quinta-feira, 26 de junho de 2008

Textos de Filosofia Política (10)


A TECNO-BUROCRACIA E A POLÍTICA

No nível da política real, são gritantes as confusões sobre o que é a tecnocracia. A demagogia a que o termo se presta na área política e o cinzentismo técnico que ataca os que no poder se arrogam lutar por causas, constituem evidências comumente assinaladas. A título de ilustração lembra-se, por exemplo, que António Guterres disse na tomada de posse do governo que a vitória do partido socialista era a derrota da tecnocracia. Marcelo Rebelo de Sousa afirmava, em seguida, a natureza tecnocrática do executivo socialista, filiando-se na prevalência dos cientistas e técnicos ligados ao mundo académico, em detrimento dos políticos e dos aparelhistas.
Contudo, é possível conceber a profissionalização política e a pertença aos aparelhos políticos como pontes de passagem para os cultos da organização e disciplinas partidárias que geram a valorização das regras e a atrofia das ideologias, elementos significativos da visão tecnoburocrática. Na verdade:

1) A conduta dos aparelhistas tende a confundir os desígnios de crescimento e de manutenção do partido com a substância da actividade política.
2) Aquela conduta não raras vezes estimula a burocratização dos entes partidários, fazendo-os funcionar em circuito fechado e desenvolvendo processos de realimentação duradoura dos poderes internamente instalados.
3) A política e o poder do Estado transformam-se, corolariamente, na coutada de uma minoria que se repete no poder.
4) A conduta de aparelho perverte a actividade política, que adquire contornos de um ritual de reprodução do poder que se esgota em si mesmo.

5) A conquista de clientelas mediocriza a sociedade civil, transformando as organizações públicas em lugares onde domina o princípio das afinidades político-partidárias. Daqui decorre que a administração pública, embora submetida a um discurso de modernização e desburocratização, continua prisioneira:

a) De uma cultura organizacional de subalternidade.

b) De uma desmotivação endémica.

c) De um clima organizacional de desconfiança e de medo.

d) De práticas nepóticas descaradas ou camufladas por formalismos hipócritas.

e) De um dirigismo sem horizontes que se esgota no atendimento vassálico das solicitações pontuais dos secretários de estado e dos ministros.

f) De políticas de gestão caóticas ou legalistas conduzidas por homens de mão sem perfil de liderança e sem a menor formação humanística.

g) De um monolitismo organizacional que se sustenta paradoxalmente na invocação da democracia.

h) De mudanças orgânicas sem obediência a outro princípio que não seja o das reorganizações ministeriais assentes em critérios de conjuntura e nas relações de força entre os ministros

i) De instrumentalizações organizacionais da lei para efeitos burocráticos, na melhor das hipóteses, e, na pior, para efeitos discriminatórios.

j) De uma política de gestão que delapida os recursos humanos por cinco vias fundamentais interligadas:

- Sub-aproveitamento das qualificações académicas e técnicas.
- Marginalização da inteligência e da integridade.
- Punição da independência.
- Entronização da mediocridade.
- Favorecimento dos “yes men”.

Este conjunto de apontamentos gerais sobre as características da burocracia do Estado e sobre as suas conexões com as burocracias partidárias, no caso português, não está longe de algumas das análises clássicas. Lenine, em “O Estado e a Revolução”, ressaltava o parasitismo da burocracia e fazia duas observações interessantes para a sociologia política. No que concerne á luta de classes, o facto das camadas médias e inferiores constituírem a base de recrutamento da burocracia provoca um desenraizamento ideológico e político dos elementos integrados nas estruturas técnico-administrativas do Estado: os membros recrutados separam-se do seu espaço social de origem e ligam-se ao ideário político da classe dominante e aos partidos que a representam. No que respeita à relação entre os partidos e o aparelho administrativo do Estado, Lenine nota que o domínio deste por aqueles se opera na base do preenchimento das estruturas administrativas do Estado pelas clientelas dos partidos.

No nível da política real, são gritantes as confusões sobre o que é a tecnocracia. A demagogia a que o termo se presta na área política e o cinzentismo técnico que ataca os que no poder se arrogam lutar por causas, constituem evidências comumente assinaladas. A título de ilustração lembra-se, por exemplo, que António Guterres disse na tomada de posse do governo que a vitória do partido socialista era a derrota da tecnocracia. Marcelo Rebelo de Sousa afirmava, em seguida, a natureza tecnocrática do executivo socialista, filiando-se na prevalência dos cientistas e técnicos ligados ao mundo académico, em detrimento dos políticos e dos aparelhistas.
Contudo, é possível conceber a profissionalização política e a pertença aos aparelhos políticos como pontes de passagem para os cultos da organização e disciplinas partidárias que geram a valorização das regras e a atrofia das ideologias, elementos significativos da visão tecnoburocrática. Na verdade:

4) A conduta dos aparelhistas tende a confundir os desígnios de crescimento e de manutenção do partido com a substância da actividade política.
5) Aquela conduta não raras vezes estimula a burocratização dos entes partidários, fazendo-os funcionar em circuito fechado e desenvolvendo processos de realimentação duradoura dos poderes internamente instalados.
6) A política e o poder do Estado transformam-se, corolariamente, na coutada de uma minoria que se repete no poder.
4) A conduta de aparelho perverte a actividade política, que adquire contornos de um ritual de reprodução do poder que se esgota em si mesmo.

5) A conquista de clientelas mediocriza a sociedade civil, transformando as organizações públicas em lugares onde domina o princípio das afinidades político-partidárias. Daqui decorre que a administração pública, embora submetida a um discurso de modernização e desburocratização, continua prisioneira:

k) De uma cultura organizacional de subalternidade.

l) De uma desmotivação endémica.

m) De um clima organizacional de desconfiança e de medo.

n) De práticas nepóticas descaradas ou camufladas por formalismos hipócritas.

o) De um dirigismo sem horizontes que se esgota no atendimento vassálico das solicitações pontuais dos secretários de estado e dos ministros.

p) De políticas de gestão caóticas ou legalistas conduzidas por homens de mão sem perfil de liderança e sem a menor formação humanística.

q) De um monolitismo organizacional que se sustenta paradoxalmente na invocação da democracia.

r) De mudanças orgânicas sem obediência a outro princípio que não seja o das reorganizações ministeriais assentes em critérios de conjuntura e nas relações de força entre os ministros

s) De instrumentalizações organizacionais da lei para efeitos burocráticos, na melhor das hipóteses, e, na pior, para efeitos discriminatórios.

t) De uma política de gestão que delapida os recursos humanos por cinco vias fundamentais interligadas:

- Sub-aproveitamento das qualificações académicas e técnicas.
- Marginalização da inteligência e da integridade.
- Punição da independência.
- Entronização da mediocridade.
- Favorecimento dos “yes men”.

Este conjunto de apontamentos gerais sobre as características da burocracia do Estado e sobre as suas conexões com as burocracias partidárias, no caso português, não está longe de algumas das análises clássicas. Lenine, em “O Estado e a Revolução”, ressaltava o parasitismo da burocracia e fazia duas observações interessantes para a sociologia política. No que concerne á luta de classes, o facto das camadas médias e inferiores constituírem a base de recrutamento da burocracia provoca um desenraízamento ideológica e político dos elementos integrados nas estruturas técnico-administrativas do Estado: os membros recrutados separam-se do seu espaço social de origem e ligam-se ao ideário político da classe dominante e aos partidos que a representam. No que respeita à relação entre os partidos e o aparelho administrativo do Estado, Lenine nota que o domínio deste por aqueles se opera na base do preenchimento das estruturas administrativas do Estado pelas clientelas dos partidos. (continua)

Valter Guerreiro

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