domingo, 16 de março de 2008

É O PETRÓLEO, ESTÚPIDO!

Falcões no Golfo

Bush precisa de um ataque ao Irão para consolidar a sua hegemonia no Médio Oriente

Heiner Karuscheit

Bush insiste em que pretende “resolver o problema nuclear do Irão” antes do fim do seu mandato. É um alerta para a iminência de uma guerra.

Os objectivos políticos de Cheney-Bush com a invasão do Iraque fracassaram. Em vez de ter estabelecido no Iraque um governo estável pró-EUA, como ponto de apoio no Golfo, enfrentam agora o perigo de desagregação. A exploração sem perturbações do petróleo iraquiano, a baixo preço no mercado mundial, torna-se uma miragem, devido aos constantes atentados nos oleodutos. O general Ricardo Sánchez considera a situação no país um “pesadelo” sem fim à vista.

Pelo Médio Oriente correm paralelas as linhas de força internacionais, por aqui vai passar por muitos anos a repartição global do poder. Para fundamentar a hegemonia norte-americana na região, o governo Cheney-Bush apostou na chamada política de transformação. A partir do Iraque, havia que desestabilizar os corruptos governos árabes, da Arábia Saudita ao Egipto, que seriam substituídos por governos modernos, poderes civis aliados a longo prazo dos EUA.

Esta estratégia falhou totalmente, em conjunto com a guerra do Iraque. O triunfo eleitoral do Hamas na Palestina e os Irmãos Muçulmanos no Egipto demonstraram o que a “democratização” significa na prática : o avanço dos movimentos de massas islâmicos, unidos, apesar das diferenças nacionais, na causa comum da oposição aos EUA.

Sobretudo, não se conseguiu vergar o Irão. Foi o contrário. A sua hegemonia no Golfo aumentou depois da ocupação do Iraque. E o Irão não só conta com uma população mais numerosa e está melhor equipado militarmente do que estava o Iraque, como pode recorrer às milícias armadas do Hezbolah no Líbano e de Badr no Iraque. Além disso, a política pró-israelita de Washington ofereceu ao Irão a carta anti-Israel, ultrapassando a tradicional oposição persa-árabe e chamando para o seu lado a massa da população árabe.

Enfraquecida pelo desastre no Iraque, a administração norte-americana sofreu outra derrota na região do Mar Cáspio. A sua instalação no Turquemenistão e Azerbeijão, como base para a guerra no Afeganistão e ponto de partida para o controle do petróleo e do gás – o que colocaria na sua dependência a Europa e a China – está praticamente reduzida a nada pelo acordo de 16 de Outubro, na cimeira de Teerão, que reuniu a Rússia, Irão, Turquemenistão, Cazaquistão e Azerbeijão. Numa clara viragem contra os planos de Washington, estes governos declararam que “em nenhuma circunstância” permitirão que um terceiro Estado “utilize o nosso território para um ataque contra um país membro” e defenderam o programa nuclear do Irão.

Por último, o crescente distanciamento da Turquia, imprescindível como posto avançado da NATO, mas que devido à questão curda se afasta dos seus grandes aliados.

Só na Europa melhorou a situação de Washington devido à mudança de rumo da França. Com as ameaças de guerra a Teerão por parte de Sarkozy, as suas censuras à Rússia por causa da questão energética e o acordo para o estacionamento de mísseis dos EUA na Europa Central, Sarkozy passou a França de aliado da Rússia a aliado dos EUA.

Porquê esta viragem ? O eixo russo-alemão-francês de 2003 era dirigido contra as ambições “unipolares” de Washington na guerra do Iraque. Mas enquanto a França desempenhava um papel secundário nesta aliança, a Alemanha ganhou novos espaços devido à sua aliança com a Rússia. Isto acabou por se tornar inaceitável para Paris e levou-o a mudar de aliado.

O DILEMA AMERICANO

Washington só pode compensar a sua derrota no Iraque com uma batalha triunfal no Irão. Só assim poderia conseguir a sua meta inicial de impor a longo prazo a sua hegemonia no Médio Oriente.

É certo que, teoricamente, Bush poderia abandonar a política de confrontação, dar a Teerão uma garantia de não-agressão, normalizar as relações, levantar as sanções económicas e esperar que o regime clerical se dissolvesse, até porque não goza de um apoio absoluto entre a população. Já se provou que a política de pressão estabiliza em vez de desestabilizar o regime.

