O ANTI-TECNOCRATISMO DE MARCUSE
Se a história do homem é tanto a história da sua repressão individual como a história da sua inserção numa sociedade repressiva e se há um espaço da sua psique que é invulnerável à repressão e se traduz nas actividades artísticas do homem (fantasia), há um espaço colectivo por mais exíguo que seja para a manifestação da sua liberdade que a fantasia traduz ferreamente dentro de cada um. Este espaço da fantasia é o espaço da utopia. Assim, “ O valor de verdade da imaginação relaciona-se não só com o passado mas também com o futuro, as formas de liberdade e de felicidade que invoca pretendem emancipar a realidade histórica. Na sua recusa em aceitar como finais as limitações impostas à liberdade e à felicidade pelo princípio da realidade, na sua recusa em esquecer o que pode ser, reside a função crítica da fantasia... Essa Grande Recusa é o protesto contra a repressão desnecessária, a luta pela forma suprema de liberdade - viver sem angústia. Mas essa ideia só podia ser formulada sem punição na linguagem da arte. No contexto realista da teoria ou mesmo na filosofia, foi quase universalmente difamada como utopia” (Marcuse, 1968,138-9).
Um outro elemento importante do pensamento marcuseano nesta matéria para justificar a possibilidade da liberdade e da felicidade reside no princípio do reforço da repressão que se apresenta continuamente à realidade histórica.” O facto do princípio da realidade ter de ser continuamente restabelecido no desenvolvimento do homem indica que o seu triunfo sobre o princípio do prazer jamais é completo e seguro”.( Marcuse,1968,p36). Não só subsistem espaços onde a liberdade e a felicidade permanentemente se manifestam e podem ser multiplicados porque elas não morreram como é possível pensar na inversão de forças entre o princípio da realidade e o do prazer. Assim diz:”A equação da liberdade e felicidade, sujeita ao tabu da consciência, é sustentada pelo inconsciente. A sua verdade, embora repelida pelo consciente, continua assediando a mente; preserva a memória de estágios passados do desenvolvimento individual nos quais a gratificação imediata era obtida: E o passado continua a reclamar o futuro: gera o desejo de que o paraíso seja recriado na base das realizações da civilização”. (Marcuse,1968,p38).
Quais são as possibilidades de realizar a utopia?. Não envolve qualquer retrocesso civilizacional na direcção da imagem do homem bom e feliz primitivo. Manter-se ia a estrutura tecnológica civilizacional só que gerida por princípios coerentes com os de uma sociedade não repressiva. Na lógica marxista freudiana de um trabalho repressivo por razões diferentes, o trabalho, fundamental na construção da repressão, torna-se o fundamento da libertação. O trabalho que liberta é prazenteiro e desalienado. A possibilidade da utopia passa pela possibilidade da realização da transformação do trabalho nesta perspectiva. Duas são as hipóteses que Marcuse equaciona na possibilidade desta transformação.
Numa primeira hipótese as relações laborais transformar-se-iam num jogo imaginativo, criativo e sensual como é pr+oprio da inteligência sensitiva: “O que distingue o prazer da cega satisfação de carências e necessidades é a recusa do instinto em esgotar-se na satisfação imediata, é a sua capacidade para construir e usar barreiras para a intensificação do acto de plena realização. Embora essa recusa instintiva tenha feito o trabalho de dominação, também pode servir à função opsta: erotizar as relações não libidinais, transformar a tensão e o alívio biológicos em livre felicidade. Deixando de ser empregadas como instrumentos para reter homens em desempenhos alienados, as barreiras contra a a gratificação imediata e absoluta converter-se-iam em elementos de liberdade humana; protegeriam............( sua livre auto-realização?).
Os homens existiriam como indivíduos, realmente, cada um deles moldando a sua própria vida; defrontar-se-iam mutuamente com necessidades e modos de satisfação verdadeiramente diferentes - com as suas próprias recusas e as suas próprias selecções. A ascendência do princípio do prazer engendraria assim antagonismos, dores e frustrações - conflitos individuais na luta pela gratificação. Mas esses conflitos teriam, em si próprios, um valor libidinal: estariam impregnadoa da racionalidade da gratificação. Essa racionalidade sensual contém as suas próprias leis morais.” (Marcuse,1968,144).
Uma hipótese completamente diferente consistiria na automação do trabalho. A automação seria libertadora e peça chave da utopia na medida em que eliminaria ao trabalho sacrificial e, consequentemente, a opressão, o desprazer e a perda de si ocasionada nesse fulcro da vida humana. Diz : “ Quanto mais completa for a alienação do trabalho, tanto maior é o potencial de liberdade; a automação total seria o ponto óptimo.” (Marcuse,1968,144). Marcuse oscila entre estas duas hipóteses: vislumbra a possibilidade da transformação do trabalho numa óptica não repressiva mas não tem a certeza disto: o trabalho tem como tudo um carácter dialéctico pois é alienante e opressor no interior do capitalismo mas em termos gerais e abstractos uma vez que é por seu intermédio que o homem se constrói, ele encarna a essência do homem. A questão está em aceitar se é no trabalho ou fora dele que se pode construir o conjunto de relações penetrada pela inteligência sensitiva e conducente à utopia.
A descodificação das relações de trabalho como relações alienantes e instrumentais de uma ordem destrutiva e de desperdício aliada a uma consciência política que permita a compreensão de todo o processo inerente, formaram a base da nova ordem social. Deixar o trabalho continuar a ter o papel de organizador da vida social guiado não já pelo princípio da realidade que no capitalismo assume o modo de princípio do desempenho mas pelo princípio do prazer é o caminho da Grande Recusa. Nas novas condições laborais o trabalhador deixaria de ser alienado tanto do produto quanto dos conhecimentos técnicos e informações ao trabalho inerentes: esta condição é absolutamente necessária para o trabalhador situar o seu trabalho na cadeia intra e interlaboral, dando-lhe uma perspectiva correcta da sua função no conjunto de funções sociais que concorrem para o todo. Isto dar-lhe-ia a capacidade de participar com consciência, responsabilidade e conhecimento nas decisões atinentes ao universo laboral.
Na medida em que se percebe a história humana entrelaçada ao princípio do desempenho, o princípio da automação total parece mais viável libertando energia e tempo para a realização da felicidade.
A segunda hipótese de Marcuse, a automação integral, leva-nos a interpelações pessimistas. Ao invés de libertar o homem para a felicidade, temos a configuração de um novo processo também configurado pelo princípio do desempenho gera relações de exclusão entre os que são necessários e estão adaptados ao novo processo e os que não. Neste processo, as bolsas de misérias são alimentadas pelos excluídos do processo produtivo dado que cada vez diminui o número de pessoas necessárias para a produção material e em associação com isso cada vez é menor o contingente com acesso a essa produção. Desta forma temos um grupo de excluídos: da produção, do consumo e da participação. Esta é uma forma de alienação por desemprego tecnológica vivida na pura e simples exclusão. Agora atenção se o princípio de desempenho se reforça com a automação voltamos à hipótese primeira de Marcuse. Vejamos entretanto o seguinte: para Claus Offe(1995) a categoria trabalho perdeu o papel de referente sociológico fundamental.: perda de referencial da vida humana pela diminuição do tempo de trabalho, pela perde de premiar ou punir em termos materiais ou pelo fim da contemplação dos esforços em função de uma estratégia sectorial progressista. Contudo ele não contou com o fenómeno da exclusão. O que mudou foi a forma pela qual os indivíduos competem, segundo o princípio do desempenho. A questão posta não é da melhor colocação social que justificaria a questão da estratégia social progressista. O que está em causa é uma questão de sobrevivência: a diminuição do tempo de trabalho faz os indivíduos perceberem que cada vez há menos espaço para a colocação da única mercadoria que possuem: a força de trabalho. A centralidade da categoria trabalho mede-se agora em termos de conhecimentos e actualização de conhecimentos para poder integrar o processo produtivo e a compensação e a punição passam pela exclusão ou inclusão.
