Em especial o desgaste psicológico, tão incompreendido por muitos dos críticos dos professores que parecem não perceber do que se fala.
Se há crítica que me irrita solenemente (na verdade há várias, tomara eu que fosse só uma…) é aquela em que se afirma que não deve ser docente quem não se sente em condições para se impôr numa sala de aula a 25 crianças e/ou (pré-)adolescentes.
É mais fácil dizê-lo do que fazê-lo. E muito menos fazê-lo uma mão-cheia de vezes por dia. Ali, em frente de todos aqueles olhos, desempenhando o melhor possível performance a seguir a performance, na expectativa de obter resultados e sentir um feedback positivo.
Há muito boa gente, com gosto por ensinar e natural vocação para essa função que, infelizmente, tem naturais dificuldades em enfrentar uma plateia. É muito comum no início da carreira, assim como em todos os inícios de ano lectivo, mas muitas vezes o nó no estômago permanece para além disso. Conheço tantos e tantos casos, em que esse bloqueio, maior ou menor, só desapareceu ao fim de meia dúzia de anos ou mesmo de uma década.
Há quem não entenda a dureza de, em especial em início de carreira, enfrentar a cada novo ano, uma nova Escola, uma nova sala de professores, um novo conjunto de turmas. Digam o que disserem é necessária uma grande resistência psicológica e há quem faça das tripas coração para seguir em frente. Muitas vezes, o equilíbrio consegue-se, em outras acaba mais tarde ou mais cedo por romper-se.
Afirmar que essas pessoas não são competentes é uma tremenda injustiça. Mas há quem o faça sem rebuço ou pudor e o próprio ME actualmente valida essa atitude, ao forçar o afastamento das Escolas de pessoas com redução da componente lectiva por razões do foro psicológico, claramente causadas pela prática profissional, mas que ainda têm muito valor e muito podem oferecer às escolas em outras funções.
Nos primeiros dez anos em que leccionei como contratado, conheci oito escolas diferentes e milhares de alunos, quase sempre em regime de substituição, entrando já com o ano em andamento, sendo necessário conhecer espaços, rotinas e muita gente nova. Quantas vezes comecei a leccionar no dia seguinte a receber a carta da DREL a mandar-me apresentar na escola X. Um ano houve (1991/92?) em que leccionei 11 turmas de 9º ano, substituindo uma colega grávida desde o 2º período. Quase 300 alunos!!! No meu primeiro ano nas lides (1986/87) leccionei à noite turmas dos Cursos Complementares, em que todos os alunos eram mais velhos do que eu. Mesmo no 3º ano do Curso Geral os mais novos eram da minha idade.
Apesar de moderamente introvertido e não propriamente bem-falante, tenho a felicidade de não me sentir muito intimidado a falar em público. O nó no estômago desfez-se exactamente por essas alturas, quando acabava o curso, ao intervir em RGA’s hostis, tentando expôr argumentos em clima de insurreição. Mas nem todo(a)s têm essa sorte.
Há quem sofra atrozmente com todos aqueles olhares a examinar-nos. Só quem nunca leccionou é incapaz de perceber que uma turma é, a um tempo, um conjunto de indivíduos, cada qual com a sua individualidade e as suas idiossincrasias, mas ao mesmo uma entidade colectiva com um comportamento de grupo autónomo perante o docente. E que em muitos casos o processo de conhecimento mútuo pode ser atribulado. Algumas vezes é como tentar lidar com um rebanho calmo em prado aprazível, mas em muitos outros casos é uma espécie de rodeo com puros sangues bravios. Com a invenção descabelada das aulas de substituição no modelo incongruente que o ME arranjou, para além das nossas turmas regulares, podemos conhecer todas as semanas um novo grupo (ou dois) e de (re)agir em conformidade.
Se para mim o não é, para muito(a)s colegas isso é especialmente doloroso, fazendo crescer a ansiedade a níveis muito dificilmente suportáveis. Serão “piores” docentes do que eu? Obviamente que não. Isso seria considerar que para se ser docente serviria qualquer pessoa extrovertida e facilmente sociável, ou que esse deveria ser critério eliminatório no acesso à docência.
Será que na formação dos futuros docentes existem espaços disciplinares onde se procure prepará-los para esse tipo de situações? Claro que não, pois a exaltação pedagógica é essencialmente livresca e debitada por quem raramente passou por aquilo que descreve e que nunca aplicou as fórmulas que reputa de ideais e infalíveis.
Por isso muitas vezes os docentes são quase devorados no início de carreira. E outros vão sofrendo um enorme desgaste ao longo dela. Mas isso não é reconhecido pela tutela. Agora e cada vez mais os docentes são encarados como meras peças descartáveis, depois de mostrarem a fadiga própria do uso prolongado e intensivo. Quanto mais indiferenciados melhor, para que ninguém sinta que não pode ser substituído a qualquer momento, como numa linha de produção.
Resta-nos o consolo de saber que, apesar de tudo, a maior parte de nós acaba por ir sobrevivendo mais do que certas personagens, essas sim de esquecimento rápido.
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