A Turquia tenta fazer o impensável: A reforma do Islão e a sua modernização.
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A Turquia vai publicar um documento que “representa uma interpretação revolucionária do Islão – e uma controversa e radical modernização da religião, revelou há dias a BBC.
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Trata-se da “revisão fundamental do Hadith”, uma colectânea de milhares de afirmações e pensamentos atribuídas ao profeta Maomé e que constituem o segundo mais importante texto sagrado dos muçulmanos depois do Qurão. Para os crentes, o Hadith é um guia para interpretar o Qurão e também grande parte da Sharia, a lei islâmica, a que os clérigos muçulmanos chamam também “a Lei Divina”.
A Turquia vai publicar um documento que “representa uma interpretação revolucionária do Islão – e uma controversa e radical modernização da religião, revelou há dias a BBC.
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Trata-se da “revisão fundamental do Hadith”, uma colectânea de milhares de afirmações e pensamentos atribuídas ao profeta Maomé e que constituem o segundo mais importante texto sagrado dos muçulmanos depois do Qurão. Para os crentes, o Hadith é um guia para interpretar o Qurão e também grande parte da Sharia, a lei islâmica, a que os clérigos muçulmanos chamam também “a Lei Divina”.
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A revisão, que será empreendida por uma equipa de teólogos da Universidade de Ancara, foi encomendada pelo poderoso Directório dos Assuntos Religiosos, ou Diyanet.
Segundo Robert Piggott, correspondente de questões religiosas da BBC, “o Estado turco considera que o Hadith tem, frequentemente, influência negativa numa sociedade que tem pressa em se modernizar, além de que é responsável por obscurecer os valores originais do Islão”.
A revisão, que será empreendida por uma equipa de teólogos da Universidade de Ancara, foi encomendada pelo poderoso Directório dos Assuntos Religiosos, ou Diyanet.
Segundo Robert Piggott, correspondente de questões religiosas da BBC, “o Estado turco considera que o Hadith tem, frequentemente, influência negativa numa sociedade que tem pressa em se modernizar, além de que é responsável por obscurecer os valores originais do Islão”.
A Turquia percebeu que “um número significativo” das afirmações atribuídas a Maomé nunca foram por ele proferidas e, mesmo as que foram, “necessitam de ser reinterpretadas“, salienta Piggott. Para muitos dos que apoiam esta revisão, será o princípio da “reforma” de uma religião com 1400 anos.
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Com receio de polémica, as autoridades turcas hesitaram até agora em avançar com este projecto, que o Diyanet já anunciara em 2006, com a intenção de expurgar o Hadith, designadamente das suas “passagens misóginas”, as que discriminam e subordinam as mulheres aos homens.
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No entanto, um exame forense na Escola de Teologia da Universidade de Ancara concluiu que alguns dos hadiths (ditos) de Moamé “foram inventados centenas de anos depois” de o profeta morrer “para servirem as sociedades da altura” – como é o caso, por exemplo, da mutilação genital feminina.
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Por isso, mesmo as mensagens consideradas genuínas serão reavaliadas. Não faz sentido, observou Mehmet Gormez, do Diyanet, que a proibição de as mulheres viajarem sozinhas, apenas porque não era seguro no tempo de Maomé, se tenha tornado permanente em vez de temporária.
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Para Fadi Hakura, especialista em assuntos turcos na Chatam House, em Londres, os turcos estão a “recriar o Islão”, adaptando-o a uma moderna democracia secular. “É semelhante à Reforma do Catolicismo praticado pelo movimento protestante. Embora não exactamente igual, é semelhante porque implica mudanças nas bases teológicas”, disse à BBC.
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Com receio de polémica, as autoridades turcas hesitaram até agora em avançar com este projecto, que o Diyanet já anunciara em 2006, com a intenção de expurgar o Hadith, designadamente das suas “passagens misóginas”, as que discriminam e subordinam as mulheres aos homens.
