segunda-feira, 30 de junho de 2008

Portugal bipolar, ou o caso mental português



Portugal, como a generalidade dos países, apresenta duas camadas distintas de população: uma minoria, poderosíssima, de ricos; uma maioria derrotada de pobres e de remediados. E tem dois estados mentais correspondentes: da parte da minoria, os acessos maníacos; do lado da maioria, os ataques auto-infligidos de depressão masoquista.

Os grandes e as manias da grandeza
O que de específico se vislumbra no caso mental português é o facto de não termos uma elite, um escol, uma classe elevada de condutores. Temos, a ocupar o seu lugar, os “grandes”: a desaristocracia do desenrascanço bacoco dos patos bravos de todas as áreas e actividades económicas, de financeiros corruptos, de fazedores de opinião e de polidores de todo o género - de esquinas, de corredores em S. Bento e de cadeiras em Bruxelas - e todo um coro de artistas menores. Os grandes, em vez de liderar pessoas ou de governar bancos, repartições ou empresas, governam-se. Desprezam o saber, pois o que conta é a esperteza. Desprezam o povo, porque trabalha e lhe faz a riqueza. Usam títulos, gravatas e relógios de ouro para alardear o sucesso.

A grandeza está instalada em todas as áreas da vida e da sociedade. Para começar, há os grandes portugueses de todas as épocas, telemovelcraticamente eleitos, que dispensam apresentação. São seres idealizados e projectados no Olimpo da memória nacional para que sirvam de modelos aos vindouros.

Cá mais abaixo, em plena vida terrena, encontram-se os grandes talentos capazes dos grandes desafios, das grandes opções, das grandes obras. Destas resultam os grandes almoços e as grandes fortunas. Há as grandes empresas com os seus grandes clientes que geram os grandes negócios. As grandes reportagens revelam os grandes devedores. Há o consumir em grande nas grandes superfícies.

Grandes construções: do Convento de Mafra à Basílica de Fátima. Os estádios, os aeroportos, os TGVs.
Os grandessíssimos filhos da ... vem, depois dos filhos de Algo,
Teve os seus tipos históricos e míticos, como o toureiro, o marialva.
Vasco da Gama descobriu o caminho por mar para a Índia. Foi carregado de honrarias. Teve que voltar à Índia para pôr cobro aos desmandos dos portugueses que por lá andavam.
Há grandes, como a Brites de Almeida, capazes de matar o inimigo à pazada, sem dó nem piedade.
Da literatura: O Conselheiro Acácio, a sã moral e os bons costumes, nossas virtudes pátrias (Eça de Queirós, O Primo Basílio);
Tipos recentes: Spínola, o conspirador aristocrata; Otelo, o plebeu jacobino; Maia, o santo revolucionário.

Tipos actuais: Santana Lopes e Sócrates, Valentim Loureiro e Pinto da Costa, Belmiro de Azevedo e os Opus Dei do Millennium.
Um bom desfecho no decurso da carreira das suas vidas é ter uma curta foto-biografia numa revista semanal. De pequenino já se revelara a esperteza. Batia o pé com toda a força da sua birra até a mãe lhe fazer as vontades. Na escola tinha as melhores notas porque sentava-se sempre ao pé do colega mais inteligente da turma, de quem copiava. Leu novelas de heróis e cavaleiros, vidas de santos e sábios, conviveu com pessoas instaladas, quis ser alguém, sonhou.

O estado mental português típico dos grandes caracteriza-se pela tendência a sobrevalorizar-se acompanhada com desprezo e agressividade para com a maioria deprimida. “Com papas e bolos se enganam os tolos”. A sua determinação existencial leva-o ao postulado tautológico, “Eu sou eu, não preciso de ninguém”, à perda de amor e ao desprezo pelo próximo.

Para compreender esta peça não há como observar-lhe a agitação psico-motora no seu habitat natural, a autoestrada. Pelo espelho retrovisor torna-se visível a sua rápida aproximação: carro com arcaboiço robusto e ferronho severo, máximos projectados no horizonte alcatrão parecem olhares assassinos, óculos escuros de marca escura, telemóvel na mão pronto a disparar e o resto não vês porque, ultrapassando-te, pela esquerda ou pela direita, lá vai, a gesticular furiosamente, vencendo barreiras, contornando gente inútil.
e a correr riscos incalculados. Controlo omnipotente. Euforia momentânea. Fantasias omnipotentes. O triunfo. A fuga para a frente. O progresso ilimitado. Os homens sem sono.

O seu pequeno vício é o apego ao tabaco. As autoestradas mentais. Produtividade e consumo. Ética puritana e protestante do trabalho. A contabilidade criativa. Consumismo, lucro e desperdício.

