segunda-feira, 30 de junho de 2008

Portugal bipolar, ou o caso mental português II (continuação)



Em 1974, o “25 de Abril” foi um fenómeno de euforia de massas: o alvorecer na noite negra do fascismo, a libertação do escravo agrilhoado, a erupção da força colectiva como a fé capaz de erguer montanhas, a promessa do homem novo, a igualdade perante a lei, a justiça social, a fraternidade universal. Eleições livres, partidos políticos, fim da guerra de opressão, descolonização; imprensa livre, liberdade de expressão e de associação; protecção social, combate à pobreza e ao analfabetismo; reforma agrária, luta da produção, estímulo ao empreendedorismo e criação de empregos.

Passados, 34 anos, pobreza generalizada, distanciação das classes sociais, despedimentos em massa:
“De acordo com os dados da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares contra a Fome, ao longo de 2007 foram apoiadas com produtos 1542 instituições, que concederam ajuda alimentar a mais de 232 mil pessoas comprovadamente carenciadas. “
“A Yazaki Saltano anunciou hoje o despedimento de 400 trabalhadores da unidade de Gaia até ao final do mês, na sequência do fim da produção de uma componente para o sector automóvel, conhecida por M59.”
“A multinacional norte-americana Delphi vai encerrar a unidade de produção de Ponte de Sor (Portalegre) no primeiro trimestre de 2009, arrastando para o desemprego mais de 500 trabalhadores, disse hoje à agência Lusa fonte sindical.”

Não sendo historiador, não pretendo com esta resenha outra coisa senão pôr a história de Portugal em perfil. E o que se vê de perfil? Em primeiro lugar, um cíclico retorno ao mesmo, alternando períodos de riqueza e desperdício com períodos de extrema pobreza e de acentuação dos privilégios de casta.

Quando se instala o sentimento de perda, advém o luto. É uma experiência assustadora que desorganiza, em termos individuais e colectivos. Eu, o culpado.
A incapacidade de determinação existencial leva-o ao postulado contraditório: “Eu sou ninguém, preciso de todos”, à perda de amor-próprio e ao auto-desprezo.

a) Tristeza, fado.
Caracteriza-se o fado pela presença de duas guitarras, a clássica e a portuguesa e a presença exclusiva de um vocalista. No caso da desgarrada, o fado é a despique entre dois fadistas.
O fado transmite tristeza chã, caída na desilusão e o ressurgir da esperança. Saudade, nostalgia, saúde e quotidiano problematizados.
Como a vida do povoléu anda sobre brasas, é sobre brasas que ele prepara o suprimento da vida: bacalhau assado com batatas a murro ou sardinha assada e salada com pimentos.

b) Substituição do objecto perdido, futebol.
O Portugal dos pequeninos não aprecia os espectáculos violentos, como o boxe, as touradas. Porquê dar porrada num desgraçado se posso dar chutos numa bola? Os grandes atletas são os homens do futebol. Peyroteo, Azevedo , Matateu ou Eusébio.
Gente extraída da vida dura e de corpo robusto pode ter sucesso no futebol. Afinal nem é preciso andar na escola. Joga-se sem se saber ler nem escrever.
Portugal o patinho feio, o único patinho preto da Europa. O que falta para Portugal se tornar de facto um país europeu? Ganhar o Europeu.

c) Perdas sucessivas, Fátima
Fátima: a peregrinação a pé, o pagamento de promessas, procissão das velas, eucaristia de encerramento e o lencinho para a procissão do Adeus à Virgem.
A mensagem de Fátima sublinha os seguintes pontos:
- A conversão permanente, a metanoia, a mutação mental, o retorno à mentalidade medieval e ultramontana;
- A oração e nomeadamente o rosário, a obsessiva repetição do mesmo, a hipnose auto-induzida;
- O sentido da responsabilidade colectiva, desde o pecado original até ao materialismo e modernismo contemporâneos e a prática da reparação pelas ofensas cometidas ou por cometer.
“Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.” (Memórias da Irmã Lúcia, 13 de Maio de 1907)

Os portugueses são um povo de causas, guerras dos pobres: a causa timorense.

O terceiro excluído: a classe média e os brandos costumes
A classe média sustentou a queda do antigo regime, em Abril, e apoiou o novo regime. O qual, actualmente, se esforça por fazer desaparecer a classe média e alargar o fosso entre grandes e pequenos. Os brandos costumes andam a monte.
Lisboa e o País, outras vez sujos e esfarrapados. Vistos do Norte, cidade e País são ingovernáveis. Fechados nas suas torres de marfim arrepiam-se de ver África tão perto.

Este conjunto de apontamentos constitui o registo de uma experiência mental transcorrida entre Santarém e Lisboa em condução activa. Daí o seu carácter lacunar, nuns pontos, e o seu ar desleixado noutros.

Publicado em: http://tremontelo.multiply.com/journal/item/232

1 comentário:

zigoto disse...

Aqui está uma magnífica resenha que devia ser incluída nos programas de história.
Destrói alguns mitos e explica muito do comportamento das chamadas elites, e do chico-espertismo nacional versus "brandos costumes" da carneirada.
A ler, reler e assimilar.