Da arte de bem praxar incautos, maçaricos e não só
Considerava-se – bem ou mal, não é isso que aqui e agora interessa avaliar – que servia para enquadrar rapidamente os novatos nas unidades militares, através de “partidas” – que somente a camaradagem permite sem melindre para o visado – destinadas a avaliar a “capacidade de encaixe” de quem delas era alvo, e a reforçar o espírito de corpo entre todos.
Eu próprio, logo que me apresentei no Batalhão de Infantaria 19, no Funchal, com o galãozito de Aspirante a brilhar, assinei uma série de papéis em duplicado e triplicado. Só mais tarde descobri o seguinte: debaixo de uma requisição de equipamento pessoal, e da respectiva folha de papel químico, havia uma em que só a assinatura era igual. O resto, eram as bebidas por todos consumidas, no beberete de boas-vindas, que o Corpo de Oficiais se havia permitido “oferecer-me” no Bar... com direito a factura, devidamente processada pelo Conselho Administrativo e descontada no meu primeiro soldo de Oficial.
- Pague e não bufe! Veja lá se aprende a não assinar nada de cruz - foi a ordem do meu comandante de companhia, cumprida com algum esforço, porque o soldo não era nada por aí além, e os safardanas tinham-se farto de emborcar vinho madeira e whisky.
Aprendi tão bem a lição que, anos mais tarde e já Tenente – quando acumulava em Moçambique as funções de comandante da CCS/BCAÇ17, com as de oficial de transmissões e de chefe do centro cripto – tive o prazer de receber o novo 2º Cmdt do Batalhão, que havia deixado o comando da sua companhia por ter sido promovido a Major, com esta maldade:
Depois de dactilografar uma mensagem que rezava assim:
“Urgente
De: Batalhão de Caçadores 17
Para: QG/RMM/Rep. Pessoal
Texto: Apresentou-se neste Batalhão Major de Infª Artur Lourenço.”
E não foi por lapso ou ignorância que terminei o texto com um ponto final, em vez das letras PF, que obrigatoriamente devem encerrar o texto.
A seguir dirigi-me ao gabinete do Major Lourenço e convenci-o a rubricar o ítem “Autor” com o pretexto de que tinha sido ele o autor da apresentação e me cabia somente rubricar em “Redactor”. Ainda estrebuchou. Mas lá consegui a rúbrica, argumentando que o oficial de transmissões era eu, e mais: “se estiver errado, o nosso Comandante não assina no “Expedidor” nem me deixa transmitir a mensagem”.
Remédio santo!
Bastou-me voltar a meter a mensagem na mesma máquina de escrever, substituir o ponto final por uma vírgula e acrescentar: “que muito honrado se sente com a presença do Exmo CMDT e do corpo de oficiais, no beberete que tem o prazer de oferecer hoje, ao toque de ordem, na respectiva sala PF”
Meu escrito, meu feito. Imaginem a cara do nosso Major quando, depois de comermos e bebermos, descobriu o “convite” de que era “autor”.
Mas lá que pagou, pagou!
1 comentário:
Ó sr tenente então isso faz-se ao major? O senhor era fresco era!
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