Se a história do homem é tanto a história da sua repressão individual como a história da sua inserção numa sociedade repressiva e se há um espaço da sua psique que é invulnerável à repressão e se traduz nas actividades artísticas do homem (fantasia), há um espaço colectivo por mais exíguo que seja para a manifestação da sua liberdade que a fantasia traduz ferreamente dentro de cada um. Este espaço da fantasia é o espaço da utopia. Assim, “ O valor de verdade da imaginação relaciona-se não só com o passado mas também com o futuro, as formas de liberdade e de felicidade que invoca pretendem emancipar a realidade histórica. Na sua recusa em aceitar como finais as limitações impostas à liberdade e à felicidade pelo princípio da realidade, na sua recusa em esquecer o que pode ser, reside a função crítica da fantasia... Essa Grande Recusa é o protesto contra a repressão desnecessária, a luta pela forma suprema de liberdade - viver sem angústia. Mas essa ideia só podia ser formulada sem punição na linguagem da arte. No contexto realista da teoria ou mesmo na filosofia, foi quase universalmente difamada como utopia” (Marcuse, 1968,138-9).
Um outro elemento importante do pensamento marcuseano nesta matéria para justificar a possibilidade da liberdade e da felicidade reside no princípio do reforço da repressão que se apresenta continuamente à realidade histórica.” O facto do princípio da realidade ter de ser continuamente restabelecido no desenvolvimento do homem indica que o seu triunfo sobre o princípio do prazer jamais é completo e seguro”.( Marcuse,1968,p36). Não só subsistem espaços onde a liberdade e a felicidade permanentemente se manifestam e podem ser multiplicados porque elas não morreram como é possível pensar na inversão de forças entre o princípio da realidade e o do prazer. Assim diz:”A equação da liberdade e felicidade, sujeita ao tabu da consciência, é sustentada pelo inconsciente. A sua verdade, embora repelida pelo consciente, continua assediando a mente; preserva a memória de estágios passados do desenvolvimento individual nos quais a gratificação imediata era obtida: E o passado continua a reclamar o futuro: gera o desejo de que o paraíso seja recriado na base das realizações da civilização”. (Marcuse,1968,p38).
Quais são as possibilidades de realizar a utopia?. Não envolve qualquer retrocesso civilizacional na direcção da imagem do homem bom e feliz primitivo. Manter-se ia a estrutura tecnológica civilizacional só que gerida por princípios coerentes com os de uma sociedade não repressiva. Na lógica marxista freudiana de um trabalho repressivo por razões diferentes, o trabalho, fundamental na construção da repressão, torna-se o fundamento da libertação. O trabalho que liberta é prazenteiro e desalienado. A possibilidade da utopia passa pela possibilidade da realização da transformação do trabalho nesta perspectiva. Duas são as hipóteses que Marcuse equaciona na possibilidade desta transformação.
Numa primeira hipótese as relações laborais transformar-se-iam num jogo imaginativo, criativo e sensual como é pr+oprio da inteligência sensitiva: “O que distingue o prazer da cega satisfação de carências e necessidades é a recusa do instinto em esgotar-se na satisfação imediata, é a sua capacidade para construir e usar barreiras para a intensificação do acto de plena realização. Embora essa recusa instintiva tenha feito o trabalho de dominação, também pode servir à função opsta: erotizar as relações não libidinais, transformar a tensão e o alívio biológicos em livre felicidade. Deixando de ser empregadas como instrumentos para reter homens em desempenhos alienados, as barreiras contra a a gratificação imediata e absoluta converter-se-iam em elementos de liberdade humana; protegeriam............( sua livre auto-realização?).
Os homens existiriam como indivíduos, realmente, cada um deles moldando a sua própria vida; defrontar-se-iam mutuamente com necessidades e modos de satisfação verdadeiramente diferentes - com as suas próprias recusas e as suas próprias selecções. A ascendência do princípio do prazer engendraria assim antagonismos, dores e frustrações - conflitos individuais na luta pela gratificação. Mas esses conflitos teriam, em si próprios, um valor libidinal: estariam impregnadoa da racionalidade da gratificação. Essa racionalidade sensual contém as suas próprias leis morais.” (Marcuse,1968,144).
Uma hipótese completamente diferente consistiria na automação do trabalho. A automação seria libertadora e peça chave da utopia na medida em que eliminaria ao trabalho sacrificial e, consequentemente, a opressão, o desprazer e a perda de si ocasionada nesse fulcro da vida humana. Diz : “ Quanto mais completa for a alienação do trabalho, tanto maior é o potencial de liberdade; a automação total seria o ponto óptimo.” (Marcuse,1968,144). Marcuse oscila entre estas duas hipóteses: vislumbra a possibilidade da transformação do trabalho numa óptica não repressiva mas não tem a certeza disto: o trabalho tem como tudo um carácter dialéctico pois é alienante e opressor no interior do capitalismo mas em termos gerais e abstractos uma vez que é por seu intermédio que o homem se constrói, ele encarna a essência do homem. A questão está em aceitar se é no trabalho ou fora dele que se pode construir o conjunto de relações penetrada pela inteligência sensitiva e conducente à utopia.
A descodificação das relações de trabalho como relações alienantes e instrumentais de uma ordem destrutiva e de desperdício aliada a uma consciência política que permita a compreensão de todo o processo inerente, formaram a base da nova ordem social. Deixar o trabalho continuar a ter o papel de organizador da vida social guiado não já pelo princípio da realidade que no capitalismo assume o modo de princípio do desempenho mas pelo princípio do prazer é o caminho da Grande Recusa. Nas novas condições laborais o trabalhador deixaria de ser alienado tanto do produto quanto dos conhecimentos técnicos e informações ao trabalho inerentes: esta condição é absolutamente necessária para o trabalhador situar o seu trabalho na cadeia intra e interlaboral, dando-lhe uma perspectiva correcta da sua função no conjunto de funções sociais que concorrem para o todo. Isto dar-lhe-ia a capacidade de participar com consciência, responsabilidade e conhecimento nas decisões atinentes ao universo laboral.
Na medida em que se percebe a história humana entrelaçada ao princípio do desempenho, o princípio da automação total parece mais viável libertando energia e tempo para a realização da felicidade.
A segunda hipótese de Marcuse, a automação integral, leva-nos a interpelações pessimistas. Ao invés de libertar o homem para a felicidade, temos a configuração de um novo processo também configurado pelo princípio do desempenho gera relações de exclusão entre os que são necessários e estão adaptados ao novo processo e os que não. Neste processo, as bolsas de misérias são alimentadas pelos excluídos do processo produtivo dado que cada vez diminui o número de pessoas necessárias para a produção material e em associação com isso cada vez é menor o contingente com acesso a essa produção. Desta forma temos um grupo de excluídos: da produção, do consumo e da participação. Esta é uma forma de alienação por desemprego tecnológica vivida na pura e simples exclusão. Agora atenção se o princípio de desempenho se reforça com a automação voltamos à hipótese primeira de Marcuse. Vejamos entretanto o seguinte: para Claus Offe(1995) a categoria trabalho perdeu o papel de referente sociológico fundamental.: perda de referencial da vida humana pela diminuição do tempo de trabalho, pela perde de premiar ou punir em termos materiais ou pelo fim da contemplação dos esforços em função de uma estratégia sectorial progressista. Contudo ele não contou com o fenómeno da exclusão. O que mudou foi a forma pela qual os indivíduos competem, segundo o princípio do desempenho. A questão posta não é da melhor colocação social que justificaria a questão da estratégia social progressista. O que está em causa é uma questão de sobrevivência: a diminuição do tempo de trabalho faz os indivíduos perceberem que cada vez há menos espaço para a colocação da única mercadoria que possuem: a força de trabalho. A centralidade da categoria trabalho mede-se agora em termos de conhecimentos e actualização de conhecimentos para poder integrar o processo produtivo e a compensação e a punição passam pela exclusão ou inclusão.
Valter Guerreiro
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