terça-feira, 28 de abril de 2009

AS ELEIÇÕES NO IRÃO #1

De acordo com a imagem dos seus líderes, o Irão galga etapas de poder em poder. A Revolução Islâmica que derrubou o Shah há 30 anos continua a desafiar os adversários do país, a inspirar o seu povo e a defender os seus princípios. Não tem sido apenas na tecnologia nuclear que o Irão tem dado grandes passos. No último mês o país confundiu, mais uma vez, os que dizem não (ao desenvolvimento tecnológico do Irão) ao lançar um sofisticado foguetão que transportou o seu próprio satélite, Safir Omid, ou Embaixador da Esperança, que entrou em órbita. O Irão deve agora, segundo declarou o seu exuberante presidente, Mahmoud Ahmadinejad, ser classificado como uma superpotência.

Uma mensagem de texto que apareceu subitamente nos telefones móveis iranianos, imediatamente depois do lançamento, sugeria uma diferente interpretação. “Primeira descoberta de Omid: a Terra é redonda!” dizia o alegre sarcasmo perante o que muitos iranianos teimosamente chamam a “provinciana timidez” dos seus governantes. A revolução islâmica pode ter produzido progressos na saúde pública, na educação e na electrificação rural, entre outras coisas. A sobrevivência desses progressos contra circunstâncias difíceis, somada a estes feitos simbólicos de magia tecnológica, reforça o orgulho nacional apesar das críticas e má vontade dos sectores secularistas. Mas, para um grande número de iranianos, todos estes feitos “maravilhosos” tiveram um preço doloroso.

Esse preço é facilmente mensurável em termos de oportunidades económicas perdidas, perda de relações exteriores e corte de liberdades colectivas e individuais. Mais difícil de medir é o custo pela perda de motivação causada por maior cansaço com as regras religiosas impostas. Não só essa condição levou tanto como 2 milhões de iranianos para a dependência de drogas baratas que inundam o mercado iraniano a partir do vizinho Afeganistão, como acelerou a castrante fuga de talentos através da emigração. Essa circunstância também molda o difuso véu de melancolia sobre a vida em geral. Aquela brincalhona mensagem de texto, por exemplo, provocou que os circunspectos responsáveis da segurança publicassem avisos dizendo que, no futuro, os remetentes dessas mensagens subversivas seriam identificados e julgados em tribunal.

A divergência entre estes modos de ver o Mundo tornou-se mais evidente à medida que o Irão se aproximava das eleições presidenciais que terão lugar em Junho. A controvérsia adivinha-se dura. A despeito da repentina retirada da corrida de um dos líderes da ala reformista, o anterior presidente Muhammad Khatami, os candidatos que permaneceram na disputa representam uma surpreendente variedade de interesses e de classes sociais. Com a retórica política a subir de tom, os próximos 100 dias prometem ser invulgarmente ruidosos pelos padrões educados, moderados e contidos da política iraniana.

É verdade que os actores que habitam o palco do peculiar sistema político iraniano, que procura representar ambos, Deus e os homens, estão constrangidos. Os candidatos devem ser aprovados, ou vetados, pelo Conselho de Guardiães, composto por clérigos em idade avançada, de quem, por consequência, não se deve esperar apoio em questões fracturantes ou inovadoras, e muito menos sobre os princípios ideológicos da revolução islâmica, porque no Conselho há unanimidade de que estes princípios são intocáveis. Um desses princípios é velayet el-faqih, uma controversa doutrina, que existe apenas no Irão, que exalta o poder do líder supremo, ou rahbar, um clérigo de reconhecida autoridade teológica que prevalece sobre os representantes eleitos pelo povo. Esta dependência de uma autoridade “parda” faz com que os presidentes sejam subservientes, particularmente em matérias de política externa e energética (nuclear incluída), ao desejo do líder em exercício, o Ayatolah Ali Khamenei, que ocupa o lugar desde o falecimento do seu predecessor, Ayatolah Tuholah Khomeini, em 1989. Esta limitação não é a única que reduz o poder executivo do próximo presidente. Uma crise económica potencialmente severa já se vislumbra no horizonte em resultado dos baixos preços da principal exportação iraniana, o crude, que tem sido agravada por dois factores internos: (1) quatro anos de política catastroficamente perdulária de Ahmadinejad e (2) sanções da ONU que estrangularam as trocas comerciais e afugentaram os investimentos estrangeiros.

«

Com o défice das contas públicas a crescer constantemente, o próximo presidente será forçado a tomar medidas impopulares, como reduzir ou revogar subsídios ruinosos ou pouco produtivos. Entre outros efeitos, estes subsídios têm mantido o preço do crude iraniano abaixo do ridículo preço de dez cêntimos americanos por litro. Acresce a isso, que o Irão, porque nunca investiu em refinarias, importa a maior parte dos combustíveis que consome.

Mesmo os observadores mais cínicos concordam que esta eleição será da mais alta importância, e não apenas para o Irão. Será o equivalente iraniano da eleição presidencial americana de Novembro. A forma como os eleitores votarem será a expressão das suas aspirações e protestos. Dependendo da lisura do processo e, principalmente, da percentagem de votantes jovens (aqueles que mais aspiram a viver numa sociedade mais moderna) e do nível de abstencionismo, o que pode estar em jogo é o futuro mais aberto ou mais fechado da sociedade iraniana. Estes dois possíveis resultados terão implicações fora das fronteiras desta grande e antiga nação, que é uma das poucas que proclamaram a sua oposição à ordem política imposta ao mundo pela América. A eleição no Irão afectará a região adjacente, cheia da instabilidade, do Iraque, Afeganistão, da Palestina e Israel. A liderança do Irão já demonstrou ser capaz de exacerbar a instabilidade em todos estes países. O caminho tomado pelo Irão pode também influenciar o mundo muçulmano mais amplo. A experiência original do país tem potencial para se estabelecer como um paradigma de transição pacífica e reforma das sociedades da região. Mas se os extremistas insistirem em exportar a sua revolução, a tensão poderá piorar entre a maioria sunita do mundo muçulmano e a minoria chiita, muitos dos quais vêem o Irão, predominantemente chiita, como o exemplo a seguir.

Mais um mandato de Ahmadinejad será útil, dizem os seus críticos, para consagrar a “revolução dentro da revolução” que ele tem tentado concretizar desde que foi eleito de surpresa em 2005. Mais conhecido por pessoas fora do aparelho administrativo e político pelas suas belicosas posições, o presidente em exercício é mais familiar aos iranianos como um radical e hiperactivo populista que utilizou o suporte tácito do seu amigo conservador Ayatolah Khamenei para expandir os poderes da presidência.

«


Determinado a reacender o fervor revolucionário, Ahmadinejad expurgou numerosos liberais das universidades, dos serviços diplomáticos e de posições superiores do estado, substituindo-os por pessoas com a mesma cor ideológica. O seu empenho em restringir as liberdades cívicas enviou numerosos desobedientes para as prisões, incluindo estudantes, sindicalistas e feministas reivindicadoras de iguais direitos, juntamente com representantes de grupos minoritários como os seguidores da fé Bahai. E, como se não fosse suficiente, enviou de novo para as ruas das cidades iranianas o detestados espectro da polícia da Religião e Costumes para perseguir e humilhar as mulheres com vestuário “indecoroso e contrário às regras islâmicas”.

A política económica de mãos largas do presidente, baseada num rendimento de 250 mil milhões de dólares durante os 4 anos do seu mandato destinados a redistribuição pelos carenciados, ganhou amigos entre os pobres. Ahmadinejad percorreu incansavelmente as províncias mais empobrecidas e remotas a cortar fitas, a lançar primeiras pedras de obras sociais e a responder a petições de lamuriantes multidões, com câmaras as de televisão perpetuamente a persegui-lo.

Mas o alegre esvaziamento dos cofres do estado fez disparar a inflação, que atingiu um pico anual de 30%, embora tenha caído nos últimos três meses para 26%. Os iranianos, particularmente os jovens urbanos produzidos pelo baby-boom da década de 80, ficaram chocados quando despertaram para a triste realidade dos preços das casas terem triplicado desde 2005. Recentemente, os Guardas Revolucionários, instituição que não é reconhecida exactamente pela sua competência em matéria de gestão financeira, decidiram iniciativas controversas como obrigar os bancos a reduzir as taxas de juros e a democratizar os contratos de financiamento por razões de ortodoxia ideológica, o que, por sua vez, provocou gritos de alarme dos economistas.

Como os eleitores de qualquer país do mundo, os iranianos tendem a colocar os assuntos domésticos à frente da política externa. Mesmo assim, o estilo de Ahmadinejad desperta larga discussão. Os críticos afirmam que o contínuo isolamento diplomático do Irão é produzido pelas suas desnecessárias agressividade e abrasividade. Mas os seus admiradores dizem que o seu estilo provocador e teatral tem, de facto, elevado o prestígio internacional do país, forçando os seus adversários a respeitar os interesses próprios do Irão. Como prova da ascendência do Irão, eles apontam o atolamento dos americanos no pantanal do Iraque, o insucesso de Israel em esmagar o Hizbulah e o Hamas, a fidelidade ideológica de aliados no Líbano e na Palestina que muito têm beneficiado da sua paternal generosidade. Segundo esta corrente de opinião, a hipotética vitória eleitoral de Ahmadinejad serviria para apoiara postura do Irão como grande defensor dos países oprimidos do mundo, embora isto não exclua o regresso do Irão ao pragmatismo. Responsáveis iranianos têm assinalado de forma recorrente que, dado o gesto amigável da nova administração americana, não deve o Irão rejeitar a possibilidade de cooperar com Obama. Mas a continuação da posição hostil do Irão sob orientação de Ahmadinejad multiplicaria as armadilhas diplomáticas potenciais e quase certamente abrandaria os esforços para levar o Irão a comportar-se de forma mais responsável enquanto país integrado num universo globalizado.
(Continua no Nº 2)

Sem comentários: