quinta-feira, 30 de abril de 2009

AS ELEIÇÕES NO IRÃO #2

Discutivelmente, o que evitou uma convergência de opiniões nas matérias expostas acima não foi a perseguição de interesses nacionais pelo Irão ou os seus adversários, mas uma atitude de mútua desconfiança, que por vezes chega à paranóia. Ambos, Ahmadinejad e o seu mentor Ayatolah Khamenei, partilham esta atitude “às toneladas”. O mesmo acontece à maioria dos iranianos, se nos basearmos na leitura da História recente que retrata o Irão como a vítima sistemática das maquinações estrangeiras. Existe, de facto, farta evidência de passadas maldades, desde os envolvimentos americano e britânico no golpe contra Muhamad Mossadegh em 1953 que acabou uma breve experiência de democracia, passando pelo apoio ocidental ao Iraque durante a sua guerra contra o Irão no período de 1980-88 quando cerca de 1 milhão de pessoas foram mortas, até ao recente alargamento da presença militar americana numa série de países que cercam o Irão.

Os iranianos com melhor nível de educação escolar, incluindo alguns conservadores, pensam que adoptar um tom ameaçador com o Ocidente, ou castigar Israel interminavelmente, faz muito pouco pelos interesses do Irão. “Não há razão para considerarmos que o resto do mundo é nosso inimigo,” diz Muhamad al-Abtahi, um antigo vice-presidente do governo de Khatami. Abtahi culpa severamente os iranianos que, como ele diz, preferem permanecer hostis à América apenas porque assim eles podem aparentar ser líderes da oposição global ao “Grande Satanás”. O Irão tem muito mais a ganhar do que perder pelo diálogo. “Sobre o assunto da energia nuclear, nós acreditamos que através do diálogo nós podemos garantir o nosso direito à tecnologia nuclear ganhando ao mesmo tempo a confiança do mundo. Não haverá nada de útil em ter três resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas contra nós.”

Abtahi e os seus aliados sabem que os conservadores não hesitariam em frustrar os objectivos dos reformistas se eles estivessem à beira de chegar de novo à presidência. Na melhor hipótese, os reformistas esperariam desfazer algumas das políticas mais destrutivas de Ahmadinejad, por exemplo, tornando as contas públicas mais transparentes e trazendo para o governo pessoas com melhores qualificações. Mais importante, segundo eles acreditam, uma convincente maioria dada aos reformistas construída sobre mais larga afluência às urnas poderia a ajudar a retirar algum poder aos órgãos teocráticos eleitos para certas instituições do estado. “Para mim, um dos mais importantes objectivos seria remover a atmosfera pessimista na sociedade civil para a fazer sentir que [a sua vontade] pode ter efeito sobre o seu destino,” diz Issa Saharkhiz, um proeminente editor que, como muitos jornalistas, foi saneado do seu trabalho pelo encerramento em séria de publicações reformistas.

Se as regras de jogo fossem iguais, os reformistas teriam a possibilidade de regressar ao governo. Antes do seu afastamento, sondagens de opinião não oficiais sugeriam que Khatami era mais popular do que Ahmadinejad. Mas os reformistas enfrentam numerosos e pérfidos obstáculos. Sondagens mais finas demonstraram que, entre os iranianos que declararam a sua intenção de voto, os votados ganhariam facilmente a eleição. Isto explica a desilusão crónica entre o eleitorado natural da ala reformista, a enorme classe média instruída e urbana do Irão. Na capital, Teerão, a afluência nas mais recentes eleições raramente excedeu 30%, cerca de metade da afluência registada nas regiões rurais onde Ahmadinejad é muito popular.

Porque o Irão não tem partidos políticos coerentes nem eleições primárias, os reformistas enfrentam outro grande problema. Muitos lembram o seu clamoroso fracasso nas eleições de 2005, quando múltiplos candidatos reformistas repartiram os votos na primeira volta, permitindo que o então largamente escarnecido Ahmadinejad saltasse directamente para a segunda volta, que venceu.

Mehdi Karroubi, um antigo deputado e presidente do parlamento e clérigo veterano muito conhecido entre as minorias étnicas, diz que está determinado a permanecer na corrida até ao resultado final qualquer que ele seja. Ele fez uma respeitável carreira nas eleições de 2005, ganhando notoriedade com a promessa de distribuir dinheiro dos lucros da venda do petróleo a cada cidadão.

O seu rival reformista, Hussein Mousavi, um popular primeiro-ministro durante a guerra contra o Iraque, pode levantar um forte desafio. A sua reputação de dureza e de probidade podia ser apelativa tanto para conservadores como para reformistas. Alem disso, precisamente porque eles são vistos como mais próximos do establishment revolucionário do Irão do que Khatami, nenhum dos dois rivais terá a possibilidade de inspirar o eleitorado dos cépticos e dos neutros a votar.

Um outro desafio confronta os reformistas. A máquina administrativa do estado iraniano, progressivamente “engordada” durante a presidência de Ahmadinejad, tem feito poucos esforços para disfarçar a sua determinação para impedir o regresso dos reformistas ao poder. O supremo líder, um habilidoso atirador de aguçadas insinuações embora dissimulando distância da algazarra político-partidária, tem tacitamente dado sinais de apoio à equipa do poder. Mais inequivocamente, os poderosos chefes do exército e dos Guardas Revolucionários têm revelado a sua preferência pelo poder nas mãos de conservadores, lançando frequentes advertências sobre o perigo da “revolução de veludo” com a aparência de reformismo. A rádio e televisão, ambas do estado e dependentes do controlo de Khamenei, dão cobertura a Ahmadinejad enquanto ignoram os seus oponentes. Nem os candidatos reformistas correm o risco de aparecerem nos canais internacionais de informação, sejam eles Al-Jazira, BBC World, CNN, ou FRANCE 24, mesmo aqueles canais que elogiaram generosamente o serviço noticioso de satélite da Televisão Persa, dado que os responsáveis da Segurança do estado declararam que qualquer pessoa que colabore “com tal propaganda inimiga” seria sujeita a processo criminal.

Os iranianos sentem-se desconfortáveis com o conhecimento de que o Ansar-e-Hizbulah, um grupo semi-oficial de vigilância popular, foi acusado no passado de assassinar reformistas. Estes grupos sombrios, em conjugação com organizações mais abertamente leais ao supremo líder como os Guardas Revolucionários, o Clube de Veteranos e o Basij, uma força auxiliar de jovens zelotas com ramificações por todas as mesquitas, escolas e universidades, que são utilizados pelo regime em trabalhos pacíficos de índole política. Em muitos casos, são estes grupos que gerem as secções de voto em momentos de eleições. Não surpreendentemente, a sua mobilização para este serviço é consensualmente creditada com a inesperada vitória de Ahmadinejad em 2005, que trouxe créditos de fraude eleitoral em alguns distritos.

Não é inteiramente claro se esta utilização de meios humanos terá os mesmos usos. Enquanto que muitos iranianos desvalorizam que o regresso de Ahmadinejad é uma conclusão precipitada, outros apontam as severas críticas que ele suportou de parceiros conservadores. Ahmadinejad tem, de facto, de se declarar formalmente como candidato.

Uma alternativa possível à candidatura de Ahmadinejad, reputada de ser próxima do supremo líder, é o eficiente e pragmático presidente da Câmara Municipal de Teerão, Muhamad Qalibaf. Um distinto veterano da guerra várias vezes elogiado pelo seu desempenho como chefe da polícia, Qalibaf teve a coragem de afirmar uma vez, embora contra a corrente, que aceitaria estabelecer diálogo com os EUA por acreditar que o Irão pode defender os seus interesses com custos menores do que os que actualmente paga.

Muitos conservadores, alarmados com a linguagem e a política aplicadas pelo presidente em exercício, teriam preferido ver no lugar um administrador mais educado (ou seja, com melhores maneiras) e com mais experiência política. Alguns sugerem que seria útil para o Irão apresentar uma nova cara ao mundo, mesmo que se mantivesse a mesma política externa descomprometida que tem sido exercida sob Ahmadinejad. E alguns reformistas acreditam que, enquanto qualquer um poderia desempenhar melhor função do que o presidente em exercício, poderia ser mais sensato apoiar um conservador que pudesse cumprir as suas promessas eleitorais em vez de ter na presidência um reformista que, muito provavelmente, não as poderia honrar dado o ambiente hostil da estrutura do estado tal como ela existe neste momento.
The Economist (excertos)

1 comentário:

zigoto disse...

Caro Abacaxi

mais este teu texto acerca de países, religiões, culturas e políticas islâmicas, praticados por países cujo Estado é + ou- de obediência muçulmana, caiu em cheio sobre a pobre hospedeira da aviação inglesa que foi despedida por se recusar a abdicar dos seus direitos Universais - vide Carta dos Direitos Humanos - da ONU.
Muito mais compreensível e explícito depois do comentário que um amigo - Comandante de Aviação Civil - me enviou e já publiquei.
Espero que acrescentes algo - com a longa experiência que tens - a esse comentário.