terça-feira, 3 de junho de 2008

O RENASCIMENTO DE UM CONSTRUTOR DE AUTOMÓVEIS (#2 de 2)

Fiat Grande Punto 5 doors
Ramaciotti afirma que, a certa altura, na Fiat, a estilização e estética dos carros tinham deixado de ser consideradas como os núcleos fundamentais da competência e da arte de produzir automóveis, mas que actualmente esse cenário tinha sido alterado. Referindo-se à Lancia, Ramaciotti argumenta que “Nós não podemos ter sucesso se a aparência dos nossos carros não se harmonizar com a estética actual. Nem devemos ser tão conservadores na estilização como as prestigiadas marcas alemãs. As marcas italianas devem ser extrovertidas e inovadoras. Nós temos mais liberdade mas mais riscos também.” Por isso, o novo modelo do 500 foi importante por ter demonstrado aos estilistas da Fiat que eles seriam capazes de competir com os melhores do mundo.

A segunda maneira pela qual o modelo Bravo simboliza a nova Fiat é a extraordinária rapidez do seu desenvolvimento no gabinete de estudos. A urgente necessidade de produtos novos e os limitados recursos disponíveis forçaram as equipas de estilistas e de engenheiros a correr o risco de criar o novo modelo num intervalo de tempo muito curto. Harald Wester, o alemão responsável pelo departamento de engenharia da Fiat, afirma que a solução foi conseguida com recurso intensivo a meios informáticos para desenhar, simular e testar virtualmente os novos modelos, enquanto que com os métodos tradicionais, muito exigentes em tempo, teria sido necessário construir protótipos que depois seriam testados no túnel de vento e na pista de ensaio. “Com programas de computador adequados nós desenhámos e simulámos o comportamento de centenas de soluções e configurações e seleccionámos a melhor das várias propostas ensaiadas, enquanto que, com o método dos protótipos, que normalmente são modelos reduzidos à escala, só se testam 2 a 4 soluções porque a sua construção é cara e requer mais tempo. Para os novos modelos, nem foi necessário construir protótipos para os ensaios destrutivos de choque frontal [crash testing] que as normas da indústria automóvel exigem quando se utiliza o método tradicional de desenvolvimento.”

Como resultado da nova metodologia, a Fiat foi capaz de encurtar o tempo de desenvolvimento até à entrada em produção do Bravo e do 500 para 18 meses, dos 26 meses que foram necessários para o Stilo. Marchionne afirma, com alguma satisfação, que a compressão do tempo de projecto de um novo modelo até à sua apresentação no mercado é uma vantagem competitiva, não só contra a concorrência mas também contra os gestores financeiros da empresa que, por não serem engenheiros, nunca compreendem porque razão a engenharia não pode criar um novo modelo “começando e terminando o trabalho de desenvolvimento ontem.”

Uma outra vantagem que a Fiat está disposta a aprofundar é a eficiência do combustível. Quando as novas regras comunitárias relativas às emissões de anidrido carbónico (dióxido de carbono na terminologia inglesa) entrarem em vigor – supõe-se que tal acontecerá em 2012, mas sujeita a negociação política que se adivinha intensa – a Fiat espera que a sua frota de carros tenha a mais baixa taxa de emissões que a de qualquer concorrente. Isto deve-se em parte ao facto de a Fiat construir uma variedade grande de carros pequenos e leves e poucos carros grandes e pesados, mas também se deve à sua tecnologia de construção de motores de alto rendimento. A Fiat é o primeiro construtor a oferecer motores Diesel que obedecem à norma Euro 5 sobre emissões resultantes da queima de combustíveis fósseis.

E tem ainda outro truque na manga: uma nova geração de motores a gasolina, chamada Multiair. Usando uma nova tecnologia patenteada pela Fiat que não utiliza cambota nem veio de cames das válvulas, será lançado no próximo ano este novo motor com 900cm3 de cilindrada, com dois cilindros geminados e alimentação turbo-comprimida, que emitirá apenas 69g de anidrido carbónico por quilómetro, ligeiramente acima de metade da meta proposta pelo regulamento da União Europeia para 2012. Este motor será de construção muito mais económica do que o motor equivalente actual de 4 cilindros. Há alguns anos a Fiat cometeu o erro de vender outra importante inovação, a tecnologia “common rail” para motores Diesel, à Bosch. Estando na altura financeiramente debilitada, não conseguiu manter a tecnologia só para si, e hoje a Bosch vende-a a todos os construtores do mundo. Desta vez, a Fiat está decidida a não vender o sistema Multiair a outro fabricante de motores durante quatro anos, pelo menos.

