sábado, 7 de junho de 2008

Praxes


Da arte de bem praxar incautos, maçaricos e não só

À data a que os episódios guardados na “memória da arca do velho” se referem, a praxe era uma actividade não só consentida como estimulada no nosso Exército.

Considerava-se – bem ou mal, não é isso que aqui e agora interessa avaliar – que servia para enquadrar rapidamente os novatos nas unidades militares, através de “partidas” – que somente a camaradagem permite sem melindre para o visado – destinadas a avaliar a “capacidade de encaixe” de quem delas era alvo, e a reforçar o espírito de corpo entre todos.

Eu próprio, logo que me apresentei no Batalhão de Infantaria 19, no Funchal, com o galãozito de Aspirante a brilhar, assinei uma série de papéis em duplicado e triplicado. Só mais tarde descobri o seguinte: debaixo de uma requisição de equipamento pessoal, e da respectiva folha de papel químico, havia uma em que só a assinatura era igual. O resto, eram as bebidas por todos consumidas, no beberete de boas-vindas, que o Corpo de Oficiais se havia permitido “oferecer-me” no Bar... com direito a factura, devidamente processada pelo Conselho Administrativo e descontada no meu primeiro soldo de Oficial.

- Pague e não bufe! Veja lá se aprende a não assinar nada de cruz - foi a ordem do meu comandante de companhia, cumprida com algum esforço, porque o soldo não era nada por aí além, e os safardanas tinham-se farto de emborcar vinho madeira e whisky.

Aprendi tão bem a lição que, anos mais tarde e já Tenente – quando acumulava em Moçambique as funções de comandante da CCS/BCAÇ17, com as de oficial de transmissões e de chefe do centro cripto – tive o prazer de receber o novo 2º Cmdt do Batalhão, que havia deixado o comando da sua companhia por ter sido promovido a Major, com esta maldade:

Depois de dactilografar uma mensagem que rezava assim:

“Urgente

De: Batalhão de Caçadores 17

Para: QG/RMM/Rep. Pessoal

Texto: Apresentou-se neste Batalhão Major de Infª Artur Lourenço.”

E não foi por lapso ou ignorância que terminei o texto com um ponto final, em vez das letras PF, que obrigatoriamente devem encerrar o texto.

A seguir dirigi-me ao gabinete do Major Lourenço e convenci-o a rubricar o ítem “Autor” com o pretexto de que tinha sido ele o autor da apresentação e me cabia somente rubricar em “Redactor”. Ainda estrebuchou. Mas lá consegui a rúbrica, argumentando que o oficial de transmissões era eu, e mais: “se estiver errado, o nosso Comandante não assina no “Expedidor” nem me deixa transmitir a mensagem”.

Remédio santo!

Bastou-me voltar a meter a mensagem na mesma máquina de escrever, substituir o ponto final por uma vírgula e acrescentar: “que muito honrado se sente com a presença do Exmo CMDT e do corpo de oficiais, no beberete que tem o prazer de oferecer hoje, ao toque de ordem, na respectiva sala PF”

Meu escrito, meu feito. Imaginem a cara do nosso Major quando, depois de comermos e bebermos, descobriu o “convite” de que era “autor”.

Mas lá que pagou, pagou!

1 comentário:

Anónimo disse...

Ó sr tenente então isso faz-se ao major? O senhor era fresco era!