segunda-feira, 31 de março de 2008

A MORDAÇA


“Fiz há dias 67 anos de idade. Não, não quero parabéns! Quero compreensão. Quero que a inteligência seja uma prenda para todos os meus leitores... os voluntários e os forçados!

Por razões que um dia, mais tarde ou mais cedo, virão a público não estou a escrever neste blogue.

De momento ando muito ocupado.

Prometo voltar em breve. Tão breve quanto os afazeres me deixem.

Para todos, votos de Boa Páscoa e, como nesta quadra se comemora o renascimento, desejo a todos que o bom senso renasça com a força da Primavera, a alegria desponte com as primeiras folhas, a razão brote como os novos ramos rebentam nas árvores.”

A história não começa nem termina neste lamento que leio no blogue “O Fio de Prumo”. Começou a circular na internet através de uma carta fundamentada e documentada de um Sargento-Chefe da Força Aérea, extravasou para a blogosfera e está agora estampada nas páginas do DN de Sábado passado e de hoje.

Vou ser tão breve quanto a indignação e a solidariedade com esses meus dois camaradas militares mo permitirem.

É conhecida a política de saúde (per)seguida pelo governo de José Sócrates e o respectivo clamor de protestos que tem desencadeado por todo o país. O que nem sempre tem merecido a devida atenção dos media é que também o direito à saúde dos militares tem sofrido o mesmo tratamento de polé.

As associações militares vêm há muito envidando esforços junto das chefias e da tutela, no sentido de inverter o rumo da política governamental neste domínio. Sem sucesso.

E agora que um militar reformado usa o direito de expressão que a Constituição da República lhe confere, é alvo de um processo disciplinar movido pelo Chefe do Estado Maior do respectivo Ramo. As Forças Armadas, como qualquer Instituição da República, não podem constituir um estado dentro do Estado, nem o Regulamento de Disciplina pode sobrepor-se à Constituição. A coesão das Forças Armadas e o prestígio das chefias conseguem-se através da dignificação dos militares e do respeito pelos seus direitos, expresso nos Direitos Liberdades e Garantias constitucionais.

Para quem ainda desconhecia a questão, aqui fica a notícia do DN, 29 de Março de 2008, página 17:

“A Força Aérea Portuguesa (FAP) instaurou um processo disciplinar contra um coronel reformado do ramo, por críticas feitas às "longas filas" de militares que querem marcar consultas no Hospital do ramo.

A nota de culpa foi entregue quinta-feira a Luís Alves de Fraga, autor do blogue "Fio de Prumo", por aí ter responsabilizado (a 12 de Fevereiro) as chefias da FAP pelas filas que se formam à entrada do Hospital - visíveis nas fotos exibidas - por militares reformados. "As chefias responsáveis (...) já deviam ter tomado medidas contra tal estado de coisas", frisou o coronel, questionando-se depois se "não serão os Serviços do Estado-Maior da Força Aérea competentes para estudarem e resolverem o problema da marcação das consultas do Hospital".

Luís Fraga, professor na Universidade Autónoma de Lisboa, fez depois comparações com o passado: "A atitude das chefias [actuais] é diferente, porque não tendo coragem ou, tendo-a, não querem dar dela público manifesto, dão, assim, mostras de uma subserviência ao poder político que envergonha a tropa que comandam."

A nota de culpa da FAP declara que aquelas afirmações violam o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) por ferirem a dignidade, a honra e o bom nome das chefias da FAP e, em particular, do seu chefe do Estado-Maior, serem atentatórias da coesão e disciplina na FAP e denotarem, ainda, falta de respeito por aqueles generais e pelos cargos que ocupam, revelou ao DN o advogado de Luís Fraga, Emanuel Pamplona.

"A nota de culpa e o processo disciplinar levantado contra um militar fora do serviço efectivo e há muito na situação de reforma, com fundamento nos motivos acima explicitados, é ofensiva dos mais elementares direitos constitucionais dos cidadãos e até do regime democrático", denunciou Emanuel Pamplona. Como "o militar na reforma não se encontra sujeito às restrições constitucionais relativas à liberdade de expressão", o advogado garantiu ao DN estar-se perante "um problema de liberdade de expressão", onde o recurso ao RDM pela FAP visa "humilhar publicamente alguém que pela sua verticalidade, coragem e saber merece a consideração de todos".

Quanto a haver "militares que se sentem ofendidos nos seus direitos pelo conteúdo do blogue, podem e devem recorrer aos meios comuns, nomeadamente tribunais que se encontram à disposição de todos os cidadãos", acrescentou o advogado.

A FAP "não se pronuncia sobre o conteúdo de processos disciplinares". Mas disse ao DN que "os militares na situação de reforma também estão abrangidos pelo RDM, ainda que existam diferenças de aplicação".”

A propósito deste lamentável episódio da vida castrense contemporânea, veio-me à memória o General Santos Costa que foi um dos mais estreitos colaboradores de Salazar e um dos mais longevos ministros dos seus governos. Ao longo dos 22 anos em que esteve no Governo, onde ocupou os cargos de subsecretário de Estado da Guerra e de ministro da Guerra e da Defesa, foi a figura mais importante do regime junto do Presidente do Conselho de Ministros.

Santos Costa tinha o hábito de escrever com tinta verde e, como gostos não se discutem, daí não viria mal ao mundo. Mas o que ora recordo é que também era useiro e vezeiro em enviar aos oficiais pequenos bilhetes manuscritos a verde, em que começava invariavelmente: “tive conhecimento que o senhor fulano de tal se referiu…etc.”

Mas o verde não significava para o destinatário qualquer sinal de esperança. Era, isso sim, um intimidatório cartão amarelo, quando não vermelho, que lhe comprometia a carreira por delito de opinião.

O que não me consta é Santos Costa ter alguma vez enviado tal pré-anúncio de sanção a militares reformados. Para isso – como para todos os amordaçados cidadãos – à época, sobrava a PIDE.

Enfim: já que não se pode matar a notícia, mata-se o mensageiro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Qual é a surpresa?
Depois do caso do professor Charrua, da polícia nos sindicatos intimidando pidescamente os professores, do médico que afixou um cartaz num centro de saúde e foi corrido, estão à espera de quê?
Estas lembranças são para já não falar do jornalista Balbino Caldeira, a quem José Sócrates processou por uma opinião expressa no seu blogue "Portugal Profundo"; felizmente arquivado.
Com um primeiro ministro destes, estão à espera de quê?
Quem não se verga à voz do dono é tratado como delinquente e perseguido.
Ainda têm dúvidas? Então votem outra vez nele e logo vêm o que vos espera.
Olhem que o Salazar e o Santos Costa deixaram saudades a muito aprendiz de ditador que hoje ocupa o poder.
Não acordem nem reajam, deixem andar e depois queixem-se.

Anónimo disse...

A surpresa? É... ao que isto já chegou! "Eles andam aí", devagarinho, e quando acordarmos se calhar já é tarde. Lembrem-se da frase dos "Vampiros": Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada.