domingo, 15 de junho de 2008

A freira-do-bugio

Descoberta. Foi identificada nova espécie de ave marinha endémica de Portugal - estudos genéticos confirmam que a freira-do-bugio, que habita o ilhéu mais a sul das Desertas, é diferente das suas 'primas' que nidificam na Madeira e em Cabo Verde. Em comum só o facto de estarem em risco de extinção

População desta espécie é inferior a 200 casais reprodutores

Durante anos, a freira-do-bugio, que habita uma zona restrita do ilhéu mais a sul do arquipélago das Desertas (Madeira), e a freira-de-cabo-verde foram consideradas a mesma espécie, até porque morfologicamente são perfeitamente idênticas.

A bióloga Susana Fontinha, do Parque Natural da Madeira, iniciou o estudo destas aves pelágicas (vivem grande parte do seu tempo em oceano aberto) há duas décadas e logo surgiram as primeiras dúvidas. Razão por que o Parque Natural solicitou à Universidade da Madeira o estudo genético das aves. O resultado, tornado público no final de Maio, veio demonstrar que, afinal, há uma nova espécie de ave marinha em Portugal - a Pterodroma feae.

"Devido ao isolamento reprodutor e até por mecanismos comportamentais, as duas espécies de freiras não se cruzam", explicou ao DN, José Jesus, professor e membro do Laboratório de Genética da Universidade da Madeira, investigador que estudou a sequência dos genes, provando diferenças moleculares evidentes entre as espécies do Bugio e de Cabo Verde.

O trabalho é o culminar do programa 'SOS Freira do Bugio', coordenado pela bióloga Dília Menezes, que visa a protecção desta ave. O projecto, com um orçamento de um milhão de euros, contou com o apoio financeiro do Projecto Life e da parceria com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e decorreu em várias etapas, passando pela irradicação do murganho (rato endémico da Madeira) e do coelho, o estudo do habitat da freira-da-madeira e, posteriormente, da freira-do-bugio.

No ano passado, uma equipa deslocou-se a Cabo Verde, para recolha de amostras de sangue. A conclusão é de que a freira-do-bugio, tal como a da Madeira (Pterodroma madeira) e a de Cabo Verde (Pterodroma mollis) são geneticamente diferentes. Em comum apenas a extrema vulnerabilidade, exigindo uma gestão e conservação constantes.

A freira-do-bugio, por exemplo, encontra-se referenciada em anexos da Directiva Aves e da Convenção de Berna. A sua área de nidificação está classificada como Zona de Protecção Especial e Sítio de Interesse Comunitário da Rede Natura 2000 e incluída na Reserva Natural das Ilhas Desertas, tendo uma população inferior a 200 casais.

A colónia que nidifica na ilha da Madeira, na parte oriental do Maciço Montanhoso Central (serras do Areeiro), acima dos 1600 metros, tem uma população extremamente reduzida, não mais de 80 casais, sendo considerada uma das aves marinhas mais raras do mundo, tendo sido considerada extinta até finais da década de 60.

A freira-do-bugio está naturalmente mais protegida pela difícil acessibilidade do ilhéu, cortado em escarpa. Contudo, partilham a mesma dificuldade reprodutiva. As Pterodromas precisam de cinco anos para chegar à fase adulta e só colocam um único ovo por ano, num buraco escavado no solo, alvo fácil de predadores, como o murganho.

In DN

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