terça-feira, 28 de outubro de 2008

Alterações democráticas - Verdades inconvenientes

A Internet começa a desafiar a televisão e é uma esperança de recriar o debate democrático. A posse de meios de comunicação — imprensa, rádio, cinema, televisão — por parte dos que defendem o interesse público é outro dos grandes desafios da contemporaneidade. A comunicação social como negocio e grupo de pressão (think tank) é hoje a maior ameaça à democracia e ao desenvolvimento de uma vida melhor e mais civilizada para a humanidade.Na dança da democracia bailam dois: os líderes e as pessoas. E se as pessoas não sentirem a urgência de provocar certos movimentos, os líderes seguem o seu caminho. É por isso que é mais importante trabalhar para mudar a consciência política das pessoas — o seu modo de dançar — do que a dos líderes. Quando a critica se dirige apenas aos líderes, sem que se apresentem com clareza outros caminhos viáveis, a exigir pelas pessoas, não vamos a lado nenhum, ou melhor, vamos para onde os líderes nos conduzem. Não há dança, o par, com maior ou menor resistência, é conduzido pelo interesse da liderança. Quando as pessoas conhecem os problemas, e têm para eles soluções, passam a exigir aos líderes outro bailar.
Trabalhar para partilharmos juntos o entendimento do mundo — e o modo de dançar —, com base na nossa diversidade, e avançar por novos caminhos, são condições para termos êxito no nosso propósito de contribuirmos para que o mundo e a humanidade sejam melhores. Aceder à partilha do entendimento do mundo com base na diversidade pressupõe despirmo-nos permanentemente dos dogmas, hábitos e crenças que vestimos e teimamos em trajar. Talvez que civilizar-se, cultivar-se, desbarbarizar-se, seja em grande parte despir-se permanentemente de dogmas e de crenças.
Vivemos uma crise grave. Mas as crises, se são sinais de alarme, são também alertas para novas possibilidades de mudar a vida. Mais do que entregarmo-nos ao alarme da crise importa descobrir as oportunidades que lhe estão associadas e rasgar os caminhos que elas nos proporcionam.
A crise que vivemos tem algumas raízes no modo como a nova comunicação social é agora controlada e usada. As televisões triunfaram nas últimas três décadas. Este triunfo colocou ao alcance das pessoas um enorme volume de informação. Paradoxalmente, este volume de informação não está a contribuir para tornar a humanidade mais bem informada e esclarecida, pelo contrario, a falta de informação sobre a realidade, o culto do efémero e a alienação, afectam hoje a maior parte das pessoas. A opinião pública, sob a pressão da comunicação social, adopta a trajectória ondulante e errante da borboleta.
No Mundo Ocidental, até ao final da Idade Média, a estrutura feudal e o domínio da aristocracia feudal foram garantidas pelo monopólio da informação na posse da Igreja Católica (aparelho ideológico totalitário). O aparecimento da imprensa, no Renascimento, rompeu com o monopólio da informação na posse da Igreja. Algumas pessoas puderam, a partir de então, utilizar o conhecimento para mediar entre riqueza e poder, rompendo com a estrutura feudal construída à sombra do monopólio da informação até então existente. O desenvolvimento da imprensa foi imprescindível para produzir e distribuiu novos poderes conduzindo a Europa ao Iluminismo.
As bases em que tem repousado a democracia ocidental foram criadas pelo Iluminismo e baseiam-se no domínio da razão, a qual só foi, e é possível, pela diversidade e disseminação da informação. A imprensa deu a cada individuo a capacidade de se juntar aos outros no debate público. O poder deixou de pertencer apenas aos que tinham riqueza e passou a ter de ser partilhado por aqueles que, mesmo não tendo riqueza tinham informação e capacidade de a usar. Gutenberg chegou há 500 anos. A televisão chegou há 50 anos. Com Gutenberg e a imprensa o mundo ocidental abriu e multiplicou canais de comunicação abrindo caminho à razão, à democracia, à participação, ao debate público, à noção de coisa pública e de serviço público. Esta revolução e os caminhos que abriu estão a ser fechados pela revolução trazida há 50 anos pela televisão. Esta apresenta-se cada vez mais como força única (novo aparelho ideológico totalitário), propriedade exclusiva de uns poucos e ao serviço da nova classe dominante que domina, já não só nações, mas o mundo.
Na Idade Média a Igreja, e com ela uma diminuta aristocracia, dominavam globalmente o mundo (re)conhecido. Hoje o mundo está a ser progressivamente dominado por alguns think tanks (grupos de pressão) cada vez mais bem articulados entre si e ao serviço de uma nova e cada vez mais restrita classe dominante.
Vivemos uma espécie de regresso aos mosteiros medievais, visto que a fonte e a selecção das mensagens regressou às mãos de alguns eleitos (membros dos grupos de interesse e de pressão), a nova congregação dos media. Os jornalistas de agora são os monges de outrora.
Nestes dias, os indivíduos já não podem participar no debate público por cima ou por fora dos meios de comunicação. Por isso, os debates sobre a democracia, os direitos de participação, a condução política, as mudanças sociais e do Estado, passam, inevitavelmente, pelo debate sobre o controle dos meios de comunicação social. É na comunicação social que agora se trava o essencial da luta política.
No século XX vimos aparecer a rádio com um poder de influência semelhante ao que hoje tem a televisão. Alguns países souberam produzir leis que regularam a utilização do meio radiofónico e o democratizaram submetendo-o ao interesse público e ao exercício da cidadania. Noutros países a desregulação foi total e pagaram por isso. Na Alemanha Nazi, Goebbels, utilizou como ninguém a rádio para vender o Nazismo e fazer de Hitler a divindade nacional. De certo modo foi através da rádio que o Nazismo e o Fascismo se espalharam e entranharam na consciência de milhões de cidadãos da Europa. A desregulação das televisões, a sua submissão a think tanks e aos negócios e não aos interesses da cidadania, são hoje uma ameaça totalitária e permanente ao interesse público.
A crise da democracia para ser resolvida precisa de ferramentas. Essas ferramentas passam muito pelas novas tecnologias da informação. São estas que poderão permitir dar voz às pessoas e re(criar) uma sociedade onde as pessoas possam ser informadas e possam participar no debate público. A Internet, se não for entretanto apanhada pela congregação dos média pode ser uma concorrente real das televisões. É por isso imprescindível acompanhar o desenvolvimento da Internet, garantindo que ela se desenvolva como um meio democrático capaz de ser usado democraticamente pelo conjunto da população. A solução da crise não dispensa a regulação dos meios de comunicação mais poderosos colocando-os sob controle público e ao serviço do interesse público. Pelo seu lado, as organizações sociais não se podem dispensar de pensar hoje na criação e utilização solidária dos seus media.
A política pública, e a democracia, estão hoje reduzidas ao espectáculo brejeiro e a spots televisivos. Nós sabemos que nada de sério se coaduna com o espectáculo brejeiro e efémero ou se trata num spot televisivo. Hoje, a tela entretêm-nos com o espectáculo da política e faz-nos bailar a todos ao gosto das lideranças mundiais. A política pura e dura, com consequências reais, faz-se, entretanto, por baixo do pano.
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4862

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