Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vai ter defazer uma vigilância.
Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou ficapreso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou oquente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da suaimaculada camisa.
Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta.
Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas écomplicada, por isso convém justificá-la.
A questão agora é: como justificá-la?
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Passemos então à parte divertida. A única justificação para o facto deficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico.
Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador.
Mas não.
Só uma doença poderá justificar sua ausência na sala do exame.
Vai ao médico. E, a partir deste momento, a situação deixa de ser divertida para passar a ser hilariante.Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o sorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e a felicidade do padre Melícias.
A partir deste momento mágico, gera-se um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da psicopatologia da vidaquotidiana.
Os mesmos que explicam uma hipnose colectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI.
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O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não está doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação sabe que ele não está doente.O próprio legislador, que manda a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que o professor não está doente.
Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que está doente.
Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente.
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Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional,útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que amentira é verdade.
Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados.
Mas isso é normal.
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Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranhoa ver o 'ET', que este é um boneco e que temos de poupar a baba e oranho para outras ocasiões. O problema é que em Portugal a ficção se confunde com a realidade. Portugal é ele próprio uma produção fictícia, provavelmente mesmo desde D.Afonso Henriques, que Deus me perdoe.
A começar pela política.
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Os nossos políticos são descaradamente mentirosos. Só que ninguém leva a mal porque já estamos habituados.Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade, mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há boas razõespara falar verdade.
Se eu, num ambiente formal, disser a uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal. Fica ofendida se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a nódoa e não fazer má figura.
Mas ela fica zangada comigo só porque eu vi a nódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porqueassumi perante ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei.
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Nós, portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que assim seja.
Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais felicíssimos e com vidas de sonho.
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Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.
Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros. Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias,mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar,eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas horríveis e fábricas desactivadas.
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Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e menteperante o mundo.
Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico.
É Portugalque precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio.
José Ricardo Costa
Professor de filosofía
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URGE MUDAR ESTE ESTADO DE COISAS.ESTÁ NA SUA MÃO, NA MINHA E DAQUELES A QUEM A MENSAGEM CHEGAR!
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