sábado, 7 de junho de 2008

Portugal: uma economia submergente


Para quem acompanha o que se passa em Portugal de fora, como eu, no passado mês de Março, fomos confrontados com a boa-nova de que se vivia um momento que muitos classificaram, então, de verdadeiramente histórico (talvez mesmo o momento mais significativo desde 2000, do ponto de vista da economia portuguesa): Portugal tinha consolidado as suas contas públicas (entenda-se um deficit público inferior a 3%, pois alguns, porventura mais antiquados ou estrangeirados como eu, ainda pensavam que a consolidação orçamental significava deficit zero) e teria reiniciado o processo de convergência real com taxas de crescimento económico que em breve seriam a inveja na Europa. Afinal, menos de dois meses decorridos, o Governo veio dizer que ainda não era desta.

Pouco a pouco o Governo vai percebendo aquilo que é a realidade: Portugal continuará a ser um case study nas escolas de economia por este mundo fora. Desta vez, não por ser um caso de êxito sem precedentes (como se dizia nos anos 90), mas porque é talvez a primeira economia desenvolvida que se pode designar de economia submergente. Tal como manda a definição, a economia portuguesa vive um processo de empobrecimento continuado, sustentado e possivelmente irreversível.

Não quer isto dizer que não possa haver um ou outro ano num horizonte de duas décadas em que a economia portuguesa não cresça acima da média europeia (o Governo de turno reclamará imediatamente semelhante façanha e os especialistas de toda a vida falarão na convergência real esquecendo que tal é meramente pontual), mas o processo de empobrecimento já tem oito anos e a nova situação internacional veio confirmar os piores receios para a economia portuguesa (que evidentemente não estava preparada para esta mudança brusca na conjuntura internacional, ao contrário do que dizia o Governo e alguns especialistas).

O processo de empobrecimento é, porém, lento, tão lento que levará mais de uma geração para que a grande maioria dos portugueses sinta que a sua qualidade de vida é inferior à dos seus pais. Por outras palavras, muito possivelmente só a geração que nasceu nos finais dos anos 90 quando chegar ao mercado de trabalho, lá para os finais da segunda década do século XXI, terá consciência de que a sua qualidade de vida, em média, vai ser significativamente inferior à que tinham os seus pais quando chegaram ao mercado de trabalho. Por isso, o processo de empobrecimento é sustentado. Não gerará nenhuma ruptura social ou política grave. A ideia que se generalizou nalguns sectores da opinião pública de que "isto tem de rebentar" ou "isto vai acabar mal" tem um cheirinho a 25 de Abril que não vai acontecer. "Isto" pode durar assim muitos e muitos longos anos.

Espero estar enganado, mas parece-me que o processo de empobrecimento é também irreversível, salvo qualquer choque externo positivo que não se vislumbra (e que seguramente teria de ser de uma magnitude muito superior ao choque que a economia portuguesa teve com a adesão à CEE ou à moeda única). A culpa, por uma vez, não é dos políticos, nem dos empresários, nem dos funcionários públicos, mas de todos os portugueses. Desde sempre a maioria dos portugueses tem deixado claro quando vota que não quer mudança, que não quer suportar os pesados custos das reformas necessárias em troca de benefícios incertos e longínquos. Uma atitude perfeitamente racional, mas extraordinariamente míope.

A depressão que se generalizou no País depois do momento histórico pode afinal não passar de uma miragem (mais uma) compreende-se. Muitos, talvez até o próprio primeiro-ministro e os seus ministros, acreditaram que realmente se estava a fazer reformas estruturais que a seu tempo podiam produzir resultados. Quando o Governo reconhece agora que metas importantes do seu programa só podem ser atingidas depois de 2009 torna-se evidente que a reforma da Administração Pública não terá resultados assinaláveis, que a reforma da Educação deixará essencialmente tudo na mesma e a reforma da Justiça não passou de um piedosa, mas respeitável ideia.

Os arautos do optimismo têm o seu trabalho cada vez mais complicado. Andaram três anos a dizer que, agora sim, as coisas iriam mudar e em menos de dois meses a realidade tirou-lhe o tapete. Afinal as Cassandras (esses malvados profetas da desgraça) e os Velhos do Restelo (essa figura tão difamada) até tinham razão. Esquecem-se de que a decadência do império português e o período filipino em breve demonstraram que o Velho do Restelo estava absolutamente certo. No caso da Cassandra não foram precisas duas gerações, bastou um ano. No nosso caso recente foram mesmo só dois meses

Nuno Garoupa in Jornal de Negócios

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