Outra área onde a Fiat está em permutas com os seus rivais, como a VW e a PSA Peugeot Citroën, é na normalização de acessórios e plataformas usadas em diferentes gamas de modelos. De acordo com Wester, antes de 2005 todas as peças num Alfa Romeo, até ao último parafuso, podiam ser ligeiramente diferentes das usadas no Fiat de tamanho equivalente. Em 2006 o grupo usou 19 plataformas diferentes. Em 2012 o grupo terá apenas 6 plataformas.

Com a Fiat agora em boa forma e com a perspectiva de um novo Panda transfigurado no próximo ano em carro urbano e várias versões do 500, a tarefa seguinte será dar nova vida às duas empresas que continuam debilitadas e que são as marcas mais prestigiadas da industria automóvel italiana: a Lancia e a Alfa Romeo.

Olivier François, o francês que é o CEO da Lancia, afirma que a marca não deve abandonar o estilo italiano das suas linhas nem o seu carácter, conjugação a que ele chama “elegância com atitude”. O novo Delta, que em tamanho se situa entre o VW Golf e um carro do segmento D, parece diferente de tudo o que existe nas estradas, sem descer até à excentricidade suicidária do passado recente. Mas Olivier François poderá ter muita dificuldade em persuadir um não-italiano a experimentá-lo precisamente porque é difícil classificá-lo.

Ele e Marchionne tiveram, apesar de tudo, um golpe de sorte em despertar o interesse de potenciais compradores na marca quando decidiram contratar a modelo Carla Bruni, agora casada com Nicolas Sarkozy, para figurar na publicidade da Lancia. Marchionne recorda: “Ela ainda não vivia em comum com o presidente francês quando nós lhe apresentámos a nossa proposta de trabalho, que ela aceitou. Pouco tempo depois, quando veio a público que Carla aceitara a proposta de casamento de Sarkozy, um jornal diário italiano publicou um grande título com a frase “Marchionne chegou lá primeiro”. Tipicamente italiano, mas totalmente falso”.

Fiat Grande Punto (front view)
Embora Marchionne veja a Lancia como uma marca puramente europeia, ele tem afirmado por diversas vezes que quer que a Alfa Romeo regresse aos Estados Unidos da América pela primeira vez desde 1990. Ele procura um parceiro local, possivelmente a Chrysler, para construir os Alfa Romeo e os distribuir no mercado americano durante os próximos três ou quatro anos. Marchionne acredita que, apesar de ter perdido a forte imagem de prestígio que detinha no mercado americano, Alfa é ainda uma marca mundial com que muitas pessoas se identificam. Ele diz: “Alfa era conhecida por carros mais leves, mais rápidos e mais ágeis. Quem não se lembra do filme “The Graduate”, em que Dustin Hoffman conduz um Alfa 159 vermelho? É uma pena que tenhamos feito exactamente o contrário do que desejavam os simpatizantes americanos da marca. O modelo 159 era um dos mais apelativos carros do segmento D da época. Temos de regressar lá e remediar esta ausência.”

Esse é um trabalho para Luca De Meo, um licenciado em gestão com 40 anos, visto dentro da empresa como o provável sucessor de Marchionne, que é o actual director comercial do Grupo Fiat e também o CEO recentemente indigitado da Alfa. Luca De Meo reconhece que a caríssima edição limitada de algumas dezenas de unidades do Spider 8C é uma manobra de prestígio comercial destinada a reavivar a imagem de excelência da marca, mas que nenhuma contribuição terá na recuperação da empresa que continua emersa em dificuldades financeiras. “É apenas um sinal exterior de competência técnica, quase um exercício académico para estagiários em fase final de formação dum qualquer gabinete de estudos. Os carros que decidirão o futuro próximo da empresa Alfa serão o novo Mito, que é baseado numa versão redesenhada do Punto para o elevar às qualidades dinâmicas do BMW Mini, e o 149, sucessor do 147 hatchback.”

Marchionne diz que o Mito, (o nome resultou da contracção das palavras Milan e Turin), que será lançado este Verão, contem muito do visual e do perfume dos Alfas do futuro” mas que será a referência estilística e conceptual de toda a nova gama de Alfas. “O seu desenvolvimento custou-nos 30 meses de trabalho porque não é apenas uma remodelação. É a criação mais inteligente e requintada que nós alguma vez produzimos.” Marchionne colocou a fasquia de vendas de Lancia+Alfa em 300.000 unidades no ano de 2010. No último ano, 2007, as vendas conjuntas ficaram abaixo dessa meta, em apenas 275.000 unidades.

A exemplo da maioria dos construtores, a Fiat espera que a maior parte do seu crescimento venha dos mercados emergentes. Em 2006, 37% das vendas da Fiat, incluindo veículos comerciais dos fabricantes associados, vieram de fora da Europa ocidental. Em 2010, as vendas nesses mercados aumentarão, previsivelmente, para 46% do total. A Fiat é o líder de mercado do Brasil, um dos mercados de rápido crescimento do mundo, mas apesar da construção de camiões produzidos pela associação entre a Iveco e a SAIC da China, é o construtor mais fraco na China, Índia e Rússia. O desempenho da Fiat na Rússia, que em breve ultrapassará a Alemanha como o maior mercado de automóveis da Europa, tem sido particularmente pobre. Embora (ou talvez por causa disso) os conceitos construtivos da Fiat servissem de base para uma parte significativa da indústria automóvel da época soviética, a empresa vendeu apenas 2.000 carros naquele mercado em 2006. Contudo, o novo 3 volumes Fiat Línea, que é fabricado na Turquia, será também construído na China, Índia e Rússia, embora estes mercados sofram de dificuldades crónicas no abastecimento de matéria-prima e de alguns acessórios.

No que se refere às possibilidades de evolução no mercado chinês, Marchionne é prudente: “A China é um mercado arriscado para avançarmos, mas também é arriscado ficarmos de fora. A China tem um desenvolvimento explosivo, mas é um mercado fortemente competitivo. Poderemos fazer dinheiro se nos instalarmos lá dentro? Essa é a nossa grande dúvida.”

Embora seja ocasionalmente sugerido que Marchionne não permanecerá muito tempo no lugar que ocupa para verificar as respostas a esta e outras questões que se põem no horizonte próximo do Grupo Fiat (ele é o vice-presidente do Banco UBS, um banco suíço com ramificações praticamente por todo o mundo, onde alguns accionistas gostariam de o ver no lugar de presidente), ele fala como se estivesse na Fiat com prazo ilimitado: “Os nossos objectivos estendem-se até 2010. Qualquer especulação antes dessa data não tem qualquer sentido. A primeira fase do nosso trabalho terminou em 2007. Já conseguimos demonstrar a alguns cépticos que não somos um grupo de gestores e engenheiros sonhadores e que somos capazes de produzir riqueza que beneficie a Itália. A fase que agora começa é de todas a mais importante. Seremos inovadores e criativos para competirmos com os grandes grupos mundiais? Seremos capazes de construir um grande grupo industrial ou não?”

Que quer ele dizer com isto? Para esclarecer as dúvidas, ele responde nos melhores termos do pensamento industrial: “Construir automóveis tão bem como a Toyota, camiões tão bem como a Scania, equipamentos agrícolas tão bem como a John Deere, máquinas de terraplanagem tão bem como a Caterpillar.” Quanto à sua própria acção desenvolvida até agora, Marchionne diz: “Os “miúdos” estão verdadeiramente devotados à causa e abraçaram-na com grande motivação. Eles estarão no coração do sucesso. Eu fui apenas o fio condutor da mudança e foi apenas o que fiz.”

Fiat Croma Station Wagon

3 comentários:

Anónimo disse...

Ao que isto chegou!
Até estes já fazem publicidade a marcas de automóveis.
Serão pagos pela fiat na virgem e não corras?

Anónimo disse...

Vá lá, não seja mauzinnho.
Parece-me que ninguém fez (ainda) propaganda ao Ferrari do Mourinho.
Ai, o Mourinho, a selecção e esses bólides todos, é que me dão pica.
Viva o marketing, no seu esplendor.

Anónimo disse...

E já agora, porque não àqueles "aviões" que o Cristiano arranja lá por terras de nuestros hermanos. Aquilo é que é acelerar!
Aí é que este blog ia à lua tripulado por este "marciano" que entrou aqui a acelerar com o fiat. Será um Fiatipaldi?