quarta-feira, 9 de abril de 2008

ACHADO ARQUEOLÓGICO


Gravuras rupestres descobertas no concelho de Tondela


Texto deAna Filipa Rodrigues Fotos deAna Filipa Rodrigues


É difícil acompanhar os passos apressados, mesmo até entusiasmados, do professor de história da Escola Secundária de Tondela, Jorge Humberto Gomes, enquanto este percorre parte dos caminhos isolados do Lugar de Fial, também conhecido como monte dos Fiais, na freguesia de Vilar de Besteiros. Dirige-se para junto do novo achado arqueológico do concelho, do qual teve conhecimento no início do ano, através de um caçador residente no concelho. "Trata-se da descoberta inédita de património arqueológico de gravuras rupestres", explica o professor, à medida que se embrenha no denso eucaliptal do Lugar de Fial.

Cerca de 15 minutos após o início da caminhada, o achado arqueológico aparece sobe um afloramento granítico, que Jorge Humberto tapara com vegetação. "Eu escondi as gravuras, pois era uma pena serem vandalizadas", afirma. O painel de arte rupestre, para já classificada como sendo do período Calcolítico ou Idade do Cobre, delimitado cronologicamente no III milénio antes de Cristo, revela quatro figuras ligadas ao campo mágico e religioso, bem como sinalética circular (cupmarks) que, para o professor, poderiam representar "delimitações territoriais" a nível sagrado ou geográfico. "Pensa-se que estas ‘covinhas’ marcassem zonas transcendentais, do infinito, mas não existe unanimidade quanto à sua explicação", refere. Jorge Humberto Gomes, que se encarregou de limpar as gravuras e de traçar os seus contornos a giz, salienta que a primeira figura que lhe chamou a atenção foi o desenho de uma serpente, um símbolo habitual nas culturas dos povos deste período. "A serpente não tinha o cariz negativo que a cultura cristã lhe atribui posteriormente. Este animal era visto como um símbolo ligado ao campo sexual, à fecundidade feminina e, em alguns casos, ligado à imortalidade".

No achado arqueológico é ainda possível visualizar duas figuras humanas esquematizadas num contexto de postura espiritual. Investigador, há já 20 anos, da cultura Megalítica, que abarca o período Neolítico e Calcolítico, o professor de história defende que o painel revela uma figura feminina, com a cabeça em forma de auréola, e uma figura masculina. "Julgo que se trata de um painel de agradecimento ao culto da fecundidade. O desenho com a cabeça em forma de aureola confere à figura uma postura santificada. Poderiam estar a realizar um ritual religioso. A figura masculina encontra-se numa posição de oferecer algo a uma divindade". Jorge Humberto Gomes não exclui a hipótese de se tratar da representação de um parto ou da celebração do nascimento. As gravuras foram elaboradas na pedra através de raspagem e fricção. Apesar de a laje se encontrar num estado de conservação razoável, a inclinação do afloramento granítico faz com que o escoamento da precipitação seja encaminhado para cima do achado arqueológico. "Julgo que parte do desenho já terá estalado com o frio e com o calor que a pedra sofreu".

Para o investigador, as gravuras constituem "uma forma de conhecer o universo religioso do período calcolítico", tratando-se de mais um documento precioso, de elevado valor histórico, que permite abrir uma janela de conhecimento para o mundo simbólico, ritual e mítico dos antepassados agro-pastoris. Segundo o professor de história, o Instituto Português do Património Arqueológico já foi alertado para a existência das gravuras, bem como já enviou as fotografias do local para alguns arqueólogos que se dedicam ao estudo da cultura megalítica. No dia 30, irá deslocar-se ao local, o arqueólogo André Santos, em funções no Parque Arqueológico do Vale do Côa, para fazer a classificação final das gravuras. Para já a única certeza de ambos os investigadores, é que se trata de um "achado arqueológico relevante".Jorge Humbero Gomes espera que o painel depois de classificado seja preservado e aproveitado, não só para estudo, mas também para fins turísticos.

In “Jornal do Centro”

2 comentários:

Abacaxi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Abacaxi disse...

Nem posso imaginar o que o historiador sentiu e pensou quando viu pela primeira vez e a avaliou esta figura.

Uma descoberta destas acontece uma vez na vida (de alguns arqueólogos).