segunda-feira, 23 de junho de 2008

Continua vivo entre nós

O Dr. Heliodoro Frescata, fotografado por mim, durante um almoço de alunos do antigo 7º ano de 1960, do Liceu Salvador Correia, num restaurante de Lisboa em 1991


O Dr. Heliodoro Frescata, pertencia ao grupo dos homens que, silenciosamente e à sua maneira, remavam contra a situação vigente, nas décadas de 40, 50, 60 e 70. Foi professor e explicador das disciplinas de História, Geografia, Organização Política e Filosofia, procurando formar homens íntegros, numa sociedade justa e plurirracial, não se detendo em denunciar alguns disparates da História de Portugal, antiga e moderna.
Por diversas vezes teve, nas suas aulas, a assistência indesejada de elementos da polícia política de então, devido ao facto de ter sido apontado como "demasiado liberal" e utilizar métodos e técnicas de ensino, fora do vulgar, na época.
Esteve preso, algumas vezes, acusado de ter ideias progressistas, de esquerda, e costumava dizer, brincando, que: "O Carmona inaugurava as cadeias; mas, era ele quem as estreava"!
Durante os 16 anos que leccionou em Moçambique sempre contou com a estima, admiração e respeito dos seus alunos. Para eles tinha sempre um estímulo e uma palavra amiga e encorajadora quando era abordado na rua, independentemente de, nessa época, existir um grande "distanciamento" entre professores e alunos.

HELIODORO SEBASTIÃO FRESCATA nasceu em Setúbal, em 31 de Maio de 1910 e faleceu, em Lisboa, com 98 anos de idade, em 21 de Junho de 2008. Era filho de José Sebastião Frescata e de Teresa de Jesus Frescata, de quem teve mais 9 irmãos: Lucília, Georgina, América, Joaquim, Edmundo, Álvaro, Eduardo, Ludgero e Briolanja.
Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, na Universidade de Coimbra, em 19 de Julho de 1949.
Partiu para Angola, acompanhado por sua esposa, por ter sido nomeado Chefe da Repartição dos Serviços Geográficos Cadastrais, de Luanda, cargo que nunca viria a ocupar devido à chegada de um telegrama, de Lisboa, assinado pelo subsecretário de Estado da Educação, Baltazar Leite Rebelo de Sousa que, acusando-o de “ter ideias subversivas” lhe veda o acesso ao cargo para que fora nomeado em Diário da República.
Durante os quatro anos seguintes, exige da Secretaria de Estado da Educação, a publicação oficial da sua exoneração e do motivo que a justificou, tendo sido finalmente divulgada no Diário da República, constituindo um dos poucos casos em que tal argumento é apresentado, publicamente, como justificação para uma exoneração.
Consegue a direcção de um importante jornal local, tendo experimentado o fracasso de o ver suspenso por três dias, após a publicação de um artigo de fundo seu. Este acontecimento viria a despoletar o início da sua actividade docente, como professor eventual, no Liceu Salvador Correia, onde, por diversas vezes, recebeu ordenados com atrasos de mais de seis meses.
Em 1958, as suas ideias políticas colam-se às do projecto eleitoral independente do General Humberto Delgado, quando a União Nacional apresenta o Almirante Américo Thomaz para substituir o General Craveiro Lopes, no cargo de Presidente da República. Esta tomada de posição valeu-lhe ser expulso da docência, em 1959, tendo optado pelo ensino particular.
Era casado, em primeiras núpcias, com Genoveva do Espírito Santo Frescata, de quem viria a enviuvar, após doença prolongada, em Março de 1960, em Luanda.

Foi um dos fundadores da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, em Lourenço Marques, da qual também fazia parte, o Dr. António de Almeida Santos, que funcionou no Liceu Salazar, em período nocturno, e cujo objectivo principal era permitir o acesso ao ensino superior a candidatos adultos já inseridos, ou não, no mercado de trabalho.
Regressou a Portugal em 1977 tendo, ainda, leccionado no Centro de Instrução Militar e Técnico nº 2 da Força Aérea, na Ota, até 1988, ano em que se retirou do ensino, com 78 anos de idade.
"Nasceu com a Implantação da República Portuguesa" (1910), dizia ele para quem gostava de o ouvir, um dos marcos mais importantes da História de Portugal Contemporânea e num "ano raro de passagem do Cometa Halley", garantindo, com a sua agradável boa disposição, que "MUTATIS MUTANDIS, só nasceria um outro Heliodoro, como ele, do Grego "Helios" (Sol),"Doros" (presente) = "dádiva do deus Sol", em cada 76 anos".
De acordo com José Frescata, sobrinho do professor, ele era um homem culto, calmo no falar e nunca se exaltava, sendo estimado por toda a gente, alunos e colegas de profissão:
«Quando chegou à Beira, vindo de Luanda, já era um professor experiente. A viuvez, porém, tinha-o deixado muito abalado. Cedo, as suas ideias políticas, o iriam marcar; no entanto nunca "vestiu a camisola" de nenhum partido. Mantinha-se independente, embora com evidentes ideais socialistas.
De improvisação fácil e fluida, muitas vezes teve audiências inesperadas nos mais diversos locais onde, com familiares ou amigos, falava sobre a situação; sentindo, por diversas vezes, o "peso" do antigo regime».
Nos últimos anos de sua vida, o venerado professor, sentiu alguma dificuldade em aceitar o agravamento das limitações físicas decorrentes da sua avançada idade, acabando por depender totalmente, do apoio inestimável de sua extremosa e dedicada esposa Marília.
De vez em quando, o seu olhar imobilizava-se no tempo e no espaço, como que num esforço derradeiro para relembrar os dias de felicidade, vividos, IN ILLO TEMPORE, como costumava dizer, na companhia dos seus alunos, colegas e amigos, nas longínquas terras africanas.

Vivaldo Quaresma, na página "Heliodoro Frescata" publicada na internet

O Dr. Heliodoro Frescata foi meu professor nos idos de 50, no então Liceu Nacional Salvador Correia, em Luanda. E que professor!
Com ele não me limitei a aprender filosofia e organização política e administrativa da nação, nas aulas de filosofia e da velha cadeira de OPAN.
Quando, na sequência da campanha do General Humberto Delgado em 1958, foi expulso da docência liceal, tive o privilégio de conviver e aprender com ele numa tertúlia do café Monte Carlo em Luanda, de que faziam parte, entre outros, o Dr. Vinhas Novais, igualmente expulso pelas mesmas razões, António Jacinto, Antonio Cardoso, Luandino Vieira e alunos como Helder de Sousa, Eurico Boal Afonso, João Manuel Coutinho Pereira, Luís Filipe Colaço e mais alguns.
Ao saudoso Dr. Heliodoro Frescata devo lições de ética, cidadania e, acima de tudo, o despertar da consciência social e política.
Aqui lhe presto a minha sincera e sentida homenagem:
Até sempre, Dr. Frescata.

Álvaro Fernandes

1 comentário:

zigoto disse...

Recebido por email de Luís Cília:

"Amigo Álvaro
Lembro-me com muito carinho do Frescata. Na primeira aula com ele, armado em esperto, perguntei-lhe se ele era o das salsichas. Mas ele tinha muito humor e com ar de gozo contou ao meu pai e riram-se os dois. Era um homem que nos marca. Até deixava copiar pois dizia que a copiar aprende-se. Nunca mais o vi mas nunca o esqueci.
Um abraço amigo
Luis"