quarta-feira, 22 de abril de 2009

A revolução que falhou...

Que vamos comemorar no sábado? O "dia inicial inteiro e limpo" [Sophia de Mello Breyner]? Mas que resta desse dia? As ruínas de uma história que se perdeu nela própria.
A avenida encher-se-á, como de hábito, e os discursos, no Rossio, alegres e decididos, dissimulam a melancólica gravidade de uma peregrinação que se faz por uma memória feliz, tornada triste e antiga.
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Ocultamos a dor do que perdemos, é isso. A multidão reflui, gritando estribilhos antigos, miméticos e elementares. "Fascismo nunca mais!" "O poder está no povo!" "Os ricos que paguem a crise!" Animamos a nossa profunda descrença, com a ressurreição nostálgica de um tempo delido que vai ficando efeméride.
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Fomos envelhecendo e agarramo-nos à data como quem não quer extraviar--se da irremediável perda da juventude. Porque éramos todos muito novos; ou, pelo menos, muito mais novos. Olhamo-nos, saudamo-nos uns aos outros, joviais e excessivos. Porém, pertencemos a outra história. Festejamos o dia como se o dia representasse a rapariga, a festa, a alacridade e as cores da adolescência. A rapariga já não possui segredos, a festa emudeceu, a alacridade acabrunhou-se, as cores oscilam entre a metáfora e o que imaginamos.
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Mas vamos, estamos, elementares e claros, porque ir, estar, desfilar, sorrir, acenar, partilhar, enriquece mais do que a reticência e fortalece mais do que a indiferença. Talvez o dia seja um marco denso e, acaso, desmesurado para a cruel realidade do momento. Talvez. No entanto, acreditamos que há algo de transcendente desespero em celebrarmos uma revolução que falhou.
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Velhos fantasmas, pontuais e exactos, emergem da nossa cultura caótica e da nossa vocação para o submisso. A ordem, a segurança nas ruas, a obediência à autoridade, a uniformização reaparecem nas conversas avulsas, como que por casualidade. As coisas encadeiam-se nas coisas numa espécie de pensamento figurativo. E, no entanto, há trinta e cinco anos, todos e cada um de nós posava de leão indomesticável. As nossas fragilidades congénitas e os nossos ressentimentos ancestrais tapávamo-los com gritos, com frases rimadas, com gestos incoerentes porém vitais. Éramos, afinal, ostensivamente livres e acintosamente exibicionistas.
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Sabe-se quem travou a marcha ruidosa e feliz. Conhece-se os nomes daqueles que, na sombra e no silêncio, isolaram e subjugaram, de novo, as nossas emoções. "Acabou a tua festa, pá!", cantou Chico Buarque de Holanda. O epitáfio definia o cansaço e a derrota. Aí estão as sobras demoradas da nossa juventude. Aí está o refugo de um sonho que tinha a dimensão do homem.
Afinal, vamos comemorar a nostalgia.
Baptista-Bastos
in DN

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