sexta-feira, 27 de junho de 2008

Uma tese absurda e a indignação de Vasco Lourenço


A mensagem do Coronel Vasco Lourenço

Há situações que, por mais criativos que sejamos, temos dificuldade em prever.

Foi isso que se passou com a tese irrealista e sem sentido que o sargento pára-quedista Manuel Rebocho conseguiu ver aprovada na universidade de Évora.

Perante os factos, tenho dificuldade em graduar a (i)responsabilidade dos vários intervenientes:

. o autor da tese, ao inventar uma teoria que, até agora (penso eu) só ele teve a ousadia de explanar;

. os responsáveis da Academia Militar que, conhecedores da tese, nada fizeram (é essa a ideia que existe) para impedir a consumação do "crime" que a sua aprovação implicaria;

. idem, para os responsáveis do Estado Maior do Exército;

. a professora orientadora da tese;

. os professores arguentes da tese que, embora não concordando com o louvor à mesma, a aprovaram com distinção (com a agravante de um dos arguentes ser um professor da Academia Militar, coronel pára-quedista);

. os restantes professores membros do júri, que aprovam a tese, com distinção e louvor;

. a universidade de Évora, que dá cobertura a todo o processo;

. os oficiais pára-quedistas, tão mal tratados na tese, que, após a conhecerem, tendo ou não assistido à sua apresentação, nada fizeram para a denunciar;

. ... ... ...

Enfim, sinais dos tempos que correm...

Porque considero necessário e útil denunciar esta situação, dou conhecimento público de dois documentos sobre a tese em causa.

Sem mais comentários...

Vasco Lourenço



A carta do Coronel Vasco Lourenço


Exmo. Senhor

General Chefe do

Estado Maior do Exército


Há algum tempo – penso que no ano de 2004 – fui informado pelo então general CEME, general Valença Pinto, que existia um projecto de tese, intitulado “A formação das elites militares em Portugal de 1900 a 1975”, da autoria do sargento Manuel Godinho Rebocho, onde eu era referido em termos tais, que ele considerava ofensivos, pelo que me sugeria que lesse essa parte da tese e sobre a mesma tomasse as medidas que considerasse pertinentes.

Tendo tido acesso à tese, no gabinete do próprio CEME, constatei que, de facto ali era referido, em termos incorrectos e fortemente deturpados, no que se referia à minha prestação na Guiné, como comandante da CCaç 2549 do BCaç 2879, nos anos de 1969 a 1971.

Pude também verificar que essas referências deturpadas – porque desinseridas do total da minha comissão, tratadas parcialmente, sem a preocupação de se saber como terminara a “estória” – eram suporte para me apresentar como exemplo e demonstração da tese do doutorando: os oficiais do Q.P., formados na Academia Militar (por ele chamados “de carreira”) foram maus comandantes, maus operacionais, incapazes, deram origem a que o Exército perdesse a guerra.

Era uma tese tão irreal, tão absurda que considerei, então, que a minha posição pessoal pouco interessava, face à questão de fundo.

O que, acrescentado ao facto de o episódio fazer parte do todo da minha acção na Guiné e da “guerra” entre o general António Spínola e o capitão Vasco Lourenço, por demais conhecida de todos os que estiveram, nessa altura, na Guiné e onde, em minha opinião, saí em termos pessoais claramente vencedor, decidi não tomar uma atitude pessoal.

Como, então, transmiti ao general Valença Pinto considerava que competia ao Exército estar atento às teorias defendidas na tese – pelo que pudera vislumbrar, no pouco que lera da mesma, pois não tivera pachorra para a ler na totalidade – e não permitir que as mesmas tivessem vencimento.

Posição que reforcei junto do comandante da Academia Militar, general Silvestre Porto, quando nos encontrámos e ele me falou na tese, dizendo-me que eu deveria tomar uma atitude, junto da Universidade de Évora, pois a mesma não tinha qualquer suporte científico, não tinha um mínimo de qualidade. Ao dizer-lhe que isso era um problema do Exército, mal eu sabia ainda quanto a Academia, que ele comandava, era posta em xeque, na referida tese.

Mais tarde, fui surpreendido, na minha qualidade de presidente da Direcção da Associação 25 de Abril, por um convite, dirigido pelo autor da tese, para a sua apresentação na referida Universidade de Évora.

Revoltado com tanta desfaçatez e ousadia, respondi ao sargento Rebocho, recusando o convite, face à minha não audição, durante a elaboração da tese, e ao não tratamento correcto da minha actuação na Guiné.

Resolvi, também, do que lhe dei conhecimento, comunicar, ao júri de apreciação da tese, esta minha posição.

Nunca mais me preocupei com o facto, até que fui convocado para ser ouvido na PSP, sobre uma queixa de Manuel Godinho Rebocho.

E, aí, vi-me perante uma situação kafkiana: eu, que decidira não processar o autor de ofensas de que fora pessoalmente vítima, estava a ser acusado pelo mesmo, que se considerava ofendido por eu ter afirmado que ele me não ouvira na sua tese “talvez porque tem a noção da malévola deturpação que faz do que se passou na Guiné”.

Respondi, calmo, descansado, e passado algum tempo, recebi a comunicação de que o Ministério Público não acompanhava a acusação, pois considerava não haver motivo para a mesma, visto eu não ter cometido qualquer delito.

Contrariamente ao que pensava, o assunto não morreu ali.