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No entanto, um exame forense na Escola de Teologia da Universidade de Ancara concluiu que alguns dos hadiths (ditos) de Moamé “foram inventados centenas de anos depois” de o profeta morrer “para servirem as sociedades da altura” – como é o caso, por exemplo, da mutilação genital feminina.
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Por isso, mesmo as mensagens consideradas genuínas serão reavaliadas. Não faz sentido, observou Mehmet Gormez, do Diyanet, que a proibição de as mulheres viajarem sozinhas, apenas porque não era seguro no tempo de Maomé, se tenha tornado permanente em vez de temporária.
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Para Fadi Hakura, especialista em assuntos turcos na Chatam House, em Londres, os turcos estão a “recriar o Islão”, adaptando-o a uma moderna democracia secular. “É semelhante à Reforma do Catolicismo praticado pelo movimento protestante. Embora não exactamente igual, é semelhante porque implica mudanças nas bases teológicas”, disse à BBC.
Comentário meu: Esta tentativa de mudança - porque não passa de uma bem intencionada tentativa enquanto não for aceite pelos crentes turcos - irá demonstrar duas coisas:
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1º - até que ponto os crentes turcos serão capazes de pensar pela sua própria cabeça em vez de pensarem pela cabeça dos clérigos muçulmanos. É evidente que estas mudanças serão mal recebidas pelos clérigos muçulmanos, principalmente árabes e paquistaneses, para não mencionar os crentes fundamentalistas, ou extremistas, ou conservadores. Os clérigos não turcos terão relutância em aceitar estas alterações porque seria negar o principal ensinamento em que eles insistem constantemente nas suas prédicas: ninguém deve ser intrometer-se em questões teológicas. Essa matéria é da exclusiva responsabilidade dos clérigos, sejam eles Imans, Mulahs, Muftis, ou Qadis. Os clérigos são os crentes que supostamente mais sabem de matéria religiosa e de teologia muçulmana. Porém, os clérigos nunca abriram o conhecimento teológico aos crentes vulgares por receio de vulgarizar o saber e perderem as vantagens económicas, políticas e sociais [estatuto] que tanto os beneficiam. Trata-se portanto de uma defesa de carácter corporativo. Ligada a este aspecto, devemos não esquecer que os clérigos profissionais são muito numerosos em todas as sociedades muçulmanas (porque é a educação mais acessível quer economica quer fisicamente). É o número que lhes dá grande força corporativa.
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2º - Se os clérigos turcos aceitarem as alterações, então serão a excepção. Mas serão mal vistos e caluniados pelos restantes clérigos de outros países muçulmanos. Se os crentes turcos aceitarem pacificamente as alterações propostas, poderemos concluir que o laicismo criou na Turquia uma realidade cultural e politica diferente da dos outros países muçulmanos.
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A relutância em aceitar esta revisão do Hadith tem outra razão. Durante muitos anos, principalmente depois da época moderna, os clérigos criaram a verdade doutrinária de que o Hadith era a palavra divina revelada ao profeta. A Sharia, que está quase toda no Hadith, era a Lei de Deus, portanto imutável como tudo o que tem origem divina. Por consequência, mudar o Hadith é renegar a vontade de Deus e muitos dos fundamentos religiosos que ajudaram a dominar politicamente as sociedades muçulmanas através da Sharia. Alterá-la é traí-la e desmentir muito do que os clérigos muçulmanos têm ensinado. Portanto, há que esperar acesa oposição, principalmente dos árabes [da Arábia Saudita], que ainda hoje não se libertaram da ideia de que são os “donos” do Islão.
