sábado, 28 de junho de 2008

Textos de filosofia política (12)



A TECNOBUROCRACIA E A POLÍTICA (CONTINUAÇÃO)

O conjunto de apontamentos gerais descritos anteriormente sobre as características da burocracia do Estado e sobre as suas conexões com as burocracias partidárias, no caso português, não está longe de algumas das análises clássicas. Lenine, em “O Estado e a Revolução”, ressaltava o parasitismo da burocracia e fazia duas observações interessantes para a sociologia política. No que concerne á luta de classes, o facto das camadas médias e inferiores constituírem a base de recrutamento da burocracia provoca um desenraizamento ideológica e político dos elementos integrados nas estruturas técnico-administrativas do Estado: os membros recrutados separam-se do seu espaço social de origem e ligam-se ao ideário político da classe dominante e aos partidos que a representam. No que respeita à relação entre os partidos e o aparelho administrativo do Estado, Lenine nota que o domínio deste por aqueles se opera na base do preenchimento das estruturas administrativas do Estado pelas clientelas dos partidos.
Deste modo se consolida o domínio dos partidos sobre o aparelho de Estado e se desenvolvem consequências relevantes para a vida da sociedade, em geral, e da esfera político-administrativa, em particular. Os partidos crescem perversamente através da permanente alimentação de clientelas, desenvolvendo o arrivismo e o oportunismo. O aparelho do Estado transforma-se num apêndice dos partidos. A Administração Pública torna-se um espaço de reprodução do poder dirigido por mecanismos de fidelidade e avesso à promoção das competências.
Neste quadro, a burocracia reforça-se porque a reprodução do poder exige a centralização da autoridade, impõe uma cultura conservadora e serve-se da opacidade para ocultar a sua real natureza. Na generalizada tendência para a burocratização organizacional, já Weber tinha incluído os entes partidários. Mais: a revolução russa mostrou-lhe a intima ligação entre a organização burocrática do Partido Comunista e a burocratização do Estado na Rússia.
O facto da burocracia se ter desenvolvido no capitalismo e no socialismo, manifestando a sua indissociabilidade da cultura racionalizada das sociedades industriais, por um lado, e o facto da sua capacidade de acomodação aos mais diversos regimes poder exprimir-se, no limite, pela continuidade administrativa que muitas vezes garantiu aos países vencedores de guerras contra os seus países, por outro lado, parece testemunhar a convicção weberiana sobre a neutralidade ideológica da burocracia: ela parece exterior aos valores e interesses patrocinados pelos regimes que serve.
Valter Guerreiro

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