Porém, sejam quais forem as forças políticas no poder em Teerão nenhum governo poderá vir a ser vassalo de Washington : ainda não se apagou da memória dos iranianos o derrube do governo de Mossadegh pela CIA e a “revolução islâmica” de 1979. Washington não tiraria proveito de uma política de cooperação ; pelo contrário, seria o Irão que fortaleceria mais ainda a sua posição no Golfo.

Daqui o grande dilema dos EUA : se não abater militarmente o Irão pode dar por perdida a sua hegemonia no Golfo. Como é óbvio, nenhum governo em Washington está decidido a aceitar uma derrota. Os partidários do ataque não prevalecem só entre os republicanos; os candidatos do Partido Democrata, Hillary Clinton, Barack Hobama e John Edwards já manifestaram a sua aprovação a um ataque militar.

Se o “ensaio geral” no Líbano tivesse tido êxito, o ataque a Teerão provavelmente já teria sido levado a cabo. Mas foi o contrário que sucedeu. A influência síria-iraniana manteve-se, Israel sofreu sérios reveses e nem sequer conseguiu libertar os soldados presos, que era o pretexto da guerra.

REALINHAMENTO POLÍTICO DE WASHINGTON

A nova estratégia para conseguir a mesma meta foi posta em prática com o aumento de tropas no Iraque no início de 2007 e com uma reorientação política silenciosa de Washington quanto às forças internas do Iraque e aos países árabes.

No Iraque alargaram-se as alianças com forças xiitas e com sunitas (unidades de pelo menos 50.000 homens), a que foram dados armas e dinheiro para actuarem ao lado do ocupante.

Na Arábia Saudita, Egipto, Jordânia e nos emirados pôs-se termo à política de Condolezza Rice, de transformação e “democratização”, e passou-se a esforços para estabilizar esses Estados. Antes considerados antidemocráticos e anacrónicos, hoje recebem armas no valor de 70 mil milhões de dólares e estão a ser agrupados numa coligação anti-iraniana. Na maioria desses países foram estacionados sistemas Patriot destinados a neutralizar o temido contra-ataque inimigo depois de um ataque a Teerão.

Paralelamente, Washington procura regularizar o conflito israelo-palestiniano. Congelado durante anos por se considerar que o problema essencial da região não era a ausência de um Estado palestiniano mas a ausência de democracia, Washington propagandeava Israel como modelo democrático e dava livre curso aos seus programas de colonização. Agora, com a conferência de Annapolis, procura resolver-se o obstáculo principal à inclusão dos Estados árabes numa frente de guerra contra o Irão, e para isso, Israel é pressionado para aceitar o fim da política de colonização.

Para dar aos seus aliados sunitas maior influência no Iraque, a Casa Branca tem-se esforçado por derrubar o presidente xiita Nuri Al-Maliki e suspendeu o fornecimento de armas ao seu exército e polícia, o que levou este a comprar armas à China no valor de 100 milhões de dólares.

No princípio de Outubro os grupos xiitas mais influentes (Abdulaziz Hakim e Muqtada Al-Sadr), reagindo à viragem nas alianças norte-americanas, acordaram um “pacto de honra” para o fim das hostilidades mútuas. Isto permite entender o actual retrocesso da violência neste país: os ataques aos soldados norte-americanos diminuíram porque uma parte dos rebeldes sunitas passaram para o lado dos ocupantes; os atentados contra iraquianos diminuíram devido à trégua entre as milícias xiitas. O futuro dirá se esta acalmia se mantém no caso de estalar um ataque a Teerão.

O general Sánchez calcula que o exército americano precisará de pelo menos dez anos para se refazer do desaire no Iraque. Isto leva Washington à conclusão de que a guerra deve ser feita do ar, apoiada por alguns comandos terrestres. A meta realista para os EUA é destruir as capacidades militares do Irão, os centros industriais e as infra-estruturas, de modo que por um largo período o Irão deixe de ser uma ameaça. Assim se estabeleceria um novo equilíbrio entre os países árabes, armados, e um Irão enfraquecido. E sobretudo uma nova relação com a Rússia. Quando adverte para o perigo de uma terceira guerra mundial, Washington tem em vista a Rússia. É possível por isso que procure, num futuro não muito longínquo, comprar a reserva de Moscovo fazendo compromissos a outros níveis.

Horizons et Débats, Zurich, 3 Dezembro 2007

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