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Embora se saiba que, por diversas vezes, reis, chefes militares e outros senhores que exerceram o poder político em algumas épocas históricas e regiões alteraram o Hadith para o harmonizar com necessidades estratégicas momentâneas ou culturas locais, é hoje muito difícil distinguir o que pertence à versão original (portanto do profeta) daquilo que foi adulterado. Apenas algumas dessas alterações são hoje detectadas por meios indirectos tais como estudos históricos, sociológicos, antropológicos, políticos. A mutilação genital feminina é um desses exemplos. Os árabes nunca a praticaram, portanto não existia no tempo do profeta, nem a praticam actualmente. Esse costume é mais vulgar em certas regiões do Norte de África e centro-africanas. No entanto, está consignada no Hadith. Daí a conclusão de que foi acrescentada posteriormente por algum governante mais zeloso para dar cobertura a algum costume local.
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1º - até que ponto os crentes turcos serão capazes de pensar pela sua própria cabeça em vez de pensarem pela cabeça dos clérigos muçulmanos. É evidente que estas mudanças serão mal recebidas pelos clérigos muçulmanos, principalmente árabes e paquistaneses, para não mencionar os crentes fundamentalistas, ou extremistas, ou conservadores. Os clérigos não turcos terão relutância em aceitar estas alterações porque seria negar o principal ensinamento em que eles insistem constantemente nas suas prédicas: ninguém deve ser intrometer-se em questões teológicas. Essa matéria é da exclusiva responsabilidade dos clérigos, sejam eles Imans, Mulahs, Muftis, ou Qadis. Os clérigos são os crentes que supostamente mais sabem de matéria religiosa e de teologia muçulmana. Porém, os clérigos nunca abriram o conhecimento teológico aos crentes vulgares por receio de vulgarizar o saber e perderem as vantagens económicas, políticas e sociais [estatuto] que tanto os beneficiam. Trata-se portanto de uma defesa de carácter corporativo. Ligada a este aspecto, devemos não esquecer que os clérigos profissionais são muito numerosos em todas as sociedades muçulmanas (porque é a educação mais acessível quer economica quer fisicamente). É o número que lhes dá grande força corporativa.
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2º - Se os clérigos turcos aceitarem as alterações, então serão a excepção. Mas serão mal vistos e caluniados pelos restantes clérigos de outros países muçulmanos. Se os crentes turcos aceitarem pacificamente as alterações propostas, poderemos concluir que o laicismo criou na Turquia uma realidade cultural e politica diferente da dos outros países muçulmanos.
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A relutância em aceitar esta revisão do Hadith tem outra razão. Durante muitos anos, principalmente depois da época moderna, os clérigos criaram a verdade doutrinária de que o Hadith era a palavra divina revelada ao profeta. A Sharia, que está quase toda no Hadith, era a Lei de Deus, portanto imutável como tudo o que tem origem divina. Por consequência, mudar o Hadith é renegar a vontade de Deus e muitos dos fundamentos religiosos que ajudaram a dominar politicamente as sociedades muçulmanas através da Sharia. Alterá-la é traí-la e desmentir muito do que os clérigos muçulmanos têm ensinado. Portanto, há que esperar acesa oposição, principalmente dos árabes [da Arábia Saudita], que ainda hoje não se libertaram da ideia de que são os “donos” do Islão.
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Embora se saiba que, por diversas vezes, reis, chefes militares e outros senhores que exerceram o poder político em algumas épocas históricas e regiões alteraram o Hadith para o harmonizar com necessidades estratégicas momentâneas ou culturas locais, é hoje muito difícil distinguir o que pertence à versão original (portanto do profeta) daquilo que foi adulterado. Apenas algumas dessas alterações são hoje detectadas por meios indirectos tais como estudos históricos, sociológicos, antropológicos, políticos. A mutilação genital feminina é um desses exemplos. Os árabes nunca a praticaram, portanto não existia no tempo do profeta, nem a praticam actualmente. Esse costume é mais vulgar em certas regiões do Norte de África e centro-africanas. No entanto, está consignada no Hadith. Daí a conclusão de que foi acrescentada posteriormente por algum governante mais zeloso para dar cobertura a algum costume local.
BBC News
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