quinta-feira, 20 de março de 2008

QUÃO LONGE ELES VIAJARAM

Um movimento baseado na Turquia, que parece mais moderado do que a maioria dos seus rivais, luta para ser reconhecido como a vanguarda da rede mundial de influência muçulmana.
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É grande a distância que separa as planícies da Anatólia de um campus no coração de Londres, onde eminentes pedagogos de religião distribuem papéis eruditos sobre assuntos religiosos. E as terras altas que estão na fronteira entre a Rússia e a China, uma região onde crianças alegres anseiam por instrução, parecem muito longe de um velho edifício de três andares na Pensilvânia onde um venerando e recluso professor do Islão vive.
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O que há de comum entre estes lugares é uma das mais fortes e mais acessível das redes que estão em competição para influenciar os muçulmanos em todo o mundo – especialmente em locais mais afastados da terra-mãe do Islão. O teólogo que mora na Pensilvânia, Fethullah Gulen, que está no centro desta rede, transformou-se numa das mais importantes figuras muçulmanas, não só na sua Turquia natal, mas também noutros locais muito mais remotos da Ásia Central, da Indochina, da Indonésia e de África.
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Com assumidas crenças na ciência, no diálogo inter-religioso e na democracia pluri-partidária, Gulen ganhou aplausos de muitos sectores não muçulmanos. Ele é um orador intensamente emocional, cujos sermões parecem tocar os sentimentos dos seus ouvintes. Mas o movimento que ele conduz é notavelmente pragmático e vocacionado para a acção.
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Como força global, os Gulenistas são particularmente activos no ensino. Eles afirmam ter criado mais de 500 locais de ensino em 90 países. Uma conferência sobre o ensino que eles organizaram em Londres no último mês de Outubro foi patrocinada por quatro universidades britânicas e pela Casa dos Lordes. Os seus organizadores produziram um volume de 750 páginas que incluía todas as comunicações da conferência.

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Na sua cidade natal, o movimento de Gulen é visto como uma força de equilíbrio contra o ultra-nacionalismo. Mas em regiões distantes, o movimento tem um sabor nacionalista turco. Nas regiões do sul da antiga união soviética, onde as culturas russa, chinesa e iraniana convivem com alguma dificuldade, este movimento parece, por efeito de “contraste”, claramente turco. “Se encontrar alguém da Ásia Central que fala bom inglês e turco, pode ter a certeza de que esse alguém frequentou uma escola “Gulen””, diz-nos um observador turco. No Kyrgistão, por exemplo, o movimento dirige uma universidade e uma dúzia de escolas secundárias que excedem os critérios de qualidade internacionais. Mesmo no Paquistão, os alunos das escolas “Gulen” aprendem canções turcas mas beneficiam de reluzentes laboratórios científicos.
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Surpreendentemente, o movimento “Gulen” construiu uma significativa presença no norte do Iraque através de escolas, um hospital e brevemente uma universidade. Embora este ambiente de dupla influência turca e kurda não seja de fácil convivência para uma instituição de origem turca, o movimento conseguiu construir habilmente relacionamentos cordiais com todas as etnias e todos os grupos religiosos que habitam a região.
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A influência que o movimento Gulen acumulou durante anos é uma surpresa para alguns observadores ocidentais do Islão, mesmo os mais cépticos. Se interrogados sobre qual será a rede islâmica mais activa, muitos eruditos contemporâneos pensarão de imediato na Irmandade Muçulmana, que se disseminou desde 1920 a partir do Egipto até regiões longínquas com o compromisso programático de resistir aos detestados (pelo Islão) secularismo e colonialismo. A verdade é que actualmente a sua presença directa ou indirecta pode ser assinalada em todos os países ocidentais (incluindo os EUA) onde existem grupos islâmicos ideologicamente activos, quer da Irmandade quer grupos islâmicos decalcados do mesmo modelo.
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Entre os sucedâneos ideológicos da Irmandade há que apontar o maior grupo francês, uma federação que tem por objectivo coordenar a acção política de grupos islâmicos por toda a Europa e que inclui um “Conselho fatwa” que oferece aconselhamento moral e ideológico a todos os muçulmanos europeus. No Reino Unido, o domínio da Irmandade Muçulmana dividiu-se em duas tendências, sendo uma menos política, mais religiosa e “caritativa”, e outra mais politizada e ideológica conhecida pelo nome de British Muslim Initiative, que está agora ocupada a organizar protestos de rua contra as acções israelitas em Gaza.

Pelo aspecto que tudo isto tem, podemos dizer que o movimento “Gulen” é mais benigno quando comparado com qualquer destes – do ponto de vista ocidental – ou qualquer outra irmandade ou associação cultural, ideológica ou política de matriz islâmica. Embora todas as “associações” islâmicas aconselhem os seus seguidores a tirarem todos os benefícios que puderem da democracia secular de modelo ocidental, elas nunca deixam de insistir que a forma ideal de governo é o de raiz islâmica, portanto baseado nos ditames da Sharia e do Hadith. Ao contrário, os “Gulenistas” afirmam que abraçam a democracia pluripartidária com toda a sinceridade e não apenas como uma táctica para aparentar o que não são, "como os islamistas fazem." Os que duvidam declaradamente disto são os turcos seculares que vêem os “Gulenistas” como “camaleões” que “apenas mostram a sua face fortemente conservadora na Anatólia profunda”.
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Além de tudo isto, se a mensagem de Gulen é bem vista pelos países ocidentais deve-se em parte ao facto de a mensagem de outras associações ou grupos muçulmanos (se de pendor mais religioso) e islâmicos (se de pendor mais político-ideológico) tem em geral um tom negro (deixando de lado os grupos que defendem abertamente acções terroristas) que causa repulsa à cultura política e religiosa ocidental. Tome-se, como exemplo, o grupo Hizb ut-Tahrir (Partido da Libertação), que é activo em pelo menos 40 países incluindo o Reino Unido e Austrália. A sua linha ideológica defende e recomenda aos seguidores e militantes que os muçulmanos não devem participar em qualquer actividade que tenha a ver com os conceitos ou acções da democracia ocidental tais como eleições, partidos políticos, secularismo, Direito Civil, ou outras, com a justificação de que o único regime que os muçulmanos devem apoiar é um califado global. A sua posição maximalista e a solidariedade que ele proclama contra alegadas perseguições de muçulmanos em todo o mundo podem impressionar estudantes influenciáveis. Um outro competidor é um movimento revivalista islâmico, Tablighi Jamaat, sedeado na Indonésia mas activo em África e na Europa, especialmente no Reino Unido. Comparado com estes grupos, mais ou menos extremistas, o movimento Gulen propõe uma mensagem aos muçulmanos jovens que parece mais positiva: aconselha-os a seguir as oportunidades do mundo ocidental, embora mantendo na íntegra os princípios fundamentais do Islão.
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Este tom contido rendeu ao movimento muitos adeptos. Mas isto não significa que todos os governos ocidentais aceitem automaticamente as afirmações de moderação do movimento. “Nós sabemos que estamos sob vigilância permanente de todos os serviços de segurança ocidentais,” lamenta um activista “Gulenista”. Isto corresponde à verdade, mas até ao momento os serviços de segurança ocidentais não detectaram quaisquer ligações escondidas com movimentos extremistas.
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Sobre Fethullah Gulen:
UM RAPAZ DO MEIO RURAL NOS PALCOS DO MUNDO
As pessoas piedosas do leste da Turquia, onde Fethullah Gulen nasceu, são loquazes ao elogiá-lo. Antes de ouvir as palavras do pregador há 12 anos, “eu vivia uma vida cheia de mulheres e álcool”, admite Unal Sahin, um joalheiro da pequena cidade turca de Erzurum. Sob a orientação de Gulen, ele tornou-se devoto e generoso, ajudando agora uma universidade na Geórgia, escolas na Índia e no Azerbeijão. “Quanto mais eu dava, mais o meu negócio crescia”, diz. A sua mulher, entretanto, adoptou o lenço muçulmano para cobrir a cabeça.
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Os seguidores das prédicas de Gulen em Istambul podem parecer muito liberais – com mulheres de cabeça descoberta e outras de cabeça coberta a conviver alegremente em público. Mas a pressão social para que as mulheres mais crentes cobram as suas cabeças e se comportem de uma maneira mais conservadora é inevitável num lugar como Erzurum.
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Quando os homens “Gulenistas” se reúnem em encontros sociais nas casas uns dos outros, os homens sentam-se numa sala e as mulheres noutra porque “nos sentimos mais confortáveis dessa maneira”, diz uma mulher “Gulenista”, de cabeça coberta, que faz prédicas porta a porta. “Os nossos maridos não se importam que nós não fiquemos em casa durante o dia… eles sabem que estamos a servir a causa,” insiste ela.
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Um lugar onde a recompensa à obediência religiosa ainda está ausente é na aldeia de Korucuk onde Gulen nasceu, a leste de Erzurum. À parte a nova mesquita, as suas casas são feitas com lama, pedras e cobertura de colmo. Mas as suas 600 almas orgulham-se do filho do lugarejo. “Deus seja louvado, a nossa aldeia é inteiramente muçulmana, e nós não temos essa satânica Internet,” diz Necdet Gulen, primo de Fethullah Gulen. Apesar da enorme admiração que ele atrai, muitos detalhes da vida do pregador permanecem por esclarecer. Antes de mudar para os EUA há uma década, ele tinha de jogar ao gato e ao rato com as autoridades turcas. Pouco depois da sua emigração, ele foi julgado in absentia por “enfraquecer insidiosamente o secularismo”. Este julgamento foi posterior à revelação de uma gravação vídeo na qual ele incitava os seus seguidores a tomar sub-repticiamente o estado. Quando foi acusado, ele disse que a fita era falsificada. Ele foi ilibado em 2006, mas um tribunal de apelo reabriu o caso.
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Um activo importante da rede “Gulenista” na Turquia, que inclui uma universidade, um jornal e um grande número de pequenas e grandes firmas comerciais, é uma cadeia de dormitórios para estudantes. Há na Turquia o costume de os jovens aceitarem a oferta de alojamento em troca de um regime de jejum e oração.

Muitos dos polícias turcos serão simpatizantes do movimento “Gulenista” segundo responsáveis de governos anteriores – um ex-ministro do interior deu uma vez uma estimativa de 70% - e o exército (núcleo duro do secularismo na Turquia) tem manifestado elevadas suspeitas quanto à lealdade do movimento relativamente ao estado turco secular. O movimento diz-se “apolítico” mas tem ligações com quase todos partidos do espectro turco, excepto o principal partido secular da oposição. O movimento “Gulenista” tem muito em comum com o partido Justiça e Desenvolvimento (AK), agora no governo, e eles cooperam, mas os seus interesses não são exactamente os mesmos. Os rumores que correm nos meios urbanos e na imprensa escrita turca dizem que Recep Tayyip Erdogan (na foto em cima), o moderadamente islamista primeiro ministro, está a adiar a substituição do chefe da polícia de Istambul pela simples razão que o movimento Gulen pretende que o chefe seja substituido e o primeiro ministro não quer parecer refém do movimento.
Fonte: The Economist, em edição inglesa.

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