sexta-feira, 11 de julho de 2008

Usurpou a coroa há 180 anos


A 11 de Julho de 1828, D. Miguel, de tendência absolutista, é aclamado Rei de Portugal, dando origem a um conflito imediato com o seu irmão D. Pedro, de tendência liberal, que pugnava pela ascensão ao trono de sua filha D. Maria.

Dom Miguel I de Bragança (Queluz, 26 de Outubro de 1802 - Karlsruhe, estado de Baden-Württemberg, Alemanha, 14 de Novembro de 1866), de seu nome completo Miguel Maria do Patrocínio João Carlos Francisco de Assis Xavier de Paula Pedro de Alcântara António Rafael Gabriel Joaquim José Gonzaga Evaristo de Bragança e Bourbon, foi o terceiro filho do rei Dom João VI de Portugal e irmão mais novo do Imperador D. Pedro I do Brasil (ou D. Pedro IV de Portugal).

Foi rei de Portugal entre 1828 e 1834, cobrindo o período da Guerra Civil Portuguesa (1831-1834), embora, segundo os pedristas, tenha sido um usurpador do título monárquico de sua sobrinha D. Maria da Glória. Por seu turno, os miguelistas contrapunham que D. Pedro I do Brasil se tornara estrangeiro e perdera o direito à Coroa Portuguesa e a designar um seu sucessor (no caso, sua filha, Dona Maria da Glória) desde o momento em que traíra Portugal, declarando a independência do Brasil e tornando-se Imperador desse novo país. D. Miguel seria assim o legítimo sucessor de D. João VI, vindo a ser legitimado pelas Cortes, em 1828, em conformidade com a Lei tradicional vigente antes e após a revolta liberal de 1820.

Assim, para os pedristas, D. Miguel passou à história como o Absolutista ou o Usurpador (por alegadamente ter arrebatado o trono da sua sobrinha), enquanto os miguelistas lhe atribuem o cognome de o Tradicionalista (por ter sido aclamado em Cortes, no respeito da Tradição legal portuguesa).

Antes de ascender ao trono - uma vez que o segundo filho de D. João VI, o Infante Antônio Francisco de Assis de Bragança e Bourbon, Príncipe da Beira falecera na infância - D. Miguel usou os títulos destinados aos secundogénitos de Senhor do Infantado e Duque de Beja; foi ainda feito pelo seu pai Conde de Samora Correia, na sequência da Vilafrancada; após o período do seu reinado efectivo, já no exílio, usou o título de Duque de Bragança, com os demais subsidiários (marquês de Vila Viçosa, conde de Arraiolos, de Barcelos, de Neiva e de Ourém).

D. Miguel era um homem de ideais católicos e tradicionalistas, os quais defendia com frontalidade. Era pouco popular entre a burguesia, mais aberta à influência do ideário liberal, mas gozava de grande popularidade entre o povo, que, caído na miséria após as guerras contra Espanha e França, via num rei forte a figura de um salvador. A isto acresce que era a Igreja quem muitas vezes matava a fome do elevadíssimo número de mendigos e deserdados de mais de 30 anos de guerras, pelo que a inimizade dos liberais face a esta instituição terá levado a que o povo se colocasse ainda mais do lado miguelista.

D. Miguel era também um admirador do chanceler Metternich da Áustria, embora afirmasse não ser adepto de uma monarquia absoluta mas apenas pretender libertar Portugal das influências estrangeiras, principalmente das ideias da Maçonaria, que considerava nefastas.

Na década de 1820, D. Miguel liderou um movimento militar contra as forças parlamentares - a Vilafrancada - de que vem a resultar a dissolução das Câmaras e o restabelecimento do poder régio absoluto (independente) de seu pai, D. João VI, que nomeou seu filho "Generalíssimo e chefe do Exército". A reacção dos parlamentaristas organizou-se e projectou destronar o rei e restabelecer a Constituição de 1822, ao que D. Miguel respondeu com o que veio a ficar conhecido pela Abrilada. Em 30 de Abril de 1824, D. Miguel tenta travar a conspiração convocando as tropas de todos os quartéis de Lisboa. O corpo diplomático, contudo, intervém levando D. João VI para bordo do navio de guerra inglês HMS Windsor Castle, onde pressionam o rei a demitir D. Miguel do comando do Exército e a ordenar o seu exílio [1].

Dois anos depois, quando o rei D. João VI é assassinado, D. Miguel estava ainda exilado na corte de Viena de Áustria. Morto o rei D. João VI, a regência de D. Isabel Maria, em Lisboa, considerou que o imperador do Brasil, D. Pedro, seria o herdeiro do trono de Portugal. No Brasil, o imperador D. Pedro é chamado a assumir o trono português, mas este abdica em favor de sua filha mais nova, D. Maria da Glória (depois D. Maria II) e outorga uma Carta Constitucional ao reino de Portugal.

Para poder voltar a Portugal, D. Miguel aceita então ficar noivo da sobrinha, D. Maria da Glória e, para poder ser nomeado Regente na menoridade desta, jura a Carta Constitucional de 1826 perante a corte austríaca, com "reserva de todos os seus direitos" e a expressa determinação de esta ser previamente aceite pelos Três estados do reino, conforme seu decreto de outorga[2]. À sua chegada a Lisboa D. Miguel repete, nos mesmos termos, o juramento de fidelidade à Carta e da rainha, sua prometida mulher. Pouco depois, porém, convoca a reunião dos Três estados em Cortes para decidir a sucessão no trono de Portugal.

Em 23 de Junho de 1828, é proclamado Rei pelas Cortes Gerais do Reino, que anulam a vigência da Carta Constitucional e repõem as Leis constitucionais tradicionais. Foi reconhecido pelo Vaticano, Espanha e Estados Unidos da América, ficando as restantes potências na expectativa, aceitando porém tratar com o seu governo enquanto entidade que "de facto" exercia o poder político sobre a quase totalidade do território nacional.

A não aceitação da decisão das Cortes Gerais pelo seu irmão D. Pedro e pelos liberais desencadeou a Guerra Civil Portuguesa (1831-1834) entre miguelistas e pedristas.

D. Miguel tentou o reconhecimento internacional para seu regime, tendo até 1830 a simpatia da França e da Inglaterra. Porém, naquele ano, grandes mudanças ocorrem na conjuntura europeia: na França uma rebelião colocara no trono Luís Felipe em lugar de Carlos X; no Reino Unido, caíra o governo do duque de Wellington , antes que fosse concedido o reconhecimento a D. Miguel como monarca. A acção diplomática de Metternich, cujo soberano era sogro de D. Pedro, e pretendia que a sua neta, Habsburgo por sua mãe, estivesse no trono de Lisboa, começou também a desenvolver-se contra D. Miguel.

Em 1831, o imperador D. Pedro abdica do trono do Brasil em favor do filho, Pedro II, e parte para a Europa em busca de apoios para a causa de sua filha. Após obter armas e dinheiro, por intermédio de Juan Álvarez Mendizábal [1], reúne em Inglaterra uma força de aproximadamente sete mil soldados britânicos, regressando a Portugal para liderar em pessoa o partido liberal, na guerra contra os miguelistas. Toma o arquipélago dos Açores, de onde lança ataques navais a Portugal.

Na primavera de 1834, a guerra civil vai entrar em fase decisiva. Em 22 de Abril, pelo tratado de Londres, a Inglaterra e a França decidem pôr fim ao reinado de D. Miguel em Portugal e às pretensões de Carlos María Isidro de Borbón em Espanha. Enquanto o almirante Napier desembarca tropas na Figueira da Foz, avançando por Leiria, Ourém e Torres Novas, o general espanhol José Ramón Rodil y Campillo entra em Portugal através da Beira e Alto Alentejo com uma expedição de 15 mil homens em apoio do partido de D. Pedro e de sua filha D. Maria da Glória. Na batalha de Asseiceira, as forças militares portuguesas são derrotadas pela conjugação das forças estrangeiras aliadas às forças do duque da Terceira, sendo o rei D. Miguel forçado a abdicar em favor de D. Maria II através da Concessão de Évoramonte (26 de Maio de 1834). Parte para o exílio, em Julho do mesmo ano, tendo pernoitado pela última vez em solo português na vila alentejana de Alvalade. Já ao largo da Baía de Cascais, ao embarcar para o exílio, D. Miguel denuncia a Concessão, afirmando que também esta fora firmada sob coacção. Ao fazê-lo, perde voluntariamente o direito à pensão vitalícia que Portugal ficara obrigado a pagar-lhe nos termos daquele acordo, não lhe restando, a partir de então, qualquer fortuna pessoal, visto que já mandara entregar as suas jóias ao irmão, como contribuição para o esforço de reconstrução do País após a guerra. Passou pois a viver da boa-vontade do Papa e dos seus partidários. A oferta do seu tesouro pessoal para ajudar na reconstrução de Portugal suscitou a D. Pedro IV o comentário: "Isto são mesmo coisas do mano Miguel".

Em 26 de Novembro de 1836, D. Miguel nomeou simbolicamente o chamado "Remexido", líder de um grupo de guerrilheiros e ex-soldados do Algarve e do Alentejo, Governador do Reino do Algarve e Comandante em Chefe Interino de Todas as Tropas Realistas, Regulares e Irregulares do Exército de Operações do Sul, talvez pela fidelidade deste, que manteve a acesa resistência miguelista do território do Algarve até ao norte do Alentejo durante mais de quatro anos após a Concessão.

D. Miguel viveu o resto de sua vida na Alemanha, onde se casou com a Princesa Adelaide de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg, que lhe deu seis filhas e um filho, Miguel, Duque de Bragança.

D. Miguel I jaz no Panteão dos Braganças, no mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa, para onde foi transladado juntamente com sua mulher D. Adelaide.

Os dois ramos só se reconciliaram quase um século mais tarde, quando o rei D. Manuel II, não tendo tido filhos, reconheceu os descendentes de D. Miguel como seus sucessores. Entretanto, nesse meio tempo, Portugal já se tornara uma república, em 1910.

O actual pretendente ao trono português, D. Duarte Pio, Duque de Bragança, é bisneto de D. Miguel I, por legítima varonia.

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