ENTREVISTA A RITA LEVI MONTALCINI

Este registo da entrevista foi enviado por um amigo através da Net. Parece-me que o(a) entrevistador(a) não é feliz no seu desempenho porque não explora melhor algumas questões que mereciam maior desenvolvimento. Em todo o caso impressiona a clarividência, lucidez, cultura e estatura humana da entrevistada.

Entrevista a Rita Levi Montalcini feita no dia 22.12.2005, quando contava 96 anos. Esta investigadora recebeu o Prémio Nobel da Medicina aos 77 anos. Rita Levi Montalcini, nasceu em Turín, Itália, em 1909, e obteve o título de Medicina na especialidade de Neurocirurgia.

Pergunta: ** Como vai celebrar seus 100 anos? **
RLM - Ah, não sei se viverei até lá, e, além disso, não gosto de celebrações. No que eu estou interessada e gosto é no que faço todos os dias!

Perg: **- E o que faz? **
RLM - Trabalho para dar uma bolsa de estudos às meninas africanas para que estudem e prosperem ... elas e seus países. E continuo a investigar, continuo a pensar.

Perg: **- Não vai se aposentar? * *
RLM - Jamais! Aposentar-se é destruir o cérebro! Muita gente aposenta-se e abandona-se... E isso mata o nosso cérebro. E tornamo-nos propensos a adoecer.

Perg: **- E como está seu cérebro? * *
RLM - Como quando tinha 20 anos! Não noto diferença em ilusões nem em capacidade. Amanhã vôo para um congresso médico.

Perg: **- Mas terá algum limite genético? **
RLM - Não. O meu cérebro vai completar um século, mas não conhece a senilidade. O corpo enruga-se, não podemos evitar, mas não o cérebro!

Perg: **- Como consegue isso? **
RLM - Possuímos grande plasticidade neural. Mesmo quando morrem neurónios, os que restam reorganizam-se para manter as mesmas funções, mas para isso é conveniente estimulá-los!

Perg: **- Ajude-me a fazê-lo. **
RLM - Mantenha seu cérebro com ilusões, activo, faça-o trabalhar e ele nunca se degenerará.

Perg: **- E viverei mais anos? **
RLM - Viverá melhor os anos que viver, é isso o mais interessante. A chave é manter curiosidades, empenho, ter paixões....

Perg: **- A sua paixão foi a investigação científica? **
RLM - Sim, e continua a ser.

Perg: **- Descobriu como crescem e se renovam as células do sistema nervoso? **
RLM - Sim, em 1942. Dei-lhe o nome de Nerve Growth Factor (NGF, factor do crescimento nervoso), e durante quase meio século houve dúvidas até que foi reconhecida sua validade e, em 1986, atribuíram-me o prêmio por isso.

Perg: **- Como foi que uma garota italiana dos anos vinte se converteu em neurocientista? **
RLM - Desde menina tive o empenho de estudar. O meu pai queria que eu me casasse “bem”, que fosse uma boa esposa, boa mãe e eu não quis. Fui firme e confessei que queria estudar.

Perg: **- O seu pai ficou magoado? **
RLM - Sim, mas eu não tive uma infância feliz. Sentia-me feia, tonta e de pouca importância... Os meus irmãos, todos mais velhos, eram muito brilhantes e eu sentia-me inferior.

Perg: **- Vejo que isso foi um estímulo... **
RLM – O meu estímulo foi também o exemplo do médico Albert Schweitzer, que estava em África para ajudar a curar a lepra. Eu desejava ajudar os que sofrem, esse é, ainda hoje, o meu grande sonho.

Perg: **- E tem realizado o seu sonho com a ciência? **
RLM - Sim, ao ajudar as meninas de África para que estudem. Lutamos contra a enfermidade, a opressão à mulher nos países islâmicos, por exemplo, além de outras coisas...

Perg: **- A religião trava o desenvolvimento cognitivo? **
RLM - A religião marginaliza muitas vezes a mulher perante o homem, afastando-a do desenvolvimento cognitivo, mas algumas religiões estão a tentar corrigir essa posição.

Perg: **- Existem diferenças entre os cérebros do homem e da mulher? **
RLM - Só nas funções cerebrais relacionadas com as emoções, vinculadas ao sistema endócrino. Mas, quanto às funções cognitivas, não há diferença alguma.

Perg: **- Por que ainda existem poucas cientistas? **
RLM - Não é assim! Muitos descobrimentos científicos atribuídos a homens, realmente foram feitos pelas suas irmãs, esposas e filhas, ou colegas de trabalho.

Perg: **- É verdade? **
RLM - A inteligência feminina não era admitida e era deixada na sombra. Hoje, felizmente, há mais mulheres do que homens na investigação científica: as herdeiras de Hipatia!

Perg: **- A sábia Alexandrina do século IV... **
RLM - Já não vamos acabar assassinadas nas ruas por monges cristãos misóginos, como ela. Claro, o mundo tem melhorado...

Perg: **- Ninguém tem tentado assassiná-la na rua... **
RLM - Durante o fascismo, Mussolini quis imitar Hitler na perseguição aos judeus. E tive que me ocultar por algum tempo. Mas não deixei de investigar, porque tinha o laboratório no meu quarto... E descobri a apoptose, que é a morte programada das células!

Perg: **- Por que existe uma alta percentagem de judeus entre cientistas e intelectuais? **
RLM - A exclusão estimula entre os judeus os trabalhos intelectivos e intelectuais. Os ditadores e os poderosos podem proibir tudo, mas não que pensem! E é verdade que há muitos judeus entre os prémios Nobel.

Perg: **- Como explica a loucura nazi? **
RLM - Hitler e Mussolini souberam como falar ao povo, onde sempre prevalece o cérebro emocional sobre o neocortical, o intelectual. Conduziram emoções, não razões!

Perg: **- Isso estará a acontecer agora? **
RLM - Por que acha que em muitas escolas nos Estados Unidos é ensinado o criacionismo e não o evolucionismo?

Perg: **- A ideologia é emoção, não tem razão? **
RLM - A razão é filha da imperfeição. Nos invertebrados tudo está programado, porque são perfeitos. Nós, não. E, ao sermos imperfeitos, temos de recorrer à razão, aos valores éticos. Discernir entre o bem e o mal é o mais alto grau da evolução darwiniana!

Perg: **- Você nunca se casou ou teve filhos? **
RLM - Não. Entrei no campo do sistema nervoso e fiquei tão fascinada pela sua beleza que decidi dedicar-lhe todo meu tempo, toda a minha vida.

Perg: **- Lograremos um dia curar o síndroma de Alzheimer, o Parkinson, a demência senil? **
RLM - Curar... O que vamos lograr será prevenir, atrasar, minimizar todas essas enfermidades.

Perg: **- Qual é hoje seu grande sonho? **
RLM - Que um dia consigamos utilizar ao máximo a capacidade cognitiva dos nossos cérebros.

Perg: **- Quando deixou de se sentir feia? **
RLM - Ainda estou consciente de minhas limitações!

Perg: **- O que tem sido o melhor da sua vida? **
RLM - Ajudar os que necessitam.