sexta-feira, 28 de março de 2008


Quadro de Eleutério Sanches


Monangamba

Naquela roça grande não tem chuva

é o suor do meu rosto que rega as plantações:


Naquela roça grande tem café maduro

e aquele vermelho-cereja

são gotas do meu sangue feitas seiva.

O café vai ser torrado

pisado, torturado,

vai ficar negro, negro da cor do contratado.


Negro da cor do contratado!


Perguntem às aves que cantam,

aos regatos de alegre serpentear

e ao vento forte do sertão:


Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?

Quem traz pela estrada longa

a tipóia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em paga recebe desdém

fuba podre, peixe podre,

panos ruins, cinqüenta angolares

"porrada se refilares"?


-Quem?


Quem faz o milho crescer

e os laranjais florescer


- Quem?


Quem dá dinheiro para o patrão comprar

maquinas, carros, senhoras

e cabeças de pretos para os motores?


Quem faz o branco prosperar,

ter barriga grande - ter dinheiro?


- Quem?


E as aves que cantam,

os regatos de alegre serpentear

e o vento forte do sertão

responderão:

- "Monangambééé..."


António Jacinto

Poeta angolano condenado a doze anos de prisão no Tarrafal


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