Fuga aos impostos. Abandono dos cargos e fuga para a Europa.
Autarquias. EDPs e PTs.
De como os grandes gostam dos pequenos: o caso Casa Pia.
A arraia miúda e o triste faduncho

Em 1147, matança indiscriminada da população de Lisboa após um cerco de meses pelos cruzados. Lisboa era uma cidade saudável, pacífica e religiosamente tolerante na convivência entre mouros, cristãos (moçárabes) e judeus. Os cruzados eram bandos de arruaceiros provenientes de duas tribos: os ibéricos, chefiados por Afonso, um senhor da guerra sem escrúpulos nem palavra, que quebrara os laços de vassalagem à condessa de Portucale, sua mãe; os nórdicos, de Darmouth, cerca de 13 mil homens falando várias línguas movidos pelo apelo do papa à 2ª cruzada. Depois da queda da cidade, a peste abateu-se sobre a população de Lisboa, dizimou milhares de moçárabes e muçulmanos e foi vista pelos cruzados como um castigo divino. Em 1348 a Peste Negra despacha metade da população.

Em 1383, João, um filho bastardo do rei falecido assassina o amante e conselheiro de Leonor, a rainha regente. Foi quanto bastou para a arraia miúda de Lisboa o consagrar “defensor do povo” e se lançar na Revolução. Um novo Portugal é fundado neste ano pela legitimidade popular, opondo-se ao Portugal da legitimidade senhorial católica e medieval, dos senhores do Norte, da linhagem do conde borgonhês.

Com a tomada de Ceuta em 1415 inicia-se a conquista do Norte de África e o projecto de contornar pelas costas o império muçulmano pela costa africana até ao extremo Oriente na Ásia. Desastre de Tânger em 1437, D. Fernando e D. Henrique, oposição de D. Duarte e D. Pedro. Batalha de Alfarrobeira em 1449 D.Afonso V, a facção palaciana e senhorial contra D. Pedro e o projecto moderno de centralização régia. D. João II e o Império. A oposição das classes altas ( Cortes de Montemor-o-Novo de 1495) a favor da manutenção dos territórios de além-mar.

No século XVI dá-se o aparecimento de vários prodígios designadamente o da santa inquisição. Em Lisboa são criadas as grandes Casas Portuguesas de comércio cujos lucros são reinvestidos na edificação, entre outros, do Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém, Forte de S. Julião da Barra, Terreiro do Paço, Palácio Real, Arsenal, hospital de Todos-os-Santos. Há escravos para trabalhar e o pagode vive à tripa forra, aristocracia, burguesia e gente miúda incluída. É o século do luxo português. O fundamentalismo cristão faz a perseguição dos cristãos novos expropriando a propriedade e a riqueza dos que nao mata pela fogueira. Em 1569, a peste dizima um terço da população. Em 1578, o “sangue puro”, antigo e nortenho arrasta o país, num renascer do sonho de um império territorial, para a aventura de Alcácer Quibir.

Século XVII, domínio dos Filipes, declínio económico, miséria e criminalidade. Lisboa é a cidade mais perigosa em todo o mundo conhecido. A burguesia mercantil de Lisboa e alguma nobreza incitam o Duque de Bragança a tomar as rédeas da governação. Após a Restauração, o País é invadido pelo ouro do Brasil. Parte da população ociosa professa numa ordem religiosa, as mentalidades são cerceadas pela Inquisição. Construções faraónicas, corrupção, desperdício, miséria. Lisboa é reputada no estrangeiro como uma cidade suja.

1755, dia de Todos-os-santos. Durante cerca de um minuto a terra treme. Um tsunami vindo do Atlântico varre a parte baixa de Lisboa junto ao Tejo. A alta é destruída pelo fogo provocado pelos milhares de velas a arderem nas inúmeras igrejas em festa. Depois, é enterrar os mortos e cuidar dos vivos.
A era de reconstrução, progresso e prosperidade de Pombal é interrompida pela “viradeira”, movimento retrógado sob o ceptro de Maria de Portugal que conduz à demissão do 1º Ministro e ao retorno da crise e da miséria. A criminalidade leva a Pina Manique e ao retorno à perseguição religiosa e política.
Em 1807 os franceses entram em Lisboa, a coroa e os nobres metem o rabo entre as pernas e fogem para o Brasil. Expulsos os franceses, colonialismo inglês em Lisboa e no Porto. Os nortenhos rebelam-se.

A revolução de Julho de 1830, cartistas e legitimistas. Subprodução agrícola, crise industrial e urbana, desemprego e alta do custo de vida, descontentamento da burguesia.

Em 1846, revolta popular contra o governo de Costa Cabral. Promoveu o governo de Cabral um conjunto de reformas no domínio fiscal, no registo da propriedade e das práticas funerárias, hoje consideradas absolutamente “normais”, mas que, na altura, caíram mal no povo e mexeram em muitos privilégios e “direitos adquiridos”. O povo miúdo do Norte pressionado pelo fanatismo religioso, alguns reaccionários e miguelistas desejosos de retorno ao absolutismo. Maria Angelina da Fontearcada. Insurreição e tumultos generalizados ao País. Guerra civil até 1847, a Guerra da Patuleia.

Revolução liberal e República. Hostilidade monárquica e católica, terrorismo operário, divisões no seio dos republicanos, crise económica e política. Tomada do poder pela direita ultramontana. Estado Novo. Paz dos cemitérios, emigração em massa e guerra colonial. (CONTINUA)
Publicado em: http://tremontelo.multiply.com/journal/item/232

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