número já excedido.
É altura de reflectir sobre o que significa a aprovação parlamentar do segundo protocolo modificativo do Acordo Ortográfico.
Tenho dito e redito que será necessário aguardar a sua ratificação por todos os países que o subscreveram para que ele possa entrar em vigor no plano nacional de cada um deles. Mas tomemos como mera hipótese de raciocínio a de que Portugal ficará já em condições de aplicar o Acordo após ratificação presidencial.
É o que sustenta Vital Moreira, eminente constitucionalista e defensor insuspeito do Acordo: "o protocolo modificativo de 2004 só vincula quem o ratificar, estabelecendo que o Acordo Ortográfico de 1990 entra em vigor em relação aos países que o desejarem (se num mínimo de três), sem terem de esperar pelos demais países.
Por isso, a ratificação desse protocolo complementar por parte de Portugal, que já tinha ratificado o próprio Acordo Ortográfico logo em 1991, só vincula o nosso País (e os outros três países que já ratificaram os dois instrumentos), não afectando os países em falta, enquanto não os ratificarem também" (Blogue Causa Nossa, 16.5.08).
Supondo, repito, a título de mera hipótese, que seja assim, a melhor análise da situação criada encontra-se no blogue Ciberdúvidas da Língua Portuguesa: "Para Ivo Castro, professor na Faculdade de Letras de Lisboa, 'ou há unanimidade' na aplicação do Acordo Ortográfico, 'ou então não deve haver' [tal aplicação], tendo em conta que já existe uma 'concordância ortográfica' entre Portugal, os países africanos de expressão portuguesa e Timor, que 'apenas é quebrada pelo Brasil'.
Se o Acordo avançar a três, há o risco de se quebrar a concordância actual entre Portugal e aqueles países em nome de uma parceria ortográfica com o Brasil que nunca existiu".
Como Vital Moreira também escreve (e eu, aliás, sempre tenho defendido), "nenhum país ou grupo de países da CPLP pode impor a sua vontade aos demais".Assim, as coisas são claras como água: pretender aplicar desde já o Acordo em Portugal equivale a cavar um fosso ortográfico em relação a Angola, à Guiné-Bissau, a Moçambique e a Timor, com consequências absolutamente imprevisíveis de toda a ordem e, em qualquer caso, lesivas da própria "unidade" ortográfica que supostamente se tinha em vista!
Nessa ordem de ideias, o Protocolo Modificativo de 2004 é juridicamente contraditório, pois pretende estender a todos o que intercalarmente só poderia vigorar quanto a alguns. É também um acto inútil, por não ser idóneo para produzir o efeito genérico esperado do expediente que consagra.
O Governo não pode nem deve proceder de um modo que contradiga na prática o que defende em teoria. Isto é, tem de sustar para já a aplicação do Acordo. A questão não é apenas científica ou técnica. É incontestavelmente política. E, como tal, impõe que Portugal proceda com sensatez e segurança: deve-se esperar até que ocorram todas as ratificações!E por isso mesmo o Governo tem tempo para fazer uma análise cuidadosa das objecções e críticas negativas produzidas e até para pedir outras, se aquelas de que dispõe ainda não o satisfazem.
Não obsta a isso a ratificação do Acordo em 1991: o próprio Governo, através do Instituto Camões, solicitou pareceres a diversas entidades já depois de assinado o Protocolo Modificativo de 2004.
De resto, e apesar da ratificação de 1991, o país não pode considerar-se razoavelmente vinculado por uma convenção internacional que, ao fim de 18 anos, ainda não foi cumprida! Justifica-se plenamente o seu reexame crítico.
Os portugueses têm direito a conhecer a posição do Governo, devidamente fundamentada, quanto aos pareceres negativos. E não será sério pretender aplicar o Acordo correndo o risco de três países africanos passarem a divergir na ortografia. Nem esperar displicentemente que eles se sujeitem àquilo que não ratificaram.
A vitória dos defensores do Acordo na Assembleia da República não passa pois de uma vitória de Pirro.
Vasco Graça Moura
in DN

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