sexta-feira, 4 de julho de 2008

Chamem a ASAE



A OMELETA ESTRAGADA

ACPLP vai reunir-se em Lisboa em 20 e 21 de Julho. É possível que o Acordo Ortográfico volte sorrateiramente a fazer parte da agenda.

Pelo sim, pelo não, e para que não haja falhas de cabal esclarecimento, os signatários da petição manifesto em defesa da língua portuguesa estão a entregar nas embaixadas dos países membros da CPLP um dossier com todos os pareceres nega- tivos sobre o AO, que, de resto, se encontram arquivados e disponíveis no seu blogue oficial (http/emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/).

A petição, que já ronda as 80 000 assinaturas, deverá ultrapassar as 100 000 dentro de três semanas. Quando for discutida na Assembleia da República, terá muitas mais. Mas, para já, será um firme e oportuno enquadramento da sociedade civil para a reunião da CPLP.

Entretanto, tive oportunidade de verificar que o Governo induziu escandalosamente em erro o Parlamento, a propósito do AO.

Lia-se no sétimo considerando da Proposta de Resolução n.º 71/X/3, enviada à AR para aprovação do segundo Protocolo Modificativo, que "o actual Governo consultou, através do Instituto Camões, as diversas entidades relevantes nesta matéria, como a Academia das Ciências de Lisboa, a Associação Internacional de Lusitanistas, a Associação Portuguesa de Escritores [sic] e Livreiros, a Associação Portuguesa de Linguística, a Fundação Calouste Gulbenkian e a União de Editores Portugueses".

O primeiro-ministro e os ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência e dos Assuntos Parlamentares invocavam nesses termos as consultas feitas a entidades com peso científico, além das feitas àquelas que, por razões empresariais, teriam interesse em manifestar-se.

Qualquer pessoa desprevenida acreditaria que as respostas recebidas eram globalmente positivas e favoráveis.

Mas não foi assim.

Positiva foi apenas a da Academia das Ciências, em causa própria e com um parecer da pena de Malaca Casteleiro…

A Associação Internacional de Lusitanistas, consultada em 4.10.05, não respondeu.

A Fundação Gulbenkian disse, em 24.11.05, que aplicaria o AO às obras que editasse, após a sua entrada em vigor. Isto é, que cumpriria a lei.

A Associação Portuguesa de Linguística, num extenso e fundamentado parecer de 12.12.05, pronunciou-se pela imediata suspensão do processo em curso. No mesmo sentido, em 1.11.05, o Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras de Lisboa. E o Instituto de Linguística Teórica e Computacional, tendo levantado vários problemas, afirmou: "De qualquer modo, o Acordo Ortográfico terá sempre consequências bem mais graves que a existência actual de duas normas, sobretudo na língua escrita no âmbito da Internet" (28.10.05).

É tudo. Outras entidades universitárias consultadas não chegaram a dar resposta, nem houve qualquer insistência para que a dessem.

As editoras e associações de editores manifestaram outro tipo de preocupações e fizeram perguntas que não foram respondidas.

Assim, o Governo não fez só tábua rasa dos pareceres negativos anteriores: veio invocar perante a AR este panorama contraditório dos fins que tinha em vista e louvou-se nele para fundamentar a sua proposta de aprovação do protocolo, o que é uma fraude pura e simples.

Entretanto, continua a não ser conhecido o teor do estudo sobre a língua portuguesa que foi entregue ao Governo há já várias semanas.

Continua a não se saber qual é a posição da ministra da Educação quanto ao Acordo Ortográfico.

E surgem notícias curiosíssimas como a do Sol de 28.6.08, segundo a qual cerca de 150 docentes e investigadores discutiriam em Coimbra, anteontem e ontem, "os desafios que se colocam ao ensino da língua portuguesa desde o pré-escolar ao básico, nomeadamente com a introdução do Acordo Ortográfico", num encontro que terá reunido professores do ensino básico e superior, entre os quais dois numerosos docentes da universidade.

Há gente que pretende fazer uma omeleta ortográfica a toda a pressa. Mas não quer que se veja que os ovos estão de todo impróprios para consumo e muito menos analisar o estado em que eles se encontram. No fundo, este é um problema mais para a ASAE do que para a CPLP…
Vasco Graça Moura, in DN

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