segunda-feira, 20 de outubro de 2008

ENTREVISTA A HANIF KUREISHI

Hanif Kureishi, nome paquistanês e identidade britânica de um cidadão europeu. Gosta de se definir como simples escritor. Estudou Filosofia em Londres. É um dos representantes mais conhecidos da nova escola de escritores britânicos de origem estrangeira. Este ensaíta e novelista de sucesso, escritor de argumentos de filmes que ganharam vários prémios internacionais partilha nesta entrevista as suas opiniões sobre multiculturalismo, islamismo e capitalismo.
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Pergunta: Na maior parte dos primeiros trabalhos, há uma tentativa – que na maioria das vezes falha – para fazer o Oriente conhecer o Ocidente. É um sonho como artista ou a esperança como homem?
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Hanif Kureishi: É verdade que quando comecei como escritor, uma das minhas ambições era explicar a minha situação particular, que cheguei a acreditar que era uma situação representativa. O meu pai era um imigrante da Índia para o Paquistão e depois para a Grã Bretanha, a minha mãe uma cristã britânica, e tiveram estes filhos que foram vítimas de abusos racistas. Vi que esta situação não só era vulgar na Grã Bretanha como em toda a Europa. Pensei que todos os problemas derivados desta situação que tinham a ver com a raça, com a imigração, com o Islão, com a forma como a sociedade evolui, seriam questões centrais. Mas a ideia de que, de alguma forma o meu trabalho consista em reunir o Oriente e o Ocidente… é demasiado… não é algo que possa fazer.
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Pergunta: Escreveu em “The word and the Bomb” que “o fundamentalismo implica o fracasso do nosso atributo mais significativo, a imaginação. Nos esquemas fundamentalistas só Deus a tem. O resto, nós, somos servos.” Mantem esta opinião?
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HK: Falei disto com um amigo, ontem à noite. Como eu, conheceu muitos daqueles a quem se tem chamado fundamentalistas, muito ao princípio, em meados dos anos 80, depois da Fatwa contra os Versos Satânicos de Salman Rushdie. E nos 90 continuámos a conhecer essa gente. No final, as discussões acabavam em ponto morto porque diziam “o Corão é a palavra de Deus. Deus é a verdade, como podes duvidar? Como podia um homem escrever um livro tão bonito?” Portanto, não há desacordo, a única coisa que podes fazer é aceitar e cumprir os preceitos e, se o fizeres, irás para o Paraíso. Não há discussão possível. Há pontos em que os liberais, eu diria “bons fundamentalistas”, com todo o tipo de ideologias, acabam por discordar em assuntos que põem em causa o multiculturalismo porque não é possível chegar a um compromisso entre visões do mundo tão diferentes.
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Pergunta: Com o passar do tempo entende melhor porque é que tantos jovens procuram respostas na religião?
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HK: O que me surpreende é que não haja mais gente fascinada pela religião. Afinal, as sociedades religiosas são muito atractivas para a gente por todo o tipo de razões extremamente complexas. Uma sociedade laica é uma raridade na história humana. É muito mais difícil viver sem Deus do que com Deus. E as religiões são muito reconfortantes , criam todo o tipo de proibições, barreiras e regras que fazem com que pareça que vives em casa com a tua mãe e com o teu pai como na infância. Viver numa sociedade laica é muito mais difícil, há muito mais escolha, mais vertigem moral, é um pesadelo. Mas eu sou laico e ateu.
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Pergunta: Qual é a sua opinião sobre a crise financeira? Crê que é o enésimo efeito perverso do capitalismo?
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HK: Uma das coisas que sucedeu com o Tatcherismo é que tudo foi liberalizado. Uma das coisas que Tatcher queria é que determinadas pessoas ganhassem dinheiro, ela gostava de riqueza, gostava de homens, principalmente de homens ricos. Foi a primeira figura política do pós-guerra que fez da riqueza um fetiche. A Grã Bretanha em que cresci era uma Grã Bretanha bastante austera, em que se poupava, não se tinha o suficiente.Tatcher era como um milionário da lotaria: gostava de dinheiro, gostava de gastar dinheiro e nós vivíamos nessa desregulamentação que deu a algumas pessoas o direito de serem cada vez mais ricas à custa de outras pessoas. No fim, houve tantas pessoas a roubar o sistema que tudo entrou em colapso. Marx disse sempre que o capitalismo cresceria e depois entraria em colapso, seria um ciclo que se repetiria porque estava construído assim, e foi o que se passou. Que vais fazer para além de rir? Era uma tragédia inevitável.
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Pergunta: Então identifica Tatchter com a degeneração do capitalismo?
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HK: Foi por volta de 1989: foi o colapso do marxismo, de uma ideologia que era sinónimo de igualdade e fraternidade. Foi quando lançaram a fatwa contra Rushdie, o aumento do fundamentalismo como ideolologia alternativa no mundo. As coisas começaram a mudar logo aí. E também a acumulação de riqueza deixou de ser moralmente inaceitável. O sonho da minha vida nos Anos 50, 60 e 70, era essa noção de igualdade, que o fosso entre os filhos dos pobres e dos ricos não fosse tão grande, que os filhos dos pobres não tivessem menos possibilidade na vida e que não fossem humilhados. Esse sonho acabou com a queda do comunismo em 89. Por isso, acho que temos de criar uma esquerda alternativa. Não sei como nem quem, mas é necessária para o futuro da Europa, porque o capitalismo desenfreado só conduz ao consumismo vulgar e à explosão financeira a que hoje se assiste.
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Pergunta: Uma vez escreveu que o multiculturalismo não é o intercâmbio superficial de festivais e comida, mas um intercâmbio substancial e comprometido de ideias. Um choque que é melhor evitar do que experimentar a guerra.” Pode desenvolver esta ideia?
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HK: Esta complexidade do mundo é, de certo modo, esmagadora; há, também, algo de maravilhoso no que surgiu em meados de 80 a que se chama híbrido, que é a mistura das coisas. Algumas versões do Islão são versões de pureza, em que as coisas não se misturaram. Mas um mundo sem misturas, assim, um mundo puro, já sabemos que conduz ao fascismo.
EuroNews

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