No Luma-Cassai, era tão fácil como necessário reinventar tudo.
Contar com as próprias forças e sobreviver pelos próprios meios foi, desde início, o lema da companhia.
Chamavam a isso fazer omeletas sem ovos.
Ainda em Santa Margarida, notei que o quadro orgânico não contemplava dois elementos imprescindíveis: padeiro e barbeiro. Só eram atribuídos aos batalhões. As companhias independentes não os tinham.
Para preencher a lacuna, inquirira se havia entre os atiradores alguém com essas profissões civis e o problema ficou resolvido.
De facto, abundava quem soubesse cortar o cabelo. E um dos soldados revelou que “trabalhava numa padaria lá da terra há dois anos”. Era mais do que suficiente.
Não se voltou a pensar no assunto até que, uma semana depois da companhia se instalar no Luma-Cassai, o forno do pão, construído à pressa pelos sapadores com tijolo refractário e cimento branco, ficou pronto.
Estavam todos saturados de acompanhar as refeições com bolachas. Portanto, ainda o sol não tinha nascido, já mais de cinquenta homens formavam bicha para receber, finalmente, a tão desejada ração de pão.
Mas, qual quê? A decepção não podia ser maior! Duro como uma pedra, nem com a faca de mato se conseguia cortar, quanto mais meter-lhe o dente. O padeiro desculpou-se com a má qualidade da farinha e arregaçou as mangas, amassando toda a manhã, preparando nova fornada. Dessa vez era mole e tão intragável como o primeiro. Parecia borracha e ninguém conseguiu mastigá-lo.
- É pá, és o rei do matacão!
- Não digam isso que não tenho culpa nenhuma, a farinha é que não presta.
- Digo, digo: é matacão e que grande matacão! – contrapunha o pessoal.
Só então resolvi perguntar ao soldado quais as funções concretas que ele desempenhara na tal padaria. A resposta não podia ser mais elucidativa:
- Distribuía o pão aos fregueses, de porta em porta.
- Ó homem, só agora é que me dizes isso?
- O meu capitão só perguntou se havia algum padeiro. Olhe que era isso que a freguesia me chamava - respondeu o soldado, para gáudio dos circunstantes.
Sob pena de ficarmos condenados a comer eternamente bolachas em vez de pão, restava uma hipótese: enviar o esforçado candidato a padeiro para o Luso, e pô-lo a fazer um estágio na Companhia de Intendência de Apoio Directo.
Quando, um mês depois, regressou da padaria da intendência, fez questão de presentear o pessoal com um saboroso e fofo pão-de-ló. Mas nunca mais se livrou de ficar conhecido pelo Matacão.
Sem comentários:
Enviar um comentário