quinta-feira, 19 de junho de 2008

DE LUANDA, COM DINHEIRO

OS INVESTIMENTOS DA PETROLÍFERA ANGOLANA SONANGOL NAS EMPRESAS PORTUGUESAS
A empresa mais poderosa de Angola já manda no BCP, na Galp e na Amorim Energia. E quer entrar na EDP, na Portugal Telecom (PT) e na ZON (televisão por Cabo óptico). Uma estratégia liderada por um engenheiro discreto e implacável, com aliados preciosos.

Quando o avião a jacto da Sonair, um Falcon 900, aterra no aeroporto da Portela, pilotado por uma tripulação franco-angolana, é habitual já ter um carro com motorista à espera. É nele que Manuel Vicente, presidente da Sonangol, é conduzido até ao Hotel Ritz, no centro de Lisboa, onde os funcionários da recepção já o conhecem. Afinal, o presidente da maior empresa angolana é cliente habitual do hotel de cinco estrelas e sempre que vem a Lisboa, pelo menos uma vez por mês, reserva duas suites: uma só para si, onde dorme; outra para encontros e reuniões de trabalho.

O executivo angolano costuma viajar sem seguranças, mas é raro viajar sozinho - o mais frequente é estar acompanhado pelos seus advogados e técnicos de confiança. Fica em Portugal um a dois dias, no máximo, mas todo o tempo é aproveitado para, sozinho ou com o seu staff, reunir com empresários e gestores com quem já tem negócios. Ou com quem quer ter.

Foi com este ritmo de trabalho que, em menos de um ano, a petrolífera angolana se tornou o segundo maior accionista do Millennium bcp, com uma participação de 7% que já anunciou querer reforçar. Além do banco, a petrolífera tem investido nos principais sectores estratégicos da economia nacional: controla 15% da Galp (através da posição de 45% na Amorim Energia), tem uma parceria com a Portugal Telecom (PT) na Unitel (operadora angolana de telecomunicações) e já demonstrou interesse em entrar nos sectores da energia e do gás natural.

“Sempre se disse que querem ter participações qualificadas nas quatro maiores empresas cotadas nacionais: PT, BCP, Galp e EDP”, revela uma fonte da banca. Duas já estão garantidas. E agora, com o spin-off da PT Multimédia, surge uma quinta opção no horizonte da Sonangol: a ZON Multimédia, que várias fontes do mercado afirmam ser o próximo alvo.

Manuel Vicente está há cerca de dez anos à frente da Sonangol e tem liderado a internacionalização da petrolífera. Mas, embora centralize todas as decisões, não avança sem o aval do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. Quase todas as semanas Manuel Vicente desloca-se ao palácio presidencial, em Luanda, para despachar pessoalmente com o governante os assuntos mais importantes da companhia mais poderosa de Angola. A atitude revela muito: primeiro, que todas as decisões estratégicas da empresa, incluindo os investimentos em Portugal, passam por José Eduardo dos Santos; segundo, que Manuel Vicente é um homem em quem o presidente confia.

A relação de confiança também é política - Manuel Vicente foi o escolhido pelo Presidente de Angola entre o universo de funcionários do MPLA, o partido no poder, para liderar a petrolífera. Discreto e pouco conhecido no meio empresarial, este engenheiro electrotécnico nascido há 52 anos na periferia de Luanda aprendeu inglês por conta própria e foi já no terreno que começou a dominar os segredos da gestão e dos petróleos.

Foi com ele que Paulo Teixeira Pinto, então presidente executivo do Millennium bcp, e António Castro Henriques, administrador, se reuniram várias vezes para negociar a entrada da Sonangol no capital do banco privado português. Os encontros foram quase sempre na sede do banco, em Lisboa, e na Sonangol, em Luanda, onde os executivos portugueses se deslocaram algumas vezes - neste caso, era o próprio Manuel Vicente que ia esperar Teixeira Pinto ao aeroporto.

Já com as administrações do BCP que se seguiram, Manuel Vicente participou nas reuniões quase sempre acompanhado por Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico (BPA), que também terá uma posição no Millennium Angola, e pelo seu director jurídico, Fernando Santos.

O advogado Carlos Feijó, antigo secretário de Estado do Conselho de Ministros em Angola, é outro dos homens de confiança de Manuel Vicente, em especial quando há negociações envolvidas. Considerado um dos melhores juristas angolanos, desloca-se com frequência a Lisboa, onde tem casa, e é quem faz habitualmente a ponte com os advogados da PLM, empresa de advogados de que José Miguel Júdice é sócio.

Quando a agenda não lhe permite acompanhar directamente os negócios, Manuel Vicente mantém-se em contacto por E-mail e pelos seus três telemóveis. Normalmente, “os advogados fazem os primeiros contactos, mas é sempre ele que decide e dá a última palavra”, assegura uma fonte da banca.

Mas Manuel Vicente também dá o primeiro passo. No BPI, foi ele que iniciou as negociações, depois de o presidente do banco, Fernando Ulrich, ter falado com Luanda manifestando a sua vontade de ter a Sonangol ou o Estado angolano como parceiros. Manuel Vicente deu início às conversações de imediato. As negociações ainda estão a meio e, nos últimos meses, as conversas são menos frequentes.

À mesa das negociações, Manuel Vicente é um gestor duro. Não admite ser apanhado em falso, por isso “tem sempre a lição e os papéis bem estudados e tira notas durante as conversas”, revela uma fonte da banca. Não trata de nada à pressa, não perde tempo com conversas de circunstância e evita refeições de negócios. Mesmo no Ritz, prefere comer no quarto ou reservar salas do hotel para manter a privacidade.

Nos encontros de trabalho fala pouco, mas é incisivo quando se faz ouvir ou toma uma atitude mais radical. A BP sabe bem o que isso significa. Em 2001, quando quis divulgar os números da sua produção em Angola, quanto pagava à Sonangol pela concessão e o total de impostos pagos ao governo angolano, foi acusada pela Sonangol de violar regras de confidencialidade. Receosa de perder os acordos de exploração de petróleo em Angola, a BP recuou.

O interesse da Sonangol nas empresas portuguesas começou há cerca de dez anos com a Galp. Hoje, mantem a ligação através da Amorim Energia, que controla 33% da petrolífera portuguesa e onde a Sonangol tem uma participação de 45%. Américo Amorim tem sido, aliás, um parceiro privilegiado dos angolanos.

A exploração de poços de petróleo no Brasil também aguçou o interesse dos angolanos na Galp. Isto porque a Sonangol tem limites de produção petrolífera no seu país, impostos pela OPEP, e para escapar a essas limitações precisa de diversificar as origens. Portugal é a via mais rápida para o conseguir.

Além do BCP e do BPI, a Sonangol está a negociar a compra de 25% do Totta Angola e pode firmar mais uma parceria com o BES: estão a negociar a montagem de operações financeiras para investir na exploração de petróleo no Brasil. Ricardo Salgado, presidente do banco português, mantém contactos regulares com a petrolífera e já admitiu que nunca lhe foi imposta qualquer situação desconfortável.

Mas nem sempre é assim. Há pouco mais de dois meses, rebentou uma polémica entre a Galp e a Sonangol sobre o controlo da Enacol, empresa de combustíveis de Cabo Verde, quando Manuel Vicente fez uma afirmação de poder: “A Galp tem de obedecer às nossas instruções em Cabo Verde. Nós somos os patrões, nós ditamos as regras do jogo. Ponto final.” Américo Amorim desvalorizou as declarações. “As pessoas às vezes acordam maldispostas”, comentou.

Para elementos ligados ao sector da energia, a atitude provocatória de Manuel Vicente é compreensível: A Sonangol está habituada a lidar com tigres. E, para eles, a Galp é um gatinho, como as outras empresas portuguesas.

ONDE JÁ ESTÃO E ...

ZON E PORTUGAL TELECOM PODEM SER OS PRÓXIMOS INVESTIMENTOS DA SONANGOL/AMORIM ENERGIA. A Sonangol tem 45% na empresa liderada por Américo Amorim. Mateus de Brito, vice-presidente da Sonangol, é o representante da petrolífera na administração.

GALP. Foi o primeiro investimento em Portugal. Através da Amorim Energia, a Sonangol controla 15% da Galp, uma posição avaliada em 1,9 mil milhões de euros.

BCP. Já têm 7% do capital do banco liderado por Santos Ferreira (posição avaliada em 573 milhões de euros) e devem reforçar até aos 10%. Vão ter 49,9% do Millennium Angola.

...ONDE QUEREM CHEGAR

Sonangol e PORTUGAL TELECOM (PT) são parceiros na Unitel, a operadora angolana de telecomunicações - controlam 25% do capital. Se adquirir uma participação qualificada na PT, a Sonangol pode entrar no mercado brasileiro de telecomunicações, através da Vivo.

EDP. A Sonangol entrou na Galp quando António Mexia, que hoje lidera a EDP, era presidente. Esta relação pode facilitar a entrada dos angolanos no sector nacional de energia.

ZON MULTIMÉDIA. É a única empresa nacional que detém a tecnologia por cabo óptico, o que tem despertado o interesse da Sonangol. A entrada na companhia liderada por Rodrigo Costa pode tornar-se mais fácil se o BES ou a PT venderem parte das suas participações.

O IMPÉRIO DO PETRÓLEO:

O CRUDE CONTINUA A SER A PRINCIPAL ÁREA DE NEGÓCIO DA SONANGOL, MAS HÁ MAIS...

A PRINCIPAL ACTIVIDADE da Sonangol, que pertence ao Estado angolano, é a indústria petrolífera - representa 95% das exportações de Angola e 50% do PIB do país. Com o recente aumento do preço do petróleo, a Sonangol ganhou liquidez e decidiu apostar em novos mercados, como a aviação, banca, construção civil, indústria alimentar, telecomunicações e gás. Tem mais de 10 mil trabalhadores, escritórios em várias partes do mundo - Hong Kong, Londres, Singapura, Houston, Congo, China, Cabo Verde - e negócios com Portugal e Brasil.
Por: Ana Taborda e Helena Cristina Coelho

3 comentários:

zigoto disse...

Elucidativo:
A globalização no seu esplendor e...malhas que o império tece(u)...

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Com a desilusão dos políticos e empresários portugueses, e já que nem os espanhóis nos querem, venham os angolanos e tomem conta disto.

O império não deixa de ser o mesmo, mesmo estando às avessas.

zigoto disse...

Ó Perdido: por mim, que tenho o síndrome de Aljubarrota, antes eles que nuestros hermanos..