quarta-feira, 9 de julho de 2008

A Portugal



Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.

Nem é ditosa, porque o não merece.

Nem minha amada, porque é só madrasta.

Nem pátria minha, porque eu não mereço

A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta

quanto esse arroto de passadas glórias.

Amigos meus mais caros tenho nela,

saudosamente nela, mas amigos são

por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;

babugem de invasões; salsugem porca

de esgoto atlântico; irrisória face

de lama, de cobiça, e de vileza,

de mesquinhez, de fátua ignorância;

terra de escravos, cu pró ar ouvindo

ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;

terra de funcionários e de prostitutas,

devotos todos do milagre, castos

nas horas vagas de doença oculta;

terra de heróis a peso de ouro e sangue,

e santos com balcão de secos e molhados

no fundo da virtude; terra triste

à luz do sol calada, arrebicada, pulha,

cheia de afáveis para os estrangeiros

que deixam moedas e transportam pulgas,

oh pulgas lusitanas, pela Europa;

terra de monumentos em que o povo

assina a merda o seu anonimato;

terra-museu em que se vive ainda,

com porcos pela rua, em casas celtiberas;

terra de poetas tão sentimentais

que o cheiro de um sovaco os põe em transe;

terra de pedras esburgadas, secas

como esses sentimentos de oito séculos

de roubos e patrões, barões ou condes;

ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:

eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,

és mais que cachorra pelo cio,

és peste e fome e guerra e dor de coração.

Eu te pertenço mas seres minha, não



Jorge de Sena

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