Passado algum tempo, sou convocado, como arguido, para comparecer a um julgamento no Tribunal de Évora. O autor da tese, Manuel Godinho Rebocho, insistira e deduzira acusação particular, acompanhada de um pedido de indemnização cível.

Como o referido sargento pretendia, ele que fora preso na sequência dos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975, conseguiu fazer sentar no “banco dos réus” o comandante das forças que então o levaram à prisão. É esta a minha convicção!…

Fui julgado, absolvido e o acusador teve de suportar todas as custas.

Soube, entretanto, que à apresentação da tese assistiram vários militares, nomeadamente o general Silvestre Porto e alguns ex-pára-quedistas, como o próprio autor da tese, oficiais e sargentos.

Tese que viria a ser aprovada por unanimidade dos membros do júri presentes, com distinção e louvor. Sendo que o louvor foi apenas aprovado por três desses jurados, visto os arguentes não o terem feito.

Tive, entretanto, acesso a um estudo feito pelo senhor coronel António Carlos Morais da Silva, onde o mesmo demonstra a nula qualidade científica da tese e afirma a sua perplexidade pela aprovação da mesma, no âmbito da Universidade de Évora.

O que, em seu entender, não dignifica a referida Universidade e condena os membros do júri pelo mau serviço prestado à mesma e ao País.

Não gostaria de entrar pela teoria de haver quem, por razões ideológicas, não hesite em permitir e aprovar ataques ao Exército como um todo, só porque os mesmos são feitos através de um dos mais conhecidos Capitães de Abril. Com isso, atacando o 25 de Abril, em si mesmo.

É que há quem continue a ver em tudo “uma mulher bonita” e não aceite conselhos para ir ao médico… principalmente, se essa “mulher bonita” for o ódio ao 25 de Abril.

Pessoalmente, não me vou alongar sobre os motivos que levaram os vários membros do júri a esta situação.

Sempre direi, no entanto, que ao ver como foi possível que uma tese como esta fosse aprovada, considero desmascarada a forma como algum ensino é conduzido em Portugal, mais especificamente nas universidades. Pelo menos, na Universidade de Évora.

E, como é natural, qualquer respeito que os membros do júri em questão me pudessem merecer, desapareceu por completo…

Outro tipo de questões gostaria, ainda, de levantar: até se pode compreender a comparência de ex-pára-quedistas à apresentação da tese, face ao seu desconhecimento do teor da mesma e, nomeadamente, da forma como, no entender do coronel Morais da Silva, são nela tratados “os capitães QP destas tropas são, na quase totalidade, nomeados e enxovalhados a todo o tempo e de todas as ‘estórias’ em que a tese se espraia, para lá do necessário à investigação e ao arrepio desta, emerge a excelência e a mestria do autor”. Mais difícil é perceber como os mesmos não abandonaram a sala, durante a discussão da tese.

U ma coisa não consigo, no entanto, compreender: como foi possível o general Silvestre Porto, comandante da Academia Militar, ter estado presente na apresentação da tese, depois da opinião que me transmitiu pessoalmente e face à maneira miserável como a acção da Academia Militar é tratada na mesma? É que a simples presença na apresentação, é normalmente entendida como apoio ao autor e à tese…

E como foi possível que um professor da mesma Academia Militar, o coronel António Bravo Mira Vaz, ainda para cima pára-quedista, pudesse, como arguente, aprovar e distinguir a referida tese? Tentando resguardar-se, ao não votar no louvor à mesma!

Senhor General, Chefe do Estado Maior do Exército,

Por tudo o que referi, porque subscrevo o estudo elaborado pelo senhor coronel António Carlos Morais da Silva, tendo presente a enorme responsabilidade da Academia Militar, do Estado Maior do Exército e, portanto, do próprio Exército Português, ao permitirem a aprovação da tese em causa, solicito a V. Exa. se digne tomar as medidas que considerar necessárias, para terminar com a actual situação.

Que poderão passar pela sugestão que o coronel António Carlos Morais da Silva lhe fez, quando lhe deu conhecimento do seu estudo de 10 de Junho de 2008, mas que não deverão ficar por aí.

Considero que o Exército deveria pugnar pela anulação da referida tese, pois, como afirma Morais da Silva, a mesma é bibliografia validada por uma universidade.

Por fim, gostaria de informar V. Exa. de que, em termos pessoais, não decidi ainda se tomarei outras atitudes, em relação a esta questão, reservando-me o direito de as assumir, se as considerar pertinentes.

Quanto a esta exposição, dado o teor público do assunto, solicito a V. Exa. que compreenda e aceite que a irei tornar pública.

Certo da compreensão de V. Exa. e esperançado na sua acção, em defesa da Instituição Militar, apresento os meus melhores cumprimentos.


Vasco Correia Lourenço

Cor. Ref.


A carta do Coronel Morais da Silva


Leia também a carta do Coronel Morais da Silva, dirigida ao Reitor da Universidade de Évora, Presidente do Respectivo Conselho Científico e membros do Júri [que aprovou a tese]; com conhecimento ao autor Manuel Godinho Rebocho, ao Chefe do Estado Maior do Exército e ao Comandante da Academia Militar.
Para o efeito, e visto este documento fechado não permitir transcrição, clique em:

file:///C:/DOCUME~1/PROPIE~1/DEFINI~1/Temp/Rar$DR06.625/tese%20rebocho_final.pdf

1 comentário:

Anónimo disse...

O documento do coronel Morais Silva tem que ser colocado no servidor e o link deve ter apenas o nome do ficheiro.
Tal como está, a busca é enviada para o computador do bloguista... e